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Cidade mais afetada pelas chuvas, Niterói (RJ) não implementou plano antidesastre

Vista geral da área em que ocorreu o deslizamento no morro do Bumba, em Niterói (RJ)  - Felipe Dana/AP
Vista geral da área em que ocorreu o deslizamento no morro do Bumba, em Niterói (RJ) Imagem: Felipe Dana/AP

Guilherme Balza <BR> Do UOL Notícias

Em São Paulo

09/04/2010 06h00

A prefeitura de Niterói (RJ) não colocou em prática um plano de prevenção de riscos elaborado por pesquisadores da Universidade Federal Fluminense (UFF), com financiamento do Ministério das Cidades e da própria prefeitura. Finalizado em 2007, o plano custou R$ 120 mil e previa ações em vários pontos suscetíveis à ocorrência de desastres causados pela ação do tempo.

As chuvas dessa semana causaram a morte de mais de 180 pessoas em todo o Estado do Rio de Janeiro. Só em Niterói são mais de cem mortos, sem contar as muitas vítimas que estão sob os escombros no morro do Bumba, atingido por um deslizamento de terra de grandes proporções na noite de quarta-feira (7).

A tragédia em Niterói, que atinge sobretudo a população pobre, contrasta com os indicadores do município, que possui a melhor qualidade de vida do Estado e a terceira melhor de todo o país, segundo os critérios do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano).

Um dos coordenadores do plano de prevenção de riscos foi professor do departamento de Engenharia Civil da UFF, Elson Nascimento, especialista na área de recursos hídricos. Segundo ele, o plano foi elaborado após mais de dois anos de estudos e pesquisas de campo.

“Éramos uma equipe grande, percorremos várias áreas da cidade. Levantamos 142 pontos de risco, onde deveriam ser realizadas ações estruturais, como obras de contenção de encostas, e ações não-estruturais, como o apoio às comunidades e a retirada de famílias de áreas de risco”, afirma.

De acordo com Nascimento, o plano de redução de riscos previa ações em pelo menos cinco comunidades atingidas por deslizamentos decorrentes das chuvas desta semana e poderia diminuir sensivelmente a dimensão do desastre em Niterói.

Nascimento conta ainda que esteve no morro do Bumba em 2002, acompanhado por outros pesquisadores, logo após a ocorrência de um pequeno deslizamento. Na época, o engenheiro orientou os moradores de oito casas que existiam no local a deixarem a região, argumentando que as moradias estavam assentadas sobre um antigo lixão.

Nessas áreas, há grande quantidade de materiais que originam o gás metano, que é prejudicial a saúde, possui alto potencial de combustão e favorece a ocorrência de deslizamentos de terra. “Ouvimos dos próprios moradores que ali era muito melhor do que os lugares de onde eles tinham vindo”, relembra. Hoje, há centenas de casas no morro do Bumba.

“Eu não responsabilizaria só a prefeitura de Niterói. Está na cultura da gestão pública só se preocupar com a questão das encostas no momento dos sinistros, mas isso precisa ser tratado quando a terra está seca. As medidas preventivas é que precisam ser tomadas”, afirma Nascimento.

Plano de redução
De acordo com o Ministério das Cidades, o plano recebeu R$ 100 mil do Orçamento-Geral da União de 2004, e os R$ 20 mil restantes foram gastos pela Prefeitura de Niterói. O custo total da execução das obras ficaria em torno de R$ 20 milhões, segundo o professor. “Por várias vezes nos reunimos com a prefeitura, mas o plano nunca saiu do papel”, diz.

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Entre as ações programadas, estava a implantação de uma rede composta por cerca de 30 pluviômetros (medidores da quantidade de chuva), capaz de cobrir o território de todo o município de Niterói. Como o custo máximo de instalação de cada pluviômetro é de R$ 5.000, a prefeitura gastaria menos de R$ 150 mil para implementar toda a rede. “Os pluviômetros são fundamentais para gerir riscos e avaliar os efeitos da chuva para as comunidades”, diz Nascimento.

Há ainda alternativas com custos irrisórios de instalação, como a distribuição de pluviômetros feitos com garrafas pet, já utilizados pela Defesa Civil de Teresópolis para prevenir desastres. Com o equipamento, quando a água atinge o nível de risco determinado pela Defesa Civil, o próprio morador sabe que deve deixar sua residência e procurar abrigo em outro lugar.

Para Júlio César Wasserman, geógrafo e professor do Departamento de Análise Geoambiental da UFF (Universidade Federal Fluminense), falta à Niterói um sistema de monitoramento da ocupação nas áreas de risco, que já existe na capital, sob a responsabilidade da Fundação Geo-Rio, órgão da Secretaria Municipal de Obras da prefeitura.

“Enquanto não houver esse mapeamento, essas tragédias vão se repetir. Em Niterói, o poder público não sabe onde estão os pontos de risco”, diz. “Niterói é uma cidade rica. O IPTU (Imposto Predial Territorial Urbano) é caríssimo, mas a prefeitura fez muito pouco, realizou apenas algumas obras em beira de estradas”, afirma Wasserman.

Durante essa quinta-feira (8), a reportagem do UOL Notícias entrou em contato com a Prefeitura de Niterói por diversas vezes, mas não obteve umas resposta às afirmações dos entrevistados até o fechamento da matéria.

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