Ponto turístico é ameaçado pelo avanço do mar em Alagoas; casas já foram destruídas
O município de Marechal Deodoro, na região metropolitana de Maceió, decretou estado de emergência na sexta-feira (12) por conta da destruição causada pelo avanço da maré. A Defesa Civil Estadual emitiu um laudo apontando danos ao patrimônio e risco de novos incidentes no município.
Segundo o documento, os danos foram provocados "pela maré de sizígia [quando as forças gravitacionais do Sol estão na mesma direção das da Lua], associada à maré meteorológica, que provocaram ondas de até 2,7 metros".
De acordo com a prefeitura, a ressaca do mar no início do mês atingiu e destruiu (total ou parcialmente) pelo menos 50 casas no distrito de Barra Nova. Uma área litorânea de 920 metros foi afetada.
O local atraía milhares de turistas ao famoso passeio por uma pequena ilha, conhecida como prainha, que ficava a pouco mais de 100 metros do continente. Há três anos, o mar avançou e devastou as barracas que existiam no local. De lá para cá, o oceano avançou ainda mais, e a água chegou às casas e estabelecimentos à beira-mar.
Especialistas alertam que a força da maré ameaça também outros destinos turísticos consagrados do Estado, próximos à Barra Nova, a exemplo da Massagueira (maior pólo gastronômico de Alagoas, com mais de 20 restaurantes especializados em frutos do mar). Obras do sítio histórico, no centro de Marechal Deodoro e que ficam à beira-mar, também correm risco.
Cristiano Matheus, prefeito da cidade, informou que, com a assinatura do decreto de emergência, vai a Brasília nesta terça-feira (16) para pedir recursos federais e finalizar a obra de instalação de um dissipador de energia (espécie de muro de concreto para reduzir o impacto das ondas sobre a costa). Ele afirma que, com essa conclusão, pretende evitar uma “catástrofe”. "Foi preciso decretar emergência porque essa foi apenas a primeira ressaca do mar e ainda não foi a mais forte", explicou. As maiores ondas do mês devem acontecer nas tardes dos dias 29 e 30 de março.
O projeto da prefeitura está orçado em R$ 5 milhões e, segundo Matheus, resolverá o problema em definitivo. Como paliativo, a prefeitura já instalou, na semana passada, uma draga para retirar areia do fundo do mar e, assim, minimizar a força das ondas.
Nesta quinta-feira (11), o UOL Notícias visitou a Barra Nova e constatou que muitas casas tiveram os muros e até mesmo partes internas de suas construções destruídas pela força do mar. Por serem casas de veraneio, nenhum proprietário foi encontrado para falar sobre os prejuízos. Mas os moradores do distrito contam que houve muita destruição, e a água vem avançando de forma rápida. "O problema é que o povo construiu em terrenos a 10 metros do mar, e todos sabiam que um dia o criador vinha buscar o que era dele. As casas não deixaram espaço nem para as canoas dos pescadores. Agora veio a resposta", afirmou o pedreiro José Wilton da Silva, 43.
Os moradores explicam que o avanço marítimo vem causando preocupação, além de trazer prejuízos econômicos à comunidade. A proprietária de um mercadinho no local, Eleuza dos Santos, 43, explica que o avanço da maré fez o número de clientes cair. "Caiu demais. As pessoas vinham muito para cá, mas de uns tempo para cá, só temos turistas no verão, e em número bem menor. O pessoal está assustado", lamentou a comerciante, acrescentando que as pessoas que moram próximas ao mar estão assustadas. "Quando a maré é forte, ela avança mais de 100 metros e chega aqui até a esquina".
O pescador Enilson dos Santos, 38, afirma que o mar avança a cada dia. "A maré tem ficado alta como nunca vi aqui na vida. Só quem sabe quando vai parar é a natureza, porque avançou muito", afirmou.
Obra pode aumentar erosão
O oceanógrafo Gabriel Le Campion, da Ufal (Universidade Federal de Alagoas), explica que a área que compõe a Barra Nova e praias vizinhas do município de Marechal Deodoro é de "instabilidade natural" e jamais deveria receber construções a distâncias menores de que 100 metros do mar.
Para o especialista, a ideia de instalar um dissipador de energia só vai proteger o patrimônio construído e não resolverá o problema costeiro. Pior: o problema poderá ser transferido para outros locais. “Com a obra, essa erosão poderá migrar ou até mesmo aumentar. O ideal seria deixar como está até que fosse feito um estudo detalhado daquela área, a partir daí, definiríamos uma melhor solução. Outras áreas próximas estão ameaçadas também e devem passar pelo mesmo processo”, afirmou Campion.
Segundo ele, o processo erosivo na região foi acelerado por ações do homem. “O que acontece é que ali, por ser uma barra [próximo a dois rios, o Mundaú e o Paraíba], existe uma área de tensão, onde o oceano pode avançar ou recuar sobre a boca do estuário. Nesses últimos anos, houve a diminuição do volume de água desses rios por conta da destruição da mata ciliar. E esses rios levam sedimentos ao oceano. Como eles estão assoreados, o número de sedimentos transportados diminuiu. E quanto menos sedimentos chegam, mais o mar avança para buscar. E a situação ali só não está pior porque ali existe o mangue”, explicou.
Independente de obras de contenção, o oceanógrafo fez um alerta sobre as novas construções à beira-mar que tomam conta da região. “Construir condomínios na beira da praia é algo totalmente absurdo. Quanto mais se tirar sedimentos do mar, que vêm da movimentação de toda a costa litorânea, mais para dentro do continente o mar irá. Temos construções em áreas litorâneas abaixo do nível do mar, o que é muito perigoso”, destacou.
Segundo o secretário de Meio Ambiente de Marechal Deodoro, Erikson Machado de Melo, após a instalação do dissipador, a prefeitura vai dar início a obras de recuperação das matas. “Vamos fazer um estudo para sabermos o que devemos fazer, mas com certeza teremos uma atenção com a recomposição da vegetação. Infelizmente tivemos muitas áreas invadidas irregularmente, e que hoje se tornaram de grande risco. É um problema histórico”, explicou.
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