Topo

Sabesp desobedece corregedor e não entrega contratos de demanda firme

Natalia Viana

Da Agência Pública, em São Paulo

03/03/2015 18h43

A determinação do Corregedor-Geral da Administração Estadual, Gustavo Ungaro, proferida no dia 26 de janeiro, foi clara: “dou provimento ao recurso em análise, determinando que seja propiciado o acesso demandado”. Ungaro deu razão ao recurso da reportagem da Pública que desde dezembro tenta ter acesso aos contratos de demanda firme assinados entre a Sabesp e grandes consumidores de água nos últimos dez anos. Os contratos garantem descontos de até 75% na tarifa da água para clientes comerciais e industriais – quanto maior o consumo médio, maior o desconto – e os obriga ao uso de uma cota mínima por mês, além de exigir o consumo exclusivo da água da Sabesp. Na prática, esses contratos inibem alternativas de abastecimento por parte das empresas como o reuso da água e a utilização de poços artesianos.

O corregedor deu 30 dias de prazo para a Sabesp enviar os contratos à reportagem da Pública. No dia 26 de fevereiro, em flagrante descumprimento à decisão, o Departamento de “Gestão de Crises” da Sabesp – que cuida internamente dos pedidos feitos pela Lei de Acesso à Informação (LAI) – enviou a sua resposta. Em vez de mandar as cópias dos contratos reais, foi entregue apenas um “modelo” genérico acompanhado de uma planilha com dados parciais: nem o nome das empresas – identificadas apenas como “cliente número 1, 2, 3” – nem os valores das tarifas contratadas estão disponíveis.

Veja também

“A Sabesp disponibiliza, em planilha anexa, as informações relativas aos contratos de demanda firme, sem, todavia, nominar seus clientes, em respeito à relação que mantém com os mesmos, como já pronunciado anteriormente, sendo relevante destacar que é amplamente favorável à promoção da transparência, não podendo, todavia, em nome deste princípio, se sobrepor aos demais direitos garantidos pelo Estado ao cidadão, notadamente os de caráter fundamental, como é o caso do direito à privacidade de nossos clientes”. Essa foi a explicação da empresa ao enviar os dados, apesar do corregedor ter afirmado em sua decisão que considera “descabida a possibilidade da aplicação desta hipótese [de proteção à privacidade] no caso de informações relativas a pessoas jurídicas”.

A determinação do Departamento de Assuntos Jurídicos e Disciplinares da CGA, que embasou a decisão do Ungaro, é ainda mais clara quanto à legitimidade do pedido feito pela reportagem: “A liberação dos contratos conhecidos como demanda firme, mesmo com  a restrição acima [número de contas bancárias] permitirá à sociedade o aceso ao modus operandi da Sabesp no que diz respeito à prestação de serviços públicos de saneamento básico. Afinal, de posse de tais contratos e adendos será possível apurar todas as demais informações objeto do pedido inaugural”. Veja aqui a decisão completa.

“O que a gente vê é que, com base em um certo desconhecimento generalizado do uso da lei, os órgãos que omitem dados que não seria necessário omitir. E se valem muitas vezes de um amparo legal que não é real. A pergunta que fica é: qual o prejuízo que haveria para a Sabesp divulgar esses nomes?”, diz Carlos Thadeu de Oliveira, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, que tem feito diversos pedidos de acesso a dados da Sabesp sobre a falta de água em São Paulo. “A própria Lei de Acesso à Informação diz que é uma conduta ilícita ocultar total ou parcialmente informação que se encontra sob a guarda do agente público. Não pode simplesmente a Sabesp negar acesso a um dado por seu desejo ou conveniência”, explica.

A reportagem comunicou ontem à CGA o descumprimento da decisão e agora aguarda um posicionamento do corregedor. Dentre as medidas cabíveis, ele pode autuar a presidência da Sabesp, enviando ofício de notificação do descumprimento da decisão, ou até determinar que se apure a responsabilidade de quem negou o acesso, já que se trata de descumprimento da lei. O próximo passo será recorrer à a Comissão Estadual de Acesso à Informação, instância máxima na avaliação do cumprimento da LAI por parte dos órgãos públicos estaduais.  Se ainda assim a Pública não obtiver a resposta da Sabesp, a solução será apelar para a Justiça.

“Após quase três anos de vigência da LAI, temos observado muitas decisões judiciais favoráveis ao acesso à informação e à transparência”, avalia Karina Quintanilha, advogada da organização Artigo 19, que defende a liberdade de expressão. “Consideramos que o pedido de informação feito à Sabesp trata-se de um caso emblemático e seus desdobramentos podem ter um impacto muito importante para a garantia da LAI no Brasil”.

Leia a íntegra da resposta da Sabesp.

Comunicar erro

Comunique à Redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

Sabesp desobedece corregedor e não entrega contratos de demanda firme - UOL

Obs: Link e título da página são enviados automaticamente ao UOL

Ao prosseguir você concorda com nossa Política de Privacidade


Cotidiano