Taxa de transparência das polícias no país é de 18%, diz relatório inédito
Relatório inédito realizado com base em indicadores oficiais concluiu que é inferior a 20% o nível de transparência média dos órgãos de segurança pública nos 27 Estados do país, incluindo secretarias de segurança, Polícias Militares e Polícias Civis. O estudo Segurança & Transparência Brasil, lançado nesta quarta-feira (16), mostra que os Estados do extremo norte do país são os mais obscuros em relação a suas atividades de combate ao crime.
O Estado menos transparente em segurança pública é Roraima, com um índice de apenas 3% segundo a metodologia do levantamento. Logo depois aparece o estado do Amapá, onde o índice de transparência chega a apenas 4%. O estudo leva em conta o acesso público a informações das três principais estruturas de segurança de cada estado a partir dos portais oficiais de cada instituição, considerados como fonte de dados tanto para o Ministério Público Federal quanto para a Controladoria Geral da União.
O nível médio de transparência no país ficou em 18%. O líder do ranking de estado mais transparente é Mato Grosso, com taxa de 31%. Em Nova York, cidade que serviu como base de comparação, o índice de transparência com a mesma metodologia aplicada aos órgãos brasileiros chegou a 70%.
Segundo um dos autores do estudo, Alberto Kopittke, os dados mostram o tabu que cerca o tema da segurança no país. “Estamos no pior dos mundos: por um lado, somos incapazes de potencializar o que tem funcionado em termos de segurança pública; por outro, não conseguimos aprender nada com aquilo que não funciona”, resume.
Kopittke é mestre em ciências criminais pela PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul) e ocupou o cargo de diretor de políticas, programas e projetos da Secretaria Nacional de Segurança Pública do governo federal.
Normas para uso da força
Uma das maiores lacunas em termos de informação apontada pela Segurança & Transparência Brasil se refere ao uso da força pelas corporações policiais no combate ao crime: apenas a Polícia Militar de Mato Grosso, entre 81 instituições pesquisadas, disponibiliza suas normas sobre abordagens repressivas, incluindo situações para disparos de armas de fogo ou de armamento não-letal como uso de balas de borracha, bombas de efeito moral ou tasers (armas de choque). Nenhum dos órgãos pesquisados em nível nacional publica estatísticas sobre o uso da força, como número de disparos ou número de abordagens violentas.
“A transparência é fundamental para que as autoridades de segurança possam enxergar o que está ocorrendo e traçar metas de médio e longo prazos para suas estruturas de combate ao crime. Ao invés de proteger as corporações, a opacidade dos dados dificulta a prestação de contas e o debate sobre a eficiência das polícias. As principais corporações do mundo já usam abundantemente esses dados para se qualificarem”, avalia Kopittke.
Em Nova York, segundo o relatório, as estatísticas sobre número de disparos, local das ocorrências e justificativas para as abordagens são públicos desde 1971. O resultado é que em quatro anos o índice de disparos envolvendo policiais caiu quase à metade, de 810 em 1971 para 454 em 1973. Em 2015 o indicador chegou ao nível mais baixo da série histórica do New York Police Departament: 67 tiros.
No Brasil, as secretarias de segurança mais transparentes – Rio de Janeiro, São Paulo e Pernambuco – são justamente dos Estados que apresentaram maiores quedas nos indicadores de violência nos últimos dez anos, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança e o Mapa da Violência. “Não é uma coincidência”, diz o pesquisador.
O estudo reúne dados referentes a outubro de 2015 e está sendo atualizado para a publicação do segundo relatório da Segurança & Transparência Brasil, previsto para o início de 2017. Com base nos dados apurados até agora, é possível concluir que o panorama de opacidade não se alterou.
O relatório mostra, por exemplo, que apenas sete ouvidorias ou corregedorias em todo o país publicam relatórios sobre investigações de abusos policiais, enquanto dois órgãos tornam públicas suas pesquisas de avaliação das condições de trabalho, feitas pelos próprios agentes.
Também não há informações disponíveis sobre os serviços de inteligência e poucos dados sobre os protocolos operacionais, ou seja, as normas de conduta em casos de abordagem repressiva. De acordo com o portal, sete secretarias de segurança disponibilizam uma política estadual para o setor em todo o país – índice inferior a 30%.
Kopittke, que lidera uma equipe de três pesquisadores, também reclama da falta de informações sobre a doutrina interna das corporações de segurança e sobre o conteúdo programático dos cursos de formação de agentes e de oficiais. Nenhum dos 27 Estados revela os nomes dos instrutores e apenas quatro disponibilizam publicamente informações sobre a qualidade dessa formação. Além disso, apenas Pernambuco e São Paulo publicam relatórios sobre policiais mortos e feridos em ações de combate ao crime.
O coordenador do Mapa da Violência, Julio Jacobo Waiselfisz, disse que os dados revelados pela Segurança & Transparência Brasil confirmam a impressão generalizada de que não há área mais restrita ao acesso público no país do que o combate à criminalidade.
“Há uma falsa interpretação de que segurança pública e segurança nacional são a mesma coisa. Não são. Enquanto todos os órgãos que prestam serviços aos cidadãos, como saúde e educação, para falar nos mais importantes, prestam contas de suas atividades, a segurança segue sendo um tabu intransponível. Quando se trata desse assunto, parece que estamos falando de outro planeta”, critica.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.