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Cineasta é intimado por "incitar com violência" protesto contra ditadura no Rio ao qual diz não ter comparecido

O cineasta Silvio Tendler, diretor do documentário "Utopia e Barbárie" - Divulgação
O cineasta Silvio Tendler, diretor do documentário "Utopia e Barbárie" Imagem: Divulgação

Fabíola Ortiz

Do UOL, no Rio de Janeiro

17/12/2012 16h37

Passados mais de oito meses da manifestação de estudantes e ativistas de direitos humanos em frente à sede do Clube Militar, no centro do Rio de Janeiro, contra a comemoração do golpe militar (1° de abril de 1964), o cineasta Silvio Tendler, 62, foi intimado pela polícia a prestar esclarecimentos.

Tendler deverá comparecer na 5ª DP, na Lapa, na próxima quarta-feira (19), para ser ouvido pela polícia. Ele é acusado pela direção do Clube Militar de incitar com violência os manifestantes, que agrediram muitos sócios do Clube, em sua maioria militares da reserva, no dia 29 de março deste ano.

O titular da 5ª DP, delegado Alcides Alves Pereira, afirmou que desde abril várias testemunhas têm sido ouvidas pela polícia.

“Se ele está sendo chamado para depor é porque, de alguma forma, o nome dele foi mencionado. Se não esteve presente no dia do evento, ele deve dizer isso. Ser convocado para dar esclarecimentos não significa necessariamente atribuir responsabilidade direta”, explicou.

Mesmo tendo ajudado a mobilizar manifestantes pela internet, Tendler não compareceu ao protesto porque estava se recuperando de uma cirurgia para descompressão da medula, que o deixou de cadeira de rodas. Ele conta que no dia do protesto estava em casa e não tinha condição de ir à manifestação.

Segundo o delegado, que não soube precisar quantas testemunhas já foram ouvidas, “as pessoas são intimadas quando seu nome é mencionado para ser testemunha ou se teve alguma relação [com o ocorrido]”.

O cineasta confirmou ao UOL que recebeu a intimação na última sexta (14), em mãos, de dois policiais civis que foram à sua casa.

“Foi uma surpresa, a minha reação inicial era de tentar entender do que eu estava sendo acusado. Vou ter que esclarecer sobre um ato ao qual eu não compareci e a desorganização [tumulto no dia] foi deles [militares]”, afirmou Tendler, destacando que a confusão gerada no dia do protesto teria sido de responsabilidade do Clube Militar, por não ter colocado proteção na entrada do edifício, localizado na Cinelândia.

O protesto reuniu cerca de 300 pessoas na porta da sede do Clube Militar. O grupo era composto de jovens e muitos filiados a partidos de esquerda que protestavam contra um evento que lembrava o aniversário do golpe de 1964.

Convocado pela internet

Na ocasião, a manifestação havia sido convocada na internet pelo cineasta Silvio Tendler, que teve sua mãe torturada durante a ditadura. Antes do início do protesto, Tendler havia dito que o ato seria uma “manifestação descontraída, anti-ditadura e anti-golpe militar”.

“Na época, eu dei uma entrevista que saiu na internet e agora estou sendo acusado de constrangimento ilegal qualificado, como se eu tivesse desafiado o bando de pijamas”, ironizou o cineasta.

No vídeo de convocação à manifestação, divulgado em redes sociais, Tendler afirmava: “A ditadura me lembra tudo de ruim nesse país. É inadmissível que exista gente que ainda hoje pretenda comemorar o golpe de 64, que se use espaços públicos para comemorar a implantação de uma ditadura que destruiu uma geração inteira no país. É uma manifestação pela liberdade, democracia e pelo direito de expressão”.

Nesta segunda-feira (17), Tendler afirmou que o evento organizado pelo Clube Militar foi um “ato desrespeitoso contra a própria presidente Dilma, que disse que não se podia comemorar o golpe de 64”.

A decisão de Dilma foi “desprezada pelos militares que, mesmo sendo da reserva, devem lealdade e merecem cadeia”, afirmou.

Clube Militar fez queixa

Contactado pelo UOL, o chefe da comunicação social do Clube Militar, general Bandeira, confirmou que na semana seguinte ao fato, a instituição apresentou queixa na polícia porque “seus sócios foram impedidos de forma violenta do seu direito de ir e vir”.

“A participação do senhor Silvio Tendler foi de incitação de jovens para que impedissem a chegada de associados ao clube. O grupo que se reuniu foi convocado e incitado pelo senhor Tendler”, afirmou.

General Bandeira disse ainda que a palestra realizada no dia – "1964 - A Verdade"  –não era uma comemoração ao golpe militar, e sim uma “rememoração histórica daquele período e como se deu a revolução”.