Orçada em R$ 8,5 bi, urbanização de favelas no Rio só concluiu 3 projetos
Lançado pela Prefeitura do Rio de Janeiro em 2010 e orçado em R$ 8,5 bilhões, o programa Morar Carioca transformou em política pública a ambiciosa promessa de urbanizar todas as 763 favelas da cidade, estabelecendo como prazo o ano de 2020. De lá para cá, no entanto, reclamam urbanistas e moradores, pouco foi feito. Dos 40 escritórios de arquitetura escolhidos por concurso para o tocar o projeto, apenas 11 foram contratados e três projetos concluídos e, segundo a Secretaria Municipal de Habitação, não há garantias de que os outros 29 escritórios serão chamados.
“Mudança não teve, só para pior”, diz Carlos Hipólito, 43, morador da rua Esperança, na favela Vila União Curicica, localizada na zona oeste do Rio, a cerca de 40 quilômetros do centro da cidade. Ele e os vizinhos passaram parte da manhã do dia 14 de outubro ocupados em colocar fogo em meia dúzia de pneus a fim de fechar uma das ruas paralelas à comunidade em protesto pela falta de água no local, ainda sem saneamento, calçamento ou abastecimento de água formal.
A antropóloga Mariana Cavalcanti, que participou das pesquisas e encontros com os moradores para fazer os projetos referentes ao lote 26, que inclui a Vila União, se ressente com a atual situação do Morar Carioca. “A gente é viúvo do projeto”, diz. “Ele era muito bom, construído a partir de um conhecimento acumulado ao longo do tempo. Talvez ele fosse bom demais para ser executado.”
No caso da Vila União, por pouco não sobra nem a favela. Após ter o projeto pronto, os moradores receberam a notícia de que 90% da favela seria removida para dar espaço à Transolímpica, corredor que irá ligar o Recreio dos Bandeirantes, na zona oeste, a Marechal Deodoro, na zona norte da cidade. A mobilização dos moradores e de grupos de luta por moradia fez com o que o traçado fosse alterado e apenas 330 das 3.000 famílias que vivem no local foram realocadas.
Após o susto, no entanto, o programa foi deixado de lado na favela, onde ainda é possível ver as marcas de SMH (Secretaria Municipal de Habitação) pintadas pelas paredes --sinal que identifica as construções que serão demolidas– e casas cortadas ao meio. “Prometeram esgoto encanado, praças, legalização dos documentos e depois não nos procuraram mais”, lembra a presidente da associação de moradores da favela, Vania de Jesus Neri, que tentava convencer os moradores a apagarem o incêndio que fechava a rua enquanto buscava uma resposta para a falta de água. “Precisamos dessa urbanização.”
O IAB (Instituto de Arquitetos do Brasil), que organizou o concurso, se retirou do programa devido à lentidão na implementação dos projetos. “Houve um esvaziamento. Muitas das obras têm se voltado a uma política da bica”, diz Pedro da Luz, presidente do instituto. Para Luz, toda a obra realizada desde então em qualquer favela, mesmo que pontual, acabou ganhando o carimbo de Morar Carioca, independente de fazer parte do projeto ou não. “A prefeitura dá uma chancela, coloca a placa, mas na verdade é só um jogo de mídia. As intervenções não têm a pretensão inicial do desenho do programa, que era de urbanizar e promover uma integração com as comunidades do entorno”, diz.
A Secretaria Municipal de Habitação, no entanto, garante que o Morar Carioca está sendo executado dentro dos prazos e diz que o IAB havia sido contratado apenas na fase inicial, para organizar o concurso, que tinha validade de dois anos, o que a desobriga a chamar os outros escritórios. Segundo a prefeitura, de 2010 até 2013, foram investidos R$ 2,1 bilhões, beneficiando 69 comunidades, com 306 mil moradores. Até 2016, o plano é destinar mais R$ 2,65 bilhões, abrangendo mais 86 mil domicílios e, de 2017 até 2020, outros R$ 3,75 bilhões e 109 mil domicílios.
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