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Ex-guru de Tim Maia e Mamonas Assassinas viram nome de bens públicos em Curitiba

Praça Mamonas Assassinas em Curitiba; local ainda não tem placa de identificação, no bairro Alto - Rafael Moro Martins/UOL
Praça Mamonas Assassinas em Curitiba; local ainda não tem placa de identificação, no bairro Alto Imagem: Rafael Moro Martins/UOL

Rafael Moro Martins

Do UOL, em Curitiba

15/01/2013 00h01

Afora os seguidores da Cultura Racional, Manoel Jacintho Coelho é um nome conhecido apenas pelos fãs mais arraigados de Tim Maia. Os álbuns Tim Maia Racional 1 e 2, de 1975, são uma exaltação a “Manoel, o maior homem do mundo” e à filosofia criada pelo singular carioca –com quem, logo depois, o músico romperia a ponto de proibir a circulação dos discos, o que contribuiu para a aura mítica que eles ganhariam a partir de então.

Pois, em breve, Coelho irá batizar um logradouro público de Curitiba. Será mais uma homenagem curiosa prestada pela Câmara, que também já colocou nas listas de endereços da capital paranaense a banda Mamonas Assassinas e o ator Valentino Guzzo –conhecido por encarnar a Vovó Mafalda nos programas infantis do palhaço Bozo.

“Fui procurado pelo dirigente da Cultura Racional no Paraná, José Capel, que me sugeriu a homenagem, e apresentei o projeto como reconhecimento a uma pessoa que fez acontecer. A Cultura Racional, seus estudantes, estão em todo o Brasil, e só ouço coisas boas deles”, justifica o vereador Tito Zeglin (PDT), autor do projeto de lei, aprovado no fim de 2012, que homenageia Coelho.

Apesar de dizer que não é discípulo da Cultura Racional, Zeglin tem uma relação próxima com a filosofia que nos anos 1970 seduziu Tim Maia.

“Há muitos anos, apresentei um projeto criando o Dia da Cultura Racional em 3 de junho. Mas não tenho ligação alguma para além da amizade com os líderes, e do entendimento de que a obra do Jacintho é fantástica.”

Coelho dizia ser “Racional Superior da Terra”

Coelho dizia ser “Racional Superior da Terra” Nascido em 1903, Manoel Jacintho Coelho foi músico na adolescência, serviu ao Exército e trabalhou como funcionário público. Concebeu a Cultura Racional em 1935, a partir de um centro espírita no Méier, zona norte do Rio de Janeiro, quando passou a se dedicar à tarefa de escrever o livro “Universo em Desencanto” – que, segundo os sites da filosofia que deixou, tornou-se uma impressionante série de mais de mil volumes. “Ele tinha um pé no espiritismo e outro no cientificismo do século 19, que foi muito forte no Brasil até a era Vargas. A Igreja Científica pregava que a elevação espiritual se dá pelo conhecimento, e não por dogmas metafísicos. A Cultura Racional vai pela mesma linha, tem um misticismo bastante concreto”, afirma o antropólogo Allan Oliveira, professor da Unioeste (Universidade Estadual do Paraná) e autor de uma pesquisa sobre o tema. Segundo os seguidores de Coelho, que mantém pelo menos três portais na internet sobre o assunto, a Cultura Racional prega “o desenvolvimento do raciocínio, do mundo que deu origem a este em que habitamos".

Para chegar a tal entendimento, o vereador fez o que pedem as letras das 18 canções de Tim Maia Racional – leu o livro “Universo em Desencanto”, pedra fundamental da Cultura Racional, escrito por Coelho. “Li, anos atrás. Achei interessante, uma prática boa, mostra que o homem tinha um grande conhecimento.”

O logradouro que ganhará o nome do guru da Cultura Racional, morto em 1991, ainda não foi definido. Como tantos outros aprovados pelos vereadores, o nome de Coelho ficará à disposição da Prefeitura de Curitiba, para ser usado numa rua, praça ou jardinete ainda não batizado. Em casos como esse, a família do homenageado tem a prerrogativa de aprovar a escolha do local –mas, uma vez nomeado, não é possível voltar atrás.

“Nome estrambólico”

Não há placa que indique que o nome da pequena praça espremida entre algumas casas no bairro Alto, bairro de classe média baixa da região leste de Curitiba. Mas basta perguntar a um morador que vem a confirmação. “É a praça dos Mamonas."

“Na época em que faleceram aqueles jovens, para homenagear a nação brasileira, que ficou muito entristecida, apresentei a sugestão. Apesar do nome estrambólico, eram bons cantores, irreverentes, mas pessoas boas”, afirma o agora ex-vereador Jair Cézar (PSDB), autor da proposição que deu ao jardinete o nome do grupo, cujos integrantes morreram num acidente aéreo em 1996.

Cézar não conseguiu a reeleição nas eleições de outubro passado. Nos 24 anos em que esteve na Câmara, porém, foi uma espécie de “prefeito informal” do Bairro Alto, seu rincão eleitoral. Por isso, conseguiu que a homenagem aos Mamonas Assassinas fosse levada à região. “Quando trabalhamos numa comunidade em que sabemos que há logradouro sem nome, fazemos a indicação”, afirma.

É possível passar pelo Jardinete Valentino Guzzo sem notá-lo. Bem cuidado, mas pequeno ele está encravado numa esquina do extremo sul de Santa Felicidade, bairro fundado por imigrantes italianos na região oeste de Curitiba. Apesar de menor, ele tem uma vantagem em relação ao jardinete Mamonas Assassinas –uma placa a identificá-lo.

Guzzo foi um faz-tudo em televisão. Começou como maquinista e contra-regra até chegar a diretor e produtor –função que exerceu nos programas de Silvio Santos, Flávio Cavalcanti e Ratinho, entre outros. O que o fez conhecido, porém, foi a Vovó Mafalda, personagem que interpretava nos programas do Bozo, levados ao ar pelo SBT na década de 1980.

“Trabalhei com Chacrinha e Flávio Cavalcanti. Foi assim que conheci Valentino. Era uma grande pessoa, fazia muitos shows gratuitos em instituições de caridade, inclusive em Curitiba. A mulher dele, Cleuza, é paranaense”, afirma o ex-vereador Mario Celso Cunha (PSDB), autor da homenagem.

Cunha chegou à Câmara Municipal em 1976, catapultado pela fama que ganhou como radialista. Tem um extenso currículo também na televisão – chegou a trabalhar como coordenador da “Discoteca do Chacrinha”, na extinta TV Excelsior, a convite do diretor do programa, Ferreira Neto. À época da morte de Guzzo, em 1998, trabalhava na retransmissora do SBT no Paraná.

Apesar da placa, os moradores não ligam o nome de Guzzo a sua história da televisão. “Nem sabia quem era”, diz uma moradora. “Ele fazia o Bozo, não?”, arrisca outro, que mora exatamente em frente. Corrigido pela reportagem, ele diz que não é na Vovó Mafalda que a vizinhança pensa quando vai se referir ao jardinete. “Pra nós, é a praça dos craqueiros e dos maconheiros”, lamenta.