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Consultoria encontrou trincas em barragem em MG 14 meses antes de desastre

Neno Vianna/EFE
Imagem: Neno Vianna/EFE

Carlos Eduardo Cherem

Colaboração para o UOL, em Belo Horizonte

18/01/2016 18h16

A empresa de consultoria Pimenta de Ávila, especializada em geotecnia e recursos hídricos aplicados à mineração, apontou em setembro de 2014 que havia um “princípio de ruptura” e “trincas” na barragem de Fundão, da mineradora Samarco, que rompeu em novembro do ano passado, em Mariana (MG), causando a morte de 17 pessoas e o desaparecimento de outras duas. A tragédia é considerada o pior desastre ambiental do país.

De acordo com depoimento do presidente da empresa de consultoria, o engenheiro Joaquim Pimenta de Ávila, à PF (Polícia Federal), em Belo Horizonte, “as trincas poderiam representar um princípio de ruptura”.

A Pimenta de Ávila, com sede em Nova Lima (MG), atua no segmento há 27 anos e tem entre seus clientes as maiores mineradoras do país, realizando estudos de auditoria técnica de segurança de barragens, de planos de disposição de rejeitos e de resíduos sólidos, além de análises de risco.

Por meio de nota, a Samarco informou nesta segunda-feira (18) que “trinca ou surgências podem ocorrer em quaisquer barragens, sendo dever da operação relatá-las, avaliá-las e tratá-las adequadamente, contando com pareceres, recomendações técnicas e projetos contratados”.

Ávila afirmou que a trinca apareceu em um recuo feito na barragem, que não estava previsto no projeto feito da consultoria. A recomendação de Ávila à época foi para que fosse feito o redimensionamento do reforço na estrutura e a instalação de ao menos nove piezômetros (instrumentos para medir a pressão da água no solo), além de um acompanhamento diário do nível da água. O engenheiro, porém, disse que não sabe se as orientações foram seguidas pela mineradora.

Sobre isso, a Samarco afirmou que “o recuo da barragem de Fundão não estava previsto no projeto inicial, tendo sido realizado para o tratamento da galeria secundária na ombreira esquerda. O fato é público e notório e de pleno conhecimento de qualquer consultor contratado pela Samarco, inclusive do consultor Joaquim Pimenta de Ávila”.

A companhia ainda disse que o consultor “inspecionou a barragem do Fundão posteriormente ao mês de setembro de 2014, tomou conhecimento das providências adotadas em relação às suas recomendações e não apresentou qualquer advertência sobre a barragem nessas oportunidades”.

“As pessoas presentes no dia a dia operacional da barragem não constataram nenhuma anomalia que pudesse indicar qualquer problema na sua estrutura”, informa a Samarco.

A PF investiga as causas para o rompimento da barragem da Samarco. Semana passada, a mineradora Vale (proprietária de metade da Samarco, junto com a BHP Billinton), a empresa VogBR e mais sete executivos e técnicos da mineradora foram indiciados pela corporação por crimes ambientais provocados pelo rompimento da barragem.

De acordo com a PF, foram indiciados o diretor-presidente da Samarco, Ricardo Vescovi Aragão, a gerente de Geotécnica e Hidrogeologia, Daviely Rodrigues Silva, o gerente-geral de Projetos, Germano Lopes, o diretor de Operações e Infraestrutura, Kleber Luiz de Mendonça Terra, além do engenheiro responsável pela declaração de estabilidade da barragem e do coordenador de monitoramento das barragens da Samarco, cujos nomes não foram divulgados.

“Desastre já anunciado”

De acordo com o MP (Ministério Público) de Minas Gerais, que também investiga as causas do rompimento da barragem, o processo de construção da barragem de Fundão começou de forma irregular em 2007, sem a apresentação do projeto executivo aos órgãos ambientalistas de Minas Gerais.

Ainda de acordo com o MP, a Samarco apresentou somente dados básicos da obra, sem o projeto executivo, e mesmo assim, teve a licença prévia para início da construção. A licença foi aprovada pelos órgãos ambientalistas do Estado.

Com autorização para a construção, concedida em junho de 2007, em poucos meses, já em 2008, a obra estava bastante adiantada.

“O MP analisou o licenciamento e podemos apontar, com grande exatidão, que ele (o licenciamento) foi decisivo para que acontecesse a tragédia”, afirmou a promotoria. “Nós podemos classificar esse rompimento como um desastre já anunciado.”