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"Sobrevivi com barras de cereais e meio litro de água", conta pescador resgatado após 8 dias em alto-mar

Aliny Gama<BR>Especial para o UOL Notícias<BR>Em Maceió

12/09/2011 16h55

Depois de ficar por oito dias e sete noites à deriva no oceano Atlântico, o pescador Francisco Januário de Souza, 61, foi resgatado e voltou para casa, em Natal (RN), onde está com sua família. Ele caiu no mar no último dia 3, próximo ao arquipélago de Fernando de Noronha (PE), e só foi resgatado na manhã do último sábado (10), no município de Acarau (CE), a 244 quilômetros de Fortaleza.

Durante os oito dias em que ficou perdido no mar, em cima de uma boia e de um bote semi esvaziado, o náufrago sobreviveu comendo as 16 barras de cereais e tomando o meio litro de água que sobrou da caixa do bote salva-vidas que se desprendeu da embarcação “Água do Rio Negro”, onde estava até o motor do barco quebrar.

  • Arte UOL

    O pescador Francisco Januário de Souza, 61, caiu no mar no último dia 3, próximo ao arquipélago de Fernando de Noronha (PE), e só foi resgatado no último sábado (10), perto do município de Acarau (CE)

Apesar do pouco alimento, Francisco Januário contou ao UOL Notícias, nesta segunda-feira (12), que não perdeu a esperança de ser resgatado com vida e que conseguiu administrar a água e as barras de cereais sem entrar em desespero pela sede e pela fome.

“Quando tomei o último gole de água, foi que pensei: ‘meu Deus, se ninguém me encontrar hoje, amanhã estarei morto’. Tomava um gole de água três vezes por dia para economizar”, relembra.

Francisco Januário contou que a fé em Deus e o pensamento sempre na família deram força para suportar a solidão e a situação de estar perdido no mar. O pescador foi resgatado por uma embarcação que navegava próximo ao município de Acarau.  

O acidente

Francisco Januário contou estava na sua primeira viagem na embarcação “Água do Rio Negro” trabalhando na pesca de atum, próximo ao arquipélago de Fernando de Noronha, quando o motor do barco quebrou.

Com a embarcação à deriva, as altas ondas fizeram o barco perder a estabilidade e derrubou a caixa do bote salva-vidas, que continha mantimentos e kit de primeiros-socorros. O pescador conta que, ao tentar pegar a caixa, caiu no mar.

“Meus colegas jogaram a boia circular para tentar me puxar, mas a corda se rompeu. As ondas me arrastaram para longe e o barco com o motor quebrado não pode vir para me resgatar. Fiquei das 11h da manhã às 20h me segurando na boia, quando me apeguei numa oração e pedi a Deus que se fosse para eu morrer que eu morresse logo e não sofresse mais. Mas se fosse para eu viver, que me ajudasse. De repente, encontrei a caixa do bote salva-vidas e rasguei o papelão com tanta força que machuquei minhas mãos, mas consegui que o bote inflasse pela metade.”

Francisco Januário conta que foi neste momento em que começou a ter a esperança de sair vivo do mar. “Parte dos mantimentos se perderam no mar. O que me restou foram 16 barrinhas e 10 sacos de 50 ml de água. Enfrentei muito frio, mesmo com o sol quente, pois a água não parava de entrar no bote e fiquei o tempo todo molhado. Fiquei quatro dias sentado, sem dormir, só olhando para o relógio e vendo o tempo passar. No quinto dia, dormi e acordei com uma chuva forte”, disse o pescador.

No oitavo dia, Francisco disse que tomou o último gole de água e comeu a última barra de cereal, quando avistou três embarcações: duas ao sul e uma ao norte. “Aquela era minha única oportunidade de sair com vida, pois no tempo em que fiquei no mar passaram quatro navios e dois barcos e ninguém me ajudou”, afirmou, lembrando que o pescador foi resgatado pelo barco “Itamai”, a 100 quilômetros da praia de Acarau.

De volta para casa

Natural de Baraúnas, do Rio Grande do Norte, o pescador assegurou que o que mais quer agora é matar a saudade da família.

“Já fiquei muito tempo longe de casa e não quero ficar num hospital longe da minha família, por isso assinei lá [no Hospital Moura Ferreira, em Acarau (CE)] o termo e vim embora. Minha mulher está doente e quero ficar perto dela.”

Nesta segunda-feira (12), a família do pescador o levou a um hospital em Natal para que ele fosse avaliado por médicos e se submetesse a exames complementares. Apesar de debilitado devido à hipotermia e desidratação, além do inchaço nas pernas e bolhas pelo corpo, Francisco optou para ficar recebendo os cuidados médicos em casa.

Aparentando estar em bom estado de saúde, Francisco Januário fez até versos para contar sua história de vida: “Ah, que saudade da minha terra, rica em melão, melancia e mulher”, cantarolou o pescador, ao atender ao telefone e dizer que ele tem a “força de um sertanejo nordestino”.

Francisco disse que, quando se recuperar, vai voltar a pescar no mar para sustentar os seis filhos e a mulher.

Correntes de oração

A família do pescador disse que desde o desaparecimento dele nunca perdeu a esperança de encontrá-lo vivo.

“Recebemos apoio de tanta gente que nem imaginávamos. Foram tantas missas e cultos que perdemos as contas. Minha mãe estava gripada, piorou com o sofrimento e pegou pneumonia. Estávamos unidos com a fé em Deus que meu pai iria resistir e voltaria para casa salvo”, disse filha de Francisco, Micarla Régia de Souza, 26.