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Inspirado em movimento de NY, grupo de "indignados" ocupa a Cinelândia (RJ) com barracas e autogestão

Fabíola Ortiz<BR>Especial Para o UOL Notícias<BR>No Rio de Janeiro

26/10/2011 11h48

Espalhados pela Cinelândia, uma das principais praças no centro do Rio de Janeiro, por onde circulam milhares de pessoas todos os dias, dezenas de cartazes com os dizeres “Você é livre”, “Saia de sua sala-cela, sua vida vale muito mais que um capítulo de novela” ou “Só use arma para transformá-la em arte” expressam o clima que tomou conta do local desde o último sábado (22).

Os autores dos cartazes são cerca de 150 estudantes, artistas e simpatizantes de causas sociais, de todas as idades, principalmente do Rio de Janeiro, mas alguns também de outros Estados, como São Paulo, Minas Gerais e até do Ceará.

Eles dizem terem se inspirado no movimento “Ocupe Wall Street” --que começou há um mês em Nova York, com um grupo crescente de "indignados" contra o capitalismo e que se espalhou pelo mundo-- e criaram o “Ocupa Rio”. São mais de 60 barracas montadas na praça da Cinelândia, onde estão a Câmara Municipal de Vereadores, o Teatro Municipal, a Biblioteca Nacional e o famoso Cine Odeon. Este foi o lugar escolhido para armar as barracas e dar início a um protesto pacífico e amplo, que critica a sociedade, a crise econômica e a desigualdade social.

“Esse não é um movimento feito por organizações, é feito por pessoas individuais. É difícil dizer qual é a cara do movimento, essa cara está sendo construída”, disse ao UOL Notícias o carioca Daniel Teixeira, 21, estudante de Ciências Sociais da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

O universitário acompanha desde o primeiro dia a ocupação e explica como funciona a organização: “A gente funciona através de assembleias que definem as nossas atividades e o que a gente se propõe a ser. A gente funciona sem nenhuma liderança, autogestão, e as deliberações são tomadas através de consenso nas assembleias”.

O movimento apelidado de “Indignados”, segundo o estudante de Ciências Sociais, se pretende plural. “Todo mundo é bem-vindo, todo mundo participa. O que a gente tem em comum é o fato de ser indignado. A gente não gosta das coisas do jeito que elas estão, a gente não se sente representado pelos partidos e quer mudar. A gente aceita pessoas de todos os movimentos e partidos, mas não quer os partidos aqui. Não tem nenhuma bandeira ou partido nos representando.”

Assuntos como crise financeira, melhores condições de trabalho, corrupção e meio ambiente são discutidos em mais de 20 grupos de trabalho (GT) que reúnem todos os “indignados” diariamente, e o local de discussão é justamente o espaço público, a Cinelândia.

Daniel conta que seus interesses são discutir pontos relevantes de política numa escala local, assim como global. “Sou megacontra [a construção da usina hidrelétrica] Belo Monte e também contra a forma como estão sendo as pacificações nas favelas no Rio, eu não chamaria isso de pacificação. Tem muitas pessoas que estão sendo prejudicadas pelos projetos urbanos, como Porto Maravilha [de revitalização da zona portuária do Rio] e ninguém está ouvindo essas pessoas”, disse.

Cada um por um motivo

Sentado numa cadeira aproveitando um espaço de sombra em plena praça no centro da cidade, Eduardo de Oliveira Moraes, 18, é um dos envolvidos na articulação do GT da segurança, que organiza equipes para fazerem as rondas e garantir a segurança do acampamento. As equipes se revezam até durante a madrugada.

Eduardo foi o primeiro a desembarcar na Cinelândia na madrugada de sábado (22), às 5h, e explica que o movimento começou com a mobilização de um grupo de cerca de dez pessoas na internet. “A gente está protestando também contra a corrupção e contra todo o tipo de erro no governo”, disse.

“Cada um está por um motivo. No mural tem todos os horários das reuniões de cada GT, e, ao final do dia, a reunião de todos os GTs juntos. A gente começou com a ideia de ficar sete dias, mas agora não temos previsão de sair. Estamos aqui porque queremos, a praça é nossa e é pública”, disse o jovem.

Mesmo sem hierarquias, para manter a ocupação é preciso ter organização. O grupo de cerca de 70 “indignados” ajuda nas tarefas internas, como limpeza, organização dos horários das oficinas e reuniões. Os alimentos são doados pelos próprios integrantes, como também por doações de restaurantes. Mas o banheiro ainda parece ser a maior dificuldade. “Tinha um banheiro químico aqui atrás, mas pegaram”, disse Moraes. Enquanto isso, o grupo depende da boa vontade de bares e lanchonetes.

Movimento mundial

O paulista Ronald ‘Indignado’, 41, pós-graduado em mídias digitais, ajuda no GT da comunicação e disse que mantém contato permanente pela internet com os movimentos mundiais que hoje, segundo ele, já ocorrem em 1.500 cidades.

O movimento dos "Indignados", que defende a democracia e protesta contra a crise financeira, já ganhou dimensões planetárias em cidades como Madri e Barcelona (Espanha), assim como o “Occupy Wall Street” em Nova York (EUA), Roma (Itália), Genebra (Suíça), Miami (EUA), Paris (França), Sarajevo (Bósnia Herzegóvina), Zurique (Suíça), Cidade do México (México), Lima (Peru), Santiago (Chile), Hong Kong (China), Tóquio (Japão) e Sydney (Austrália).

“A gente discute questões de interesse geral de âmbito local e global. A injustiça social é muito grande, apartamentos de milhões de dólares na orla de Copacabana do Rio de Janeiro são uma pornografia numa cidade com abismo social tão enorme. Que os governos, não só do Brasil, taxem mais fortemente a especulação imobiliária, acabem com a corrupção e, principalmente, a impunidade que gera a corrupção”, afirmou Ronald.

"Estão querendo rotular o movimento, mas não tem como rotular"

“Todo mundo falava que era um movimento sem causa e que a gente não sabia o que queria. A gente não está fechado, a gente está muito aberto. Estão querendo rotular o movimento, mas não tem como rotular. É uma variedade muito grande de gente aqui. Nós somos superpacíficos, se quiserem podem rotular a gente de população”, argumentou a carioca de 25 anos que apenas se identificou pelo seu 'nick' na internet: ‘Makai’.

De Fortaleza, o jovem compositor e músico Daniel Medina, 23, se uniu ao movimento ao se deparar com barracas armadas na Cinelândia. Logo foi escalado para ajudar na segurança.

Vestido de calça jeans, mocassins de couro pretos, vestido florido, vários acessórios, colares e uma sombrinha de flores, o músico é exemplo de pessoa que se manifesta no "Ocupa Rio".

“Essa é uma movimentação, não precisamos concordar plenamente, até porque ninguém concorda plenamente com nada. Estamos reunidos em nome de uma coisa que é o amor e vai antes de hierarquias e do poder. Estamos aqui em busca e em prol do diálogo e das divergências. Estamos a favor da liberdade, que é diferente de libertinagem. A liberdade é uma semente que sempre se cultiva”, disse Medina.

Numa resposta às críticas de que o movimento seria dos “sem causa”, Daniel é enfático: “Nada é sem causa, todo e qualquer ato do ser humano, um grito, um afago, o silêncio é imbuído de causa”.

O mais novo integrante do movimento já disse que pretende montar um palco na praça da Cinelândia para fazer um show. “A canção é a arma que mais fere e, ao mesmo tempo, que mais embeleza a vida do homem”, finaliza.