É falso que criação de vírus da covid-19 em laboratório esteja comprovada
Não há evidências científicas de que o SARS-Cov-2, vírus causador da covid-19, tenha sido criado propositadamente em laboratório com o objetivo de emplacar um modelo universal de vacina, diferentemente do que diz postagem no Twitter. O post cita a frase "Criamos o vírus SARS propositadamente" como sendo de um doutor chamado Dave Martin, que fala em vídeo cuja legenda é "Nós projetamos o vírus SARS propositadamente". No entanto, não há definição científica sobre a origem do vírus da covid-19.
Conteúdo investigado: Postagem no Twitter com as citações "Criamos o vírus SARS propositadamente" e "A intenção era levar o mundo a aceitar um modelo universal de vacina, e o coronavírus foi a forma para lá chegar" atribuídas a Dr. Dave Martin em uma palestra no Parlamento Europeu, com um vídeo de parte da fala do homem.
Onde foi publicado: Twitter.
Conclusão do Comprova: Não há evidência científica de que o novo coronavírus tenha sido criado propositadamente para levar "o mundo a aceitar um modelo universal de vacina". A origem do vírus ainda está sendo pesquisada e as evidências até o momento apontam que o coronavírus teve origem em morcegos. As alegações sobre a origem do SARS-CoV-2 foram feitas por David E. Martin, um empresário norte-americano, em palestra no Parlamento Europeu que já foi alvo de verificação do Comprova - o evento não reuniu os maiores cientistas do mundo, diferentemente do que havia sido anunciado pelos organizadores, que foram cinco dos 705 deputados.
Em sua fala no evento, Martin alega, sem qualquer comprovação, que o vírus causador da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS) seria resultado de uma pesquisa laboratorial que criou um vírus para inoculação em humanos. Ele faz a ilação com base na existência de patentes para a manipulação do SARS-CoV, pedidas em 2003, e em um estudo que avaliou a inoculação do vírus em humanos em 2015. Com isso, ele conclui que o vírus da covid-19 já vinha sendo trabalhado há anos em laboratórios.
O estudo de 2015 foi publicado pela revista Nature; em 2020 o periódico científico anexou nota sobre o uso equivocado da pesquisa. "Estamos cientes de que este artigo está sendo usado como base para teorias não verificadas de que o novo coronavírus que causa a covid-19 foi projetado. Não há evidências de que isso seja verdade; os cientistas acreditam que um animal é a fonte mais provável do coronavírus", informa o texto.
O SARS-CoV foi descoberto em 2002, com a epidemia de Sars que se originou na China. Em 2004, um estudo em cooperação entre a China e o Reino Unido identificou evidências de origem animal do SARS-CoV. Pesquisas posteriores mostraram que os morcegos são o reservatório natural deste vírus (2013 e 2016).
Sobre o Sars-CoV-2, causador da covid-19, a Organização Mundial da Saúde (OMS) criou uma comissão internacional em 2020 para pesquisar sua origem, mas ainda não divulgou o relatório final. Um documento preliminar concluiu que a hipótese mais provável é que o vírus tenha surgido a partir de morcegos na província de Wuhan, na China. A forma como ele se espalhou para os humanos ainda é incerta, mas há duas possibilidades principais: a de que ocorreu naturalmente ou a de que ele infectou alguém envolvido em pesquisas, dentro de um laboratório - nenhuma das teorias fala que o vírus foi disseminado de forma intencional.
Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 7 de junho, a publicação no Twitter tinha 361,2 mil visualizações, com 9,7 mil curtidas, 4,3 mil retweets e 346 comentários.
Como verificamos: Primeiramente, buscamos a origem do vídeo postado no Twitter, a partir do Search By Image, para verificar a identidade do homem mostrado e em qual ocasião a fala foi proferida. Ao confirmar que se trata de uma participação no Third International Covid Summit (ICS3), ocorrido em maio no Parlamento Europeu, foi possível identificar que se tratava do empresário David E. Martin.
O Comprova pesquisou sobre a biografia de Martin e os estudos mencionados por ele na sua apresentação. Além disso, consultou a OMS para verificar o andamento do estudo internacional sobre a origem da covid-19.
Origem do vírus da covid-19 ainda é indefinida
A comissão de especialistas formada pela OMS para pesquisar a origem do SARS-CoV-2 ainda não emitiu um parecer final sobre o surgimento da doença. O relatório inicial, publicado em março de 2021, apontou que o coronavírus teria surgido a partir de morcegos na província de Wuhan, na China, passado para uma espécie intermediária e então chegado aos humanos.
O documento classificou ainda como ''altamente improvável" que o vírus tenha escapado de um laboratório na China. Estudos científicos já apontaram a relação entre os morcegos e os vírus do tipo SARS e, por isso, a maior parte da comunidade científica mundial considera a tese do surgimento com a participação dos morcegos como a mais provável, e que uma espécie intermediária teria passado o vírus aos humanos no Mercado de Frutos do Mar de Huanan, em Wuhan.
Essa relação entre coronavírus e morcegos foi descrita a partir das pesquisas com o SARS-CoV iniciadas durante a pandemia de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS, em inglês), ocorrida entre 2002 e 2004, especialmente na Ásia. O vírus causador da SARS, embora seja diferente, é da mesma família da covid-19 e da Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS, em inglês), cujo primeiro caso registrado foi em 2012.
Ainda assim, não foi descartada qualquer hipótese e segue a análise de que o vírus possa ter chegado aos humanos após um acidente em laboratório. No final de maio, o professor George Gao, vice-presidente da Fundação Nacional de Ciências Naturais da China, que atuou no Centro de Controle de Doenças (CDC) da China até 2022, falou de forma geral sobre o assunto e disse que no âmbito científico todas as hipóteses devem ser analisadas.
Em janeiro deste ano, foi divulgado o material genético dos primeiros casos de covid-19, que ocorreram ainda no final de 2019 na China, e o resultado constatou a presença de DNA animal. Isso configura uma evidência de origem zoonótica (animal) do vírus. Depois disso, a OMS chegou a pedir publicamente que a China desse transparência a todos os dados que possui sobre o vírus.
O governo chinês rebateu o posicionamento da entidade e garantiu que todos os dados da pesquisa que busca a origem do novo coronavírus estão sendo disponibilizados de forma científica. A China pediu ainda que a organização não "politizasse" a questão.
Quem é David E. Martin
David E. Martin é empresário e responsável pela fundação de diversas empresas do ramo comercial, de tecnologia e finanças. Atualmente, é o CEO fundador da M∙CAM Inc, que atua no gerenciamento de risco financeiro baseado em propriedade intelectual, ou seja, trabalha com a auditoria de qualidade de patentes para entidades públicas e privadas. Ele também foi consultor de políticas públicas do Congresso dos Estados Unidos e do Estado da Virgínia, ambos na área de direito de propriedade intelectual.
Em seu site pessoal, se descreve como "empresário, professor, autor, contador de histórias, inventor, consultor prospectivo global, pai, amigo". Afirma ainda que "sua primeira invenção foi um sistema integrado a laser para direcionar e tratar tumores inoperáveis". No perfil do LinkedIn apontado como sendo de Martin, há informação de que ele realizou uma pós-graduação em fisiologia na Universidade de Ball State e o PhD na Universidade de Virgínia, na área de fisiologia e medicina esportiva.
Os estudos com o nome de David E. Martin enquanto esteve associado à Universidade de Virgínia são relacionados a diagnósticos de doenças e tratamentos, sobretudo de ligamentos cruzados dos joelhos. Ainda em seu site, ele afirma que sua "matemática ajudou a desvendar a forma como o corpo humano processa os hormônios e levou à detecção e tratamento de muitas doenças".
Desde 2020, com o início da pandemia, Martin tem se destacado entre os negacionistas com o uso de sua teoria conspiratória de que o vírus responsável pela covid teria sido uma criação em laboratório, usado como arma humana e para o benefício de laboratórios em busca de uma vacina.
Em agosto de 2020, Martin participou do documentário conspiratório Plandemic: Indoctornation, vídeo que foi banido de plataformas como YouTube e Facebook, por divulgar afirmações falsas. No documentário - que faz afirmações classificadas como falsas pelo Comprova -, Martin é creditado, dentre outras funções, como analista de inteligência nacional e fundador do IQ100 Index (que se trata de um índice responsável por medir o crescimento de empresas que usam tecnologia patenteada).
Na sua participação, ele afirma que o desenvolvimento da covid-19 se dá a partir de uma pesquisa entre institutos de saúde dos Estados Unidos e o Instituto de Virologia de Wuhan, algo semelhante ao que foi dito na apresentação feita no Parlamento Europeu. "Os Estados Unidos podem dizer que foi a China (que teria criado o vírus). A China poderia dizer que os Estados Unidos fizeram isso", conclui ele no documentário.
A afirmação é baseada no fato de que o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA possui a patente do vírus SARS-CoV, assim como outras instituições e empresas. Em 2007, ano de obtenção da patente, o CDC informou que o interesse era poder conceder as informações sobre a SARS de forma pública. Ou seja, o CDC obteve a patente para que a pesquisa e a comunicação pública sobre o vírus não fossem prejudicadas por empresas comerciais, que buscavam o controle privado exclusivo das informações sobre o SARS-CoV.
No Parlamento Europeu, no início de maio, Martin foi creditado como especialista em patentes e atuante no rastreamento das aprovações de direito de propriedade intelectual para verificar se existem atividades suspeitas nos pedidos de patentes com os interesses dos institutos ou empresas. Ele desenvolve sua apresentação com base na tese de que a covid-19 é resultado do desenvolvimento patogênico do coronavírus por laboratórios, mas não mostra qualquer evidência científica.
Qual é a diferença entre SARS-CoV-2 e covid-19
A Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS) é uma doença respiratória causada por um vírus da família dos coronavírus denominado SARS-CoV.
Covid-19 é a doença causada em humanos infectados pelo SARS-CoV-2, outro vírus da família dos coronavírus. O SARS-CoV-2 ficou conhecido, no início da pandemia, como "novo coronavírus".
Clique aqui para saber mais.
O que diz o responsável pela publicação: O Comprova procurou um dos perfis que publicou o conteúdo falso, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.
O que podemos aprender com esta verificação: É preciso ficar atento com o uso de personagens estrangeiros e, a princípio, desconhecidos da maior parte da população como autoridades em determinado assunto.
Há a necessidade de pesquisar sobre os palestrantes ou entrevistados e o contexto da fala reverberada nas redes sociais. Além disso, teorias conspiracionistas, tal qual a ideia de que institutos ou empresas criaram uma doença em busca de lucro, devem ser questionadas, sobretudo quando não são apresentadas as provas.
A verificação mostra ainda a necessidade de se informar pela imprensa profissional e buscar mais informações junto aos órgãos oficiais e de controle, como em relação à origem das doenças e seus transmissores.
Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema: A pandemia é tema frequente de verificações do Comprova, que, recentemente, checou, por exemplo, que as vacinas contra a covid-19 não foram proibidas, que deputado repete alegações enganosas sobre ineficácia dos imunizantes e que vídeo descontextualiza trechos antigos de telejornais para enganar sobre cloroquina.
Este conteúdo foi investigado por O Popular e Folha. A investigação foi verificada por UOL, Estadão, Plural, Grupo Sinos, SBT e SBT News.
O Comprova é um projeto integrado por 40 veículos de imprensa brasileiros que descobre, investiga e explica informações suspeitas sobre políticas públicas, eleições presidenciais e a pandemia de covid-19 compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens. Envie sua sugestão de verificação pelo WhatsApp no número 11 97045 4984.
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