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Moradores de Belo Vale (MG) relatam pior inundação dos últimos anos e reclamam de ausência de ajuda

Rayder Bragon

Do UOL, em Belo Vale (MG)

07/01/2012 06h00

A resistência da dona de casa Elizabete Rosália Silva dos Santos, 61, parece ter se esgotado após a casa ter sido alagada, mais uma vez, pela cheia do rio Paraopeba, na cidade de Belo Vale, localizada na região central de Minas Gerais e a 80 km de Belo Horizonte. Alojada na escola municipal “Rosa Malaquias”, a mulher contou ao UOL toda a sua frustração ao reconhecer cansaço ao lutar contra três grandes inundações que "lhe tomaram tudo”.

“Deus, dê-me uma casa longe do rio para eu ter paz e que possa viver meus últimos anos sem medo”, desabafou em meio a lágrimas, para completar, “é muito triste sair da sua casa. Lutamos a vida inteira para conquistar as coisas, mas vem a enchente e toma tudo” afirmou. Segundo ela, o pouco que sobrou está “espalhado” por casas de vizinhos e na escola, o que a deixa “ainda mais desorientada”.

No local desde a última segunda-feira (2), a mulher afirmou que somente a ”fé em Deus” lhe permite ter força para cuidar dos pais, que estão com ela na escola, além de mais quatro famílias. Ela não permitiu que fotos fossem feitas dela, por considerar o momento "triste demais".

Antônio Serafim, marido da dona de casa, estima em R$ 15 mil o prejuízo causado pela inundação na casa da família. Segundo o casal, essa foi a pior enchente que já enfrentaram. A cidade ficou isolada por dois dias, desde a última segunda-feira (2) e somente nesta sexta (6) os moradores começaram a retomar as atividades cotidianas.

O supervisor de mina, Alessandro Braga de Souza, 32, olha para a casa herdada de seus antepassados e, desolado, afirma que deverá gastar R$ 20 mil com a recuperação do imóvel. Segundo ele, uma casa histórica de Belo Vale. Souza perdeu todos os móveis e eletrodomésticos da casa que mantinha para passar fins de semana, já que mora em outro município.

“A água nunca fez esse estrago de agora. Mas acho que muita chuva ainda está por vir, de acordo com previsão que vi. O meu receio é que a casa caia de vez”, lamentou.

Descaso

O UOL encontrou pessoas abrigadas embaixo de lonas que estavam esperando a água baixar para limparem as moradias e retornarem com o que sobrou dos móveis. O grupo estava acampado ao lado da linha férrea. O aposentado Elísio Augusto, 56, afirmou que não foi contatado pela Defesa Civil da cidade, nem por representantes da prefeitura para ser levado a um abrigo.

“Estou debaixo dessa lona desde a segunda-feira passada. Ninguém veio aqui para me oferecer nada. Só na quinta que alguém da Defesa Civil veio trazer água para a gente”, disseo homem, que frisou ter recebido a ajuda de vizinhos para se alimentar.

Por sua vez, Elias Gildo da Silva, 25, reclamou do prefeito da cidade. “Eu estive lá na prefeitura, falei para ele da minha situação, mas ele enrolou e sumiu”, disse o rapaz. Com a ajuda da namorada, ele tentava tirar o barro de sua casa, também próxima à linha do trem.

Procurado, o prefeito Wanderlei de Castro (PMDB) afirmou que não se esquivou dos problemas enfrentados pelos moradores, mas disse que a prioridade era liberar o acesso ao município. “A gente tinha que começar por algum lugar. E começamos na entrada da cidade”, disse.

O político disse não terem faltado vagas nos abrigos públicos improvisados para acolher quem precisou sair de casa. “Temos que ter paciência. Há alguns moradores reclamando do prefeito, mas não tem faltado trabalho da nossa parte. Essa foi a pior enchente que a cidade enfrentou nos últimos 50 anos”, salientou. Segundo o peemedebista, a princípio, o valor estimado para a recuperação das áreas afetadas está orçado em R$ 6 milhões.

O político disse que a prefeitura distribuiu kits com material de limpeza a moradores mais afetados pela cheia do rio e declarou que um caminhão vai recolher donativos ofertados pela Defesa Civil Estadual. Ele ainda afirmou estar preocupado com a situação de comunidades rurais que, segundo ele, estão isoladas no município.

Solidariedade

O aposentado Antônio Fernando da Mata, 82, revelou nunca ter visto uma enchente como a que atingiu a cidade no fim de semana passado. “A cidade ficou sem água e luz até ontem [quinta-feira, 5] ”. Ele e duas filhas haviam feito estoque de alimentos e água porque temiam que o Ano-Novo fosse chuvoso.

“Nós repartimos com os vizinhos e conhecidos que não se precaveram”, contou Marli da Mata, uma das filhas do aposentado. Moradora de Belo Horizonte, ela disse que ficou ilhada na cidade e, preocupada com o pai, resolveu ficar mesmo depois da desobstrução da MG-442, estrada que liga a cidade a BR-040.

Além da família da Mata, um grupo de moradores conhecido como “Comunidade Noiva do Cordeiro” foi à cidade prestar solidariedade a quem precisava. Formado, em sua maioria, por mulheres, o grupo de 30 pessoas se dividiu em duplas e ajudou moradores a limparem suas casas.

Uma das integrantes da comunidade, que vive em uma área rural a 17 km do centro da cidade, afirmou que a ajuda começou ainda no início da manhã. “A gente se solidarizou com as pessoas e estamos limpando a sujeira que ficou depois da passagem da enchente”, contou a lavradora Nelma Fernandes, 25.  O grupo promete retornar neste sábado (7) para continuar a tarefa.

Segundo a Defesa Civil municipal, há 450 pessoas desalojadas e 22 famílias desabrigadas na cidade. Elas foram encaminhadas para escolas municipais e para casa de parentes.

Quando a reportagem do UOL deixou a cidade, chovia forte e a sinuosa estrada que liga o município à BR-040 já apresentava várias quedas de barreiras, sendo que uma enorme pedra bloqueava quase que totalmente a MG-442, já no encontro com a 040.

Situação no Estado

O Estado de Minas Gerais já registra 12 mortes causadas pelas fortes chuvas que atingem a região Sudeste do Brasil. O número de cidades em situação de emergência desde outubro do ano passado chega a 99, sendo que 12 decretaram o estado nesta sexta-feira (6), segundo o último boletim divulgado pela Defesa Civil estadual.

Dos 12 mortos, dez morreram somente nesta primeira semana de 2012. Duas pessoas morreram em Governador Valadares após o deslizamento de uma encosta nesta sexta: Nilson Jânio Andrade, 43, e Marlene Pinheiros da Silva estavam em casa quando foram soterrados. Já Flávio Adão Silva, 24, foi arrastado pela correnteza de um rio em União da Minas. Em Guaraciaba, Edmar João Vila, 23, foi levado pela enxurrada ao tentar atravessar uma rua.

Durante a semana, morreram em um deslizamento na rodoviária de Ouro Preto os taxistas Juliano Alves, 28, e Denílson Maciel de Araújo, 26. Janilson Aparecido de Moraes, 40, morreu no desabamento de prédio em Belo Horizonte. Maria de Lourdes Estevão Rocha, 78, também foi atingida por deslizamento, mas na cidade de Visconde do Rio Branco. Em Guidoval foram dois mortos: João Paulo Coelho, 81, surpreendido por uma inundação dentro de casa e morreu afogado, e Genésio Cândido Martins Silva, 42, foi levado pela correnteza durante um temporal na cidade.

No final de 2011, morreram o motociclista Amardo Pereira, 43, atingido por um tronco de árvore durante temporal em Reduto, e Poliane Alves de Oliveira, 27, levada pelas águas de um ribeirão em Governador Valadares.

Rita Vieira de Souza, moradora de Santo Antônio do Rio Baixo, e Vanis Silencio Ferreira, de União de Minas, estão desaparecidas.

As seguintes cidades decretaram situação de emergência hoje (6): Oliveira, Muriaé, Ervália, São Geraldo, Matipó, Rio Doce, Astolfo Dutra, Campo Belo, Carmópolis de Minas, Várzea da Palma, Paula Cândido e Montes Claros. No total, 155 enfrentam problemas causados pelas chuvas.

Segundo a Defesa Civil estadual, 11.870 pessoas estão desalojadas e 876, desabrigadas. Ao todo, 2.169.857 pessoas foram afetadas.