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Paciente imobilizado há três anos em hospital do Paraná escreve livro para poder pagar acompanhante

João Carlos Rodrigues, 37, e  Sandra Moraes, 40, que segura livro ditado pelo paciente - Dimitri do Valle
João Carlos Rodrigues, 37, e Sandra Moraes, 40, que segura livro ditado pelo paciente Imagem: Dimitri do Valle

Dimitri do Valle

Especial para o UOL Notícias<br>Em Curitiba

12/05/2011 19h57

Mesmo imobilizado do pescoço para baixo há três anos numa cama de hospital, o pintor João Carlos Siqueira Rodrigues, 37, conseguiu escrever um livro para relatar sua experiência de vida como portador de polirradiculoneuropatia inflamatória crônica, doença degenerativa que limita progressivamente os movimentos. A doença é incurável, se espalha pelo corpo, impede que as informações do cérebro sejam transmitidas aos membros do corpo e afeta o sistema respiratório, com risco de morte.

"O Caçador de Lembranças", como o livro foi batizado, saiu do prelo devido ao paciente trabalho de Sandra Cristina de Moraes, 40, a única acompanhante de Rodrigues. Quem espera encontrar drama e lágrimas na obra pode se surpreender com a principal mensagem do livro, disse Rodrigues, durante entrevista ao UOL Notícias no quarto 646 do Hospital Evangélico, em Curitiba, sua "casa" desde abril de 2008.

"Não desista, acredite em si mesmo", afirmou o paciente, com voz baixa, quase aos sussurros, devido ao uso de um tubo de oxigênio inserido na base do pescoço para manter sua respiração 24 horas por dia. Rodrigues contou que decidiu escrever o livro para colocar no papel como é sua rotina hospitalar, além de relatar toda a sua vida, marcada pela paixão por carros antigos, como o opala e o maverick, e um intenso histórico de trabalho semelhante ao de muitos brasileiros.

Seus planos são de que a venda do livro custeie o salário de uma segunda acompanhante no quarto. As 1.100 cópias foram feitas com a ajuda de um paciente que conheceu no hospital e resolveu ajudá-lo na empreitada para imprimir a obra.

Ditado e escrito a mão

Sandra, sua única acompanhante por enqaunto, passa 12 horas por dia ao lado do paciente no pequeno quarto do hospital em conversas, ajudando a navegá-lo na internet e como interlocutora com os funcionários do hospital quando surgir alguma necessidade. O dinheiro vem dos R$ 650 que Moraes recebe como auxílio do INSS, junto com uma ajuda financeira do pai, de 67 anos, que ainda passa os domingos com o filho.

Sandra escreveu a mão em um caderno as palavras ditadas por Rodrigues para publicar o livro. "Tenho tido uma experiência de vida bem diferente aqui com o João", disse a acompanhamente, há um ano e quatro meses, ex-funcionária de uma creche. Mais de um ano foi necessário para terminar a obra. "O livro está fazendo uma reviravolta na minha vida. Não esperava que isso ia acontecer", disse ele, que já recebeu pedidos de compra do Paraná, São Paulo e Minas Gerais.

Para não se sentir "doente", Rodrigues também adota a rotina de não vestir o pijama de paciente. Prefere suas roupas comuns. Fã de Frejat, disse que gosta de escutar e ler letras das músicas compostas pelo cantor, como "Por Você", em que o artista lembra, em uma das passagens, que "aceitaria a vida como ela  é".