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25 anos depois: saiba como o ECA mudou cotidiano de crianças e adolescentes

Do UOL, em Belo Horizonte

13/07/2015 06h00

O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) completa 25 anos de existência nesta segunda-feira (13), e, para especialistas no tema, ele ainda está longe de ser cumprido em sua totalidade --ainda que boa parte da sociedade brasileira considere que o estatuto é "excessivamente brando" e seja protagonista de "um pacto com a impunidade" e comemore a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos em casos que envolvam crimes considerados hediondos.

"Nós temos uma sociedade de pensamento punitivo, na qual as pessoas pensam de maneira muito punitiva. Uma sociedade que acha que adotando a punição, o castigo e medidas violentas não vai reforçar a violência. Quando é exatamente o contrário", afirma Miriam Abramovay, socióloga, pesquisadora e coordenadora de Juventude e Políticas Públicas, da Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais (Flacso), no Rio de Janeiro.

"A sociedade tem uma visão muito negativa dos adolescentes e dos jovens. Por sua vez, os jovens com quem faço pesquisa têm muito medo da polícia e, ao mesmo tempo, têm muita raiva da polícia, porque eles sofrem na mão da polícia. Isso precisa mudar".

Para Maria Fernanda Salcedo, professora do Departamento de Introdução ao Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), é preciso fazer com que a sociedade "entenda o ECA", em especial a diferença conceitual entre ele e seu antecessor, o Código de Menores, de 1979. "Ainda há os que criticam duramente a lei por considerá-la “excessivamente branda”, “permissiva”, realizadora de um “pacto de impunidade” em favor de crimes violentos".

Ariel de Castro Alves, advogado e conselheiro de direitos da criança e do adolescente, diz que o grande desafio após 25 anos do ECA está na sua "efetiva implementação, para tanto é necessária uma atuação maior do Estado e de toda a sociedade, principalmente através de orçamentos públicos e recursos privados destinados aos Fundos que priorizem a área social e a cidadania".

Os especialistas defendem ainda uma reforma no treinamento que as forças policiais recebem para lidar com adolescentes. Eles entendem ainda que as leis do estatuto precisam ser efetivamente cumpridas, e a busca do “enraizamento” do ECA no cotidiano das crianças e adolescentes é uma meta que deve ser perseguida por toda a sociedade brasileira.

Abaixo, a pedido do UOL, Castro Alves fez um comparativo de tópicos relacionados ao assunto, avaliando como eram antes da implantação do ECA, e como estão atualmente.

  • Widio Joffre/AImagem/Futura Press

    Exposição de imagens de crianças e adolescentes

    Como era: o Código de Menores (1979) já proibia a divulgação de nomes, documentos e atos de procedimentos judiciais referentes a crianças e adolescentes, bem como fotos de adolescentes que tivessem cometido crime ou estavam em situação de risco. Como ficou: o ECA previu também que é crime submeter crianças ou adolescentes a vexame ou constrangimento e protegê-los de qualquer forma de pornografia infantil, estabelecendo penas para a disponibilização de conteúdo pornográfico. O que pode melhorar: uma falha do ECA, no entanto, é prever a continuidade da proibição da divulgação de fotos e nomes apenas para quem cometeu atos infracionais, não estendendo isso para crianças e adolescentes em situação de risco (abandono ou vítimas de violência).

  • Acervo Museu Paulista da USP

    Publicidade infantil

    Como era: o Código de Menores não tratava de proteção diante da publicidade dirigida ao público infantil. Como ficou: o ECA lida com o assunto ao garantir a proteção dos menores como "um dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público", que devem "assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária". Além disso, o Conanda (Conselho Nacional da Criança e do Adolescente) tem resolução que visa coibir os abusos especificamente relacionados à publicidade infantil, mas as agências de publicidade e a empresas que produzem produtos voltados ao público infantil questionam a validade da resolução e a competência do Conanda. Como melhorar: existem projetos de lei tramitando no Congresso que tratam do tema e que podem aprimorar o ECA no sentido de ampliar a proteção de crianças e adolescentes diante da publicidade abusiva.

  • Marlene Bergamo/ Folhapress

    Medidas punitivas

    Como era: o Código de Menores praticamente tratava da mesma forma os denominados "menores em situação irregular" (abandonados ou vítimas de violência e os denominados "menores delinquentes" (autores de crimes). Eram recolhidos nas mesmas instituições, nas unidades da Fundação do Bem Estar do Menor (Febem), geralmente em unidades com 400 ou até mil menores, todos misturados e sem especificar prazos das internações. Podiam também recolhidos e internados os menores com "desvio de conduta", sem definir exatamente o que seriam esses desvios. Ele também não previa os direitos universais de quem responde qualquer tipo de ação que visa a responsabilização, como a ampla defesa e o contraditório, assistência jurídica gratuita, quando necessário. Como ficou: com o ECA, que prevê os direitos individuais e as garantias processais relativas aos atos infracionais, são apreendidos e encaminhados para internação apenas os adolescentes que tenham cometido crimes com violência ou grave ameaça. As crianças e adolescentes em situação de risco, quando da necessidade de afastamento do convívio com os pais naturais, são mantidas em abrigos ou casa lares.

  • Junior Lago/UOL

    Acesso à educação universal

    Como era: o Código de Menores de não tratava de políticas de proteção básicas, como acesso à saúde, educação, profissionalização, cultura, esporte e lazer. Tratava apenas de assistência, proteção e vigilância para os chamados "menores em situação irregular" (autores de crimes ou abandonados e vítimas de violência). Como ficou: o ECA dedica um capítulo inteiro ao tema, com sete artigos que visam garantir o direito à educação e escolarização. Também trata das obrigações e até de sanções aos pais ou responsáveis que não matriculem ou mesmo não acompanhem adequadamente o desenvolvimento escolar dos seus filhos. Essa previsão do ECA gerou profundos avanços quanto ao acesso às vagas para crianças no ensino fundamental. Segundo o MEC (Ministério da Educação), 98% das crianças tem acesso às vagas no ensino fundamental, 85% dos adolescentes têm acesso ao ensino médio. Onde pode melhorar: segundo o mesmo levantamento do MEC, menos de 30% das crianças de 0 a 3 anos têm acesso ao ensino infantil (creches).

  • Marcello Casal Jr./Agência Brasil

    Adoção

    Como era: as regras estabelecidas no Código de Menores geravam decisões arbitrárias, já que "menores em situação irregular" (situação de abandono ou vítimas de violência doméstica) poderiam ser adotados, mesmo a que foram afastadas momentaneamente da família por motivo de pobreza. Eram comuns casos de crianças institucionalizadas a vida inteira e adoções irregulares, com retirada irregular de crianças de seus lares, fraudes em processos, tráfico de influência, raptos e "compra" de crianças. Como ficou: o ECA estabelece que apenas o "motivo de pobreza" não gera o afastamento da família. Atualmente, para uma criança ser adotada, é necessário que antes tenha sido finalizado o processo de destituição do poder familiar. Isso só ocorre quando os pais são reiteradamente negligentes e violentos, praticando maus-tratos. A prioridade é que as crianças sejam criadas nas suas famílias de origem. A manutenção de crianças em abrigos deve ocorrer de forma excepcional. A adoção também é excepcional, para casos em que os pais biológicos não querem mais a criança, ou quando demonstrem em razão de seus atos que não poderão garantir cuidados essenciais à criança. Os irmãos, mesmo em caso de adoções, não podem ser separados.

  • Alan Marques/Folhapress

    Trabalho infantil

    Como era antes: o Código de Menores não tratava do assunto. Como ficou: Nas disposições atuais do ECA, é vedado o trabalho infantil a menores de 14 anos de idade, salvo na condição de aprendiz, o trabalho noturno a adolescentes/aprendiz (maior que 14 anos), perigosos, insalubre ou penoso. Além disso, não podem ser realizados em locais prejudiciais à sua formação e ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social. E feitos em horários que não permitam a frequência à escola. O adolescente tem direito à profissionalização e à proteção no trabalho.

  • Getty Images

    Punições físicas e castigo

    Como era: a situação não era prevista no Código de Menores, mas já poderia ser aplicado o crime de maus-tratos, do artigo 136 do Código Penal, de 1940. Como ficou: o ECA estabeleceu que é crime submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou constrangimento. Além disso, o estatuto estabelece que "nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais".

  • Divulgação/Polícia Civil RS

    Violência policial contra adolescentes

    Como era: na época do Código de Menores, ocorriam apreensões arbitrárias por parte de policiais, comissários de menores e até de juízes. Qualquer "menor em situação irregular ou desvio de conduta", mesmo aqueles vítimas de abandono e violência, podiam ser arbitrariamente detidos, sem formalidades legais e direito de defesa ou devido processo, mesmo sem estarem em flagrante delito ou mesmo ordem judicial. Como ficou: agora, quando apreendidos, as famílias dos adolescentes e o Judiciário devem ser comunicados de forma imediata. Os adolescentes não podem sofrer constrangimentos ou serem submetidos a situações vexatórias, como exposição pública por parte dos policiais. Também se aplicam outras leis com relação aos abusos policiais, como as leis que tratam de abuso de poder e de autoridade e com relação ao crime de tortura, que agrava as penas dos autores quando as vítimas são crianças ou adolescentes.

  • Tânia Rêgo/ABr

    Conselhos tutelares

    Como era: os Conselhos Tutelares não existiam. Havia os comissários de menores que atuavam a mando dos juízes de menores. Muitos deles eram voluntários. Outros eram funcionários do Judiciário. Muitas vezes iam pras ruas recolher os menores à força e levá-los para as Febems. Outras vezes levavam para as casas e advertiam os pais. Como ficou: atualmente, 98% dos municípios do país têm Conselhos Tutelares. Os conselheiros têm como função zelar pelos direitos de crianças e adolescentes e tomar providências diante de ameaças e violações aos direitos de crianças e adolescentes, aplicando as medidas de proteção previstas no ECA. Os conselhos não estão suscetíveis às variações das gestões municipais. Como pode melhorar: muitos Conselhos Tutelares funcionam de forma precária e também não contam com uma rede de serviços municipais para as crianças e adolescentes. Também é necessário aprimorar os processos de capacitação dos conselheiros.