Marinheiros acusados de lançarem clandestino ao mar no Paraná responderão por tentativa de homicídio
A Justiça Federal de Paranaguá (98 km de Curitiba) aceitou parcialmente a denúncia contra os 19 tripulantes de nacionalidades turca e georgiana do navio Seref Kuru acusados pelo Ministério Público Federal de torturar e atirar ao mar o camaronês Wilfred Happy Ondobo, 28, a cerca de 15 km da costa paranaense. O crime aconteceu em junho deste ano.
Em despacho proferido nesta quinta-feira (16), o juiz federal Vicente de Paula Ataíde Júnior decidiu que o capitão do navio, Coskun Çavdar, e os marinheiros Orhan Satilmis, Ihsan Sonmezocak, Mamuka Kirkitadze, Zafer Yildirim e Ramazan Ozdamar irão responder por tentativa de homicídio qualificada. Com isso, podem ir a júri popular.
O juiz também acatou as denúncias contra o Çavdar e Satilmis por tortura. O marinheiro, identificado por Ondobo como seu principal agressor, também irá responder por crime de racismo.
Os demais 13 tripulantes, que não participaram diretamente do crime, tiveram a denúncia contra eles rejeitada pelo juiz, que apesar disso reconheceu que eles tinham o “dever moral e humanitário” de evitar a tentativa de homicídio do camaronês.
“Segundo a denúncia, eles devem ser considerados partícipes da tentativa de homicídio em razão da sua omissão penalmente relevante, sem a qual o resultado não teria ocorrido”, anotou o magistrado na decisão.
“Certamente que esses membros da tripulação tinham o dever moral e humanitário de envidar esforços junto aos demais tripulantes e, em especial, junto ao capitão do navio, para que Ondobo não fosse lançado ao mar desprotegido e em situação que pudesse comprometer-lhe a vida. Mas, pela legislação brasileira, eles não tinham o dever legal, pelo que sua omissão não recebe reprovação penal.”
Com isso, os 13 estão autorizados a deixar o país. Já os seis tripulantes agora transformados em réus da ação penal, têm dez dias de prazo para apresentar defesa por escrito à Justiça.
“Para viabilizar a citação, proceda-se, com urgência, à tradução da denúncia e do mandado de citação. O Oficial de Justiça encarregado da citação deverá se fazer acompanhar por intérprete, para possibilitar a leitura do mandado”, determinou o juiz.
Além dos réus, a decisão também determina a citação de consulados e embaixadas dos países de origens deles. O capitão Çavdar e os cinco marinheiros devem permanecer em Paranaguá, sob vigilância de uma empresa privada, custeada pela agência marítima que contratou o Seref Kuru.
Se considerados culpados, podem ser condenados a até 20 anos de prisão, pelo crime de tentativa de homicídio, a até oito anos, por tortura, e a até três anos e multa, por racismo. Nesse caso, deverão cumprir pena no Brasil.
O caso
Ondobo disse às autoridades brasileiras que entrou clandestinamente no navio no porto de Douala, nos Camarões, no dia 13 de junho. Dias depois, sem água e comida, resolveu se entregar a tripulação.
Segundo a denúncia do MPF, a partir daí Ondobo afirmou ter sido agredido verbal e fisicamente, além de ser privado de sono e mantido em uma pequena cabine. Nos depoimentos, relatou chutes no peito e tapas no rosto que o teriam deixado desacordado.
Satilmis, que foi denunciado por racismo pelo MPF, teria dito a Ondobo que “não gostava de preto”, que para ele são “todos animais”. Durante o tempo em que permaneceu encarcerado a bordo, o camaronês recebia duas refeições diárias. À noite, tripulantes batiam na porta e na janela para evitar que ele dormisse.
Após 11 dias a bordo, por volta das 19h, Ondobo relatou ter recebido uma lanterna e 150 euros da tripulação e foi obrigado a saltar do navio. No mar, ele permaneceu por 11 horas à deriva boiando sobre um palete, estrutura de madeira usada no transporte de cargas que lhe foi atirado pela tripulação, até ser resgatado por um navio que vinha do Chile.
Em depoimentos à Polícia Federal, a tripulação do navio tentou negar o crime, mas indícios – como uma foto escondida por Ondobo no local onde foi mantido encarcerado – comprovaram a presença do camaronês a bordo.
Na sexta-feira (10), mesmo dia em que a denúncia contra os 19 tripulantes do Seref Kuru chegou à Justiça, o navio, de bandeira da Ilha de Malta e agora sob o comando de uma nova tripulação, deixou o porto de Paranaguá, carregado com 11 mil toneladas de açúcar, rumo ao porto de Douala, nos Camarões.
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