É falso que cada cesta básica doada aos yanomamis custará R$ 20 mil
Márcio Padrão
Colaboração para o UOL, em São Paulo
22/04/2024 19h56
É falsa a informação circulando em vídeos e posts em plataformas como YouTube, Facebook e Instagram de que cestas básicas que serão doadas pelo governo federal a indígenas yanomamis, por meio da contratação de uma empresa de transporte aéreo, custarão R$ 20 mil cada uma aos cofres públicos.
Se chegou a este valor após um cálculo equivocado que não levou em conta que o programa para distribuição de alimentos tem prazo de um ano. O cálculo certo estima em R$ 1.853 cada cesta e seu custo de transporte.
O que diz o post
A jornalista Cristina Graeml, da Gazeta do Povo, diz no vídeo: "Essa empresa de táxi aéreo recebeu R$ 185 milhões da noite pro dia, e aí ela vai ter que ficar encarregada de entregar cestas básicas nas aldeias. Detalhe: sabe quanto que vai custar a entrega de cada cesta básica? Uma cesta básica, que a gente sabe que uma família ali de pai, mãe, dois filhos, que seja, uma família média, a gente sabe que entre os índios a quantidade de filhos é maior. Mas vamos supor: uma família, pai, mãe, com dois filhos, uma cesta básica dura quanto? Deixa eu perguntar para nossa audiência refletir. Dura quanto? Talvez 15 dias, talvez 20? Ou em um milagre, um mês? Ali, um pacote de arroz, um pacote de feijão, um pacote de farinha? Eles mandam açúcar, mandam café. Os índios não estão acostumados a usar esses alimentos. Tudo errado, tudo errado. Mas vamos lá, dura quanto? Um mês? Sabe quanto custou a operaçãozinha aqui do Ministério dos Povos Indígenas [MPI] do governo Luly [forma irônica de se referir a Lula]? R$ 20 mil por cesta básica. R$ 20 mil! Resolve apenas o problema do mês, se é que resolve. R$ 20 mil, eu faço questão de repetir. É isso que o Lula está gastando sem licitação."
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Uma versão editada do vídeo circula no Instagram e no Facebook com o texto sobreposto: "Governo Lula contrata empresa de táxi aéreo sem licitação por 185 milhões. A contratação será para levar cestas básicas às terras indígenas. Os alimentos era levado pelas forças armadas, mas o governo tirou deles, preferiu o táxi aéreo. O valor de cada cesta vai custar 20 mil reais, sim, 20 mil reais, você não ouviu errado."
Além do vídeo, postagens no Facebook apresentam uma imagem com os seguintes dizeres: "Governo dispensa licitação e gasta R$ 20 mil para enviar cada cesta básica para yanomamis", e atribui o dado falso ao Ministério da Defesa.
Por que é falso
Empresa contratada trabalhará por um ano. Em notícia publicada sobre o anúncio do novo transporte aéreo para as cestas básicas dos yanomamis, em março de 2024 (aqui), foi informado o valor aproximado de R$ 185 milhões para o contrato de transporte, com vigência de 12 meses e operação prevista para iniciar até um mês depois da assinatura (no caso, até no máximo abril de 2024).
Declaração de ministro teria levado a cálculo equivocado. Na mesma notícia no site do governo, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, disse: "Até aqui, o Ministério da Defesa esteve à frente desta tarefa, mas o novo contrato permitirá que cerca de 9.000 cestas básicas sejam transportadas através da empresa contratada, permitindo que o MD atue na sua área fim". Em um cálculo simples de R$ 185 milhões divididos por 9.000 cestas, chega-se ao resultado errôneo de R$ 20,5 mil investidos por cesta, que circula no post desinformativo. No entanto, em sua declaração, Rui Costa não explicou que essas cerca de 9.000 cestas serão distribuídas todos os meses por um ano, ou seja, serão mais de 100 mil unidades.
Governo informou dados completos. No site Portal Nacional de Contratações Públicas, do governo federal, é possível encontrar os dados completos no Aviso de Contratação Direta nº 90002/2024 (aqui). O valor exato da contratação foi de R$ 185.917.505,02. Segundo nota enviada pelo MPI ao UOL Confere, a quantidade de doações foi estimada em 8.361 cestas básicas por mês, o que multiplicado por 12 meses, daria 100.332 cestas. Se calcularmos os mesmos R$ 185.917.505,02 do contrato por essa quantidade de doações, o valor estimado por cesta seria de R$ 1.853 — valor bem inferior aos R$ 20 mil do vídeo desinformativo.
Cestas começaram custando R$ 480 em 2023. O valor de R$ 1.853, na verdade, considera tanto a compra das cestas quanto outras despesas da operação, como o pagamento pelo transporte aéreo. O valor unitário da aquisição por cesta, no entanto, é ainda menor. O Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, que adquire cestas aos yanomamis desde o inicio da crise humanitária (aqui), disse em nota enviada ao UOL Confere que elas foram adquiridas pela Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) e possuíam um custo individual de R$ 480, tendo charque como proteína. "Observou-se que o charque não teve aceitação nas aldeias, tendo sido retirado e substituído por outros produtos como sardinha, arroz e farinha", disse a nota.
Valor da cesta básica ficou menor. Por conta da mudança de itens, no segundo semestre de 2023, as cestas passaram a ter custo de R$ 280 cada uma, calculado "com base nos quantitativos adquiridos a diferentes preços ao longo do ano de 2023 e 2024". Mas no início de 2024, as lideranças indígenas foram novamente consultadas por equipes técnicas da Sesai (Secretaria de Saúde Indígena), Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) e MPI. Uma nova composição das cestas está sendo planejada, mas enquanto isso, o MDS vem fornecendo cestas com composição similar às de 2023. O MPI informou em nota os valores de compra dos itens: 20 unidades de sardinha em óleo (125 g) a R$ 4,40 cada uma, total R$ 88; duas unidades de leite em pó integral a R$ 12,50 cada uma, total R$ 25; uma unidade de amendoim torrado sem sal a R$ 15; oito unidades de 1 kg de arroz a R$ 3,38 cada um, total R$ 27; duas unidades de farinha de milho flocada a R$ 3,48 cada uma, total R$ 6,95; e oito unidades de farinha de mandioca a R$ 8,38 cada uma, total R$ 67. Somando tudo, o total da cesta atual custa R$ 228,95.
Por que não houve licitação para a empresa de transporte? A justificativa do MPI, em nota ao UOL Confere, foi o caráter emergencial do caso. A pasta invocou o artigo 75, inciso VIII, da Lei 14.133/2021, que cita "casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a continuidade dos serviços públicos ou a segurança de pessoas".
Jornalista não comentou o caso. Procurada por UOL Confere, Cristina Graeml não respondeu às solicitações para comentar suas declarações.
Este conteúdo também foi checado por Agência Lupa (aqui) e Estadão Verifica (aqui).
Sugestões de checagens podem ser enviadas para o WhatsApp (11) 97684-6049 ou para o email uolconfere@uol.com.br.