Obra de Alckmin e Dilma, Rodoanel Norte acumula polêmicas e vira "Belo Monte paulista"
Ontem (3), os críticos do empreendimento lançaram no Teatro Oficina um manifesto e realizaram uma “macumba antropófaga” contra o Rodoanel.
Avaliado em R$ 6,5 bilhões, o Rodoanel Norte será financiado com recursos do PAC (Plano de Aceleração do Crescimento, R$ 1,7 bilhão), do governo do Estado (R$ 2,8 bilhões) e do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento, R$ 2 bilhões). “Hoje é a maior obra viária do mundo. É a única obra viária do PAC que está saindo do papel”, afirma Laurence Casagrande, presidente da Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S/A)--órgão do governo estadual responsável pela obra.
A licença ambiental para o trecho norte do Rodoanel foi aprovada pelo Consema (Conselho Estadual do Meio Ambiente) em junho deste ano. Atualmente, a obra está na fase de pré-qualificação das empreiteiras que devem disputar a licitação. O prazo para a conclusão do trecho norte, o último do Rodoanel, é novembro de 2014.
Só no Ministério Público de São Paulo (MP-SP) há dois inquéritos civis e duas representações contra o trecho norte, em análise nas promotorias de Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo e de Guarulhos (SP). No Ministério Público Federal (MPF), há outros dois inquéritos, um questionando o uso de recursos federais na obra e outro relacionado a questões ambientais.
Técnicos do MP-SP estão finalizando um laudo sobre o Eia-Rima, estudo de impacto ambiental elaborado pelo governo que fundamentou a licença para a realização da obra. Se encontrar problemas no Eia-Rima, a promotoria deverá pedir a suspensão da obra até que o governo realize um novo estudo --o atual demorou quase dois anos para ser concluído.
“O estudo preliminar feito pelos técnicos do MP apontaram algumas inconsistências no Eia-Rima. Em cerca de dez dias o estudo complementar ficará pronto e decidiremos como vamos agir”, afirma Gilberto Leme Garcia, promotor de Meio Ambiente.
Maurício Ribeiro Lopes, promotor de Habitação e Urbanismo, diz que a obra, do jeito que foi aprovada, fere os planos diretores do município de São Paulo e de várias subprefeituras da zona norte. “O trecho norte afronta o plano diretor estratégico, assim como os planos regionais. Aí vem a discussão sobre até que ponto uma obra do Estado pode violar o plano diretor.”
O promotor avalia ainda que a prefeitura de São Paulo não está agindo com autonomia perante a gestão estadual. “Vejo que há uma grande permissividade do município em franquear poder ao governo do Estado sem maiores exigências. O município de São Paulo está fazendo pouco caso do plano diretor”, diz Ribeiro Lopes.
Serra da Cantareira ameaçada
O trecho norte do Rodoanel terá 44 km de extensão e ligará as rodovias Ayrton Senna, Dutra, Fernão Dias e Bandeirantes. A via passará pelos municípios de São Paulo, Guarulhos e Arujá e margeará o Parque Estadual da Serra da Cantareira.
A serra é considerada a maior floresta em área urbana do mundo e foi tombada Condephaat, Conpresp e Iphan, órgãos de preservação estadual, municipal e nacional, respectivamente. Área de proteção, a Cantareira reúne diversas espécies da mata atlântica e possui dezenas de nascentes, além de abrigar o principal sistema de abastecimento de água da capital.
As mais de 50 entidades ambientalistas que criticam a obra dizem que o trecho norte irá alterar a paisagem da região e provocará impacto sobre o ecossistema. Treze parques situados às margens da Serra da Cantareira também serão diretamente atingidos pela obra.
Os moradores e ambientalistas afirmam que o Eia-Rima foi feito a “toque de caixa”, sem uma análise cuidadosa da área impactada, e não analisou outras possibilidades de traçado.
“O Eia-Rima foi elaborado com base em padrões anglo-saxônicos, que não consideram a realidade local. Não houve democracia, nem transparência. Foi um estudo fechado”, critica Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental e conselheiro do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente).
“Fomos muito abrangentes na análise de oito traçados. O que foi escolhido é o que terá menor impacto ambiental e conterá a expansão urbana sobre a serra”, diz o presidente da Dersa. Laurence, contudo, admite que mudanças pontuais no traçado, como já ocorreu em Guarulhos e no Jardim Corisco, poderão ser feitas.
Ele afirmou que, a pedido do secretário municipal do Verde de São Paulo, Eduardo Jorge, a Dersa mudou o projeto inicial e vetou o acesso do Rodoanel à avenida Inajar de Souza, que ligaria o anel rodoviário à marginal Tietê.
Outra crítica dos ambientalistas é feita à cúpula da Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente, que ignorou uma série de recomendações feitas por técnicos da própria pasta, entre elas a que pediu uma análise geológica da área --que será cortada por sete túneis e terá mais de 100 pontes e viadutos-- e sobre a poluição sonora que a via deverá causar.
Em resposta ao Eia-Rima, as entidades ambientalistas produziram um “contra-rima”, elaborado por pesquisadores da USP (Universidade de São Paulo) que reúne os problemas da obra. O texto foi encaminhado ao BID.
Os ambientalistas reivindicam que a obra seja suspensa e se estude um traçado mais ao norte, por fora do parque, ligando a rodovia Fernão Dias à Dom Pedro. A justificativa é que essa opção causará menor impacto e exigirá menos gastos.
Famílias removidas
A Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S.A) --órgão estadual responsável pela obra-- aguarda a procuradoria do Estado emitir os decretos de utilidade pública para iniciar as desapropriações e começar a obra.
Em julho, a previsão era que as desapropriações se iniciassem em setembro, mas agora a Dersa prevê que somente em janeiro os moradores comecem a ser retirados. Mais de 4.000 casas serão desapropriadas, incluindo 2.000 famílias que moram em áreas ocupadas nas últimas décadas na periferia da zona norte, como o Jardim Corisco, Jardim Peri, Jardim Paraná e Parada de Taipas. Por não possuírem as escrituras dos terrenos, as famílias só receberão indenizações pelas benfeitorias construídas.
Só no Jardim Paraná, área ocupada em 1994 por famílias sem-teto, 800 casas serão removidas. Hoje, o bairro tem asfalto, luz elétrica, escolas e uma unidade do CEU (Centro Educacional Unificado). Os moradores ganharam direito à posse da área em 2008, mas não serão recompensados pelos terrenos.
Os moradores reclamam que falta informação sobre seus destinos e temem que a indenização seja baixa. O presidente da Dersa afirma que todas as famílias atingidas poderão escolher entre ganhar um apartamento quitado da CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano) ou receber a indenização pelas benfeitorias.
Ainda de acordo com Laurence, os imóveis ficarão prontos em 36 meses. Até a obra ficar pronta, os moradores despejados vão receber bolsa-aluguel no valor de R$ 480. “Alguns terrenos para os prédios já foram escolhidos. Estamos procurando outros. Não podemos falar onde é para evitar invasões”, alega.
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