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De 74 PMs envolvidos no massacre do Carandiru, 58 foram promovidos

2.out.1992 - Corredor alagado de sangue no Pavilhão 9 do Carandiru, após ação da PM - 2.out.1992 - Niels Andreas/Folhapress
2.out.1992 - Corredor alagado de sangue no Pavilhão 9 do Carandiru, após ação da PM Imagem: 2.out.1992 - Niels Andreas/Folhapress

Luís Adorno

Do UOL, em São Paulo

02/10/2017 13h47Atualizada em 02/10/2017 14h26

Dos 74 PMs (policiais militares) processados por participar do massacre do Carandiru, 58 (78,3%) foram promovidos entre outubro de 1992, quando ocorreram as mortes, e 2017. Do total, sete permanecem na ativa --sendo que um está em processo de aposentadoria.

Os assassinatos de 111 detentos após uma rebelião completam 25 anos nesta segunda-feira (2). Os 74 policiais foram condenados em júris ocorridos entre 2013 e 2014, mas tiveram a condenação anulada pelo TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) em setembro do ano passado.

A promoção por tempo de serviço de policiais militares para determinadas patentes, mesmo que estejam respondendo a processos judiciais, é prevista em lei estadual. Ao menos três foram promovidos por mérito. Os demais, por tempo de serviço.

Capa especial Carandiru 25 anos  - Arte/UOL - Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL

O levantamento, do UOL, tem como base dados do TJM (Tribunal de Justiça Militar), transparência do governo paulista e SSP (Secretaria da Segurança Pública). Do total, 10 PMs envolvidos pediram exoneração da polícia. 51 estão na reserva. Um foi demitido. Um foi expulso. Um perdeu a graduação. Um tem diversos homônimos dentro da corporação e não foi localizado. Dois morreram.

Os seis PMs que permanecem na ativa são o subtenente Roberto Yoshio Yoshikado, o soldado Fernando Trindade, o capitão Marcos Ricardo Poloniato, o tenente-coronel Marcelo Gonzales Marques, o cabo Mauro Gomes de Oliveira e o subtenente Jair Aparecido Dias dos Santos. Outros 51 foram promovidos na reserva. Um outro foi promovido a 3º sargento, mas, depois, expulso da corporação.

Entre os policiais que foram julgados, condenados e absolvidos está o coronel Salvador Modesto Madia. Segundo a SSP, ele está na ativa, mas em processo de aposentadoria. Acusado de participar da morte de 73 das 111 pessoas mortas no Massacre, ele foi anunciado como comandante da Rota em setembro de 2011, no lugar de Paulo Adriano Telhada. Madia foi substituído no comando da tropa de elite da PM em setembro de 2012, pelo tenente-coronel Nivaldo César Restivo, que, por sua vez, passou a ser o comandante geral da PM em março de 2017.

Na carreira da Polícia Militar, é comum, e previsto em lei, a promoção por tempo de serviço, assim que correspondido alguns critérios. Por exemplo: de acordo com uma lei complementar de dezembro de 2013, o "2º Tenente PM que possuir, no mínimo, seis meses no posto, observadas as regras previstas na Lei de Promoções, será promovido ao posto de 1º Tenente PM, nas respectivas datas de promoções, de acordo com as vagas existentes".

Procurada, a defesa dos policiais militares envolvidos no massacre e que ainda estão nos quadros da corporação informou que não se posicionaria porque o processo ainda está em andamento. A reportagem não conseguiu contato com a defesa dos homens que saíram da PM.

O Massacre do Carandiru, quando 111 presos foram mortos em uma ação da polícia de São Paulo que durou 30 minutos, completa 25 anos hoje. Somente neste ano, três PMs tiveram a promoção, por mérito, publicada no DOE (Diário Oficial do Estado). São eles o 2º tenente aposentado Haroldo Wilson de Mello, promovido em 10 de fevereiro; o subtenente da ativa Roberto Yoshio Yoshikado, promovido em 25 de maio; e o cabo da ativa Mauro Gomes de Oliveira, em 3 de agosto.

Mello e Yoshikado, da Rota, a tropa de elite da PM paulista, atuaram no 1º andar do Pavilhão 9 da Casa de Detenção. Lá, 15 presos foram mortos. Além dos dois PMs, outros 21 haviam sido condenados pelo Massacre naquele andar em 21 de abril de 2013. Oliveira, também da Rota, esteve no 2º andar, onde 78 presos foram assassinados. Em 3 de agosto de 2013, o cabo e outros 24 PMs foram condenados.

No terceiro andar, a ação não foi de homens da Rota. Lá, entraram policiais militares do COE (Comandos e Operações Especiais). Ao todo, oito presos morreram durante a ação naquele andar. Em 2 de abril de 2014, 15 policiais foram condenados. No quarto e último andar, 10 presos foram mortos. Em 19 de março de 2014, 10 PMs do Gate (Grupo de Ações Táticas Especiais) foram condenados.

Além deles, outro processado foi o coronel Ubiratan Guimarães, que morreu em 10 de setembro de 2006 vítima de assassinato. Foi ele quem ordenou a entrada de 330 policiais na Casa de Detenção. Em 2001, ele foi condenado a 632 anos de prisão, com direito a recorrer em liberdade. Em 2002, ele se elegeu deputado estadual com mais de 50 ml votos. Um outro PM envolvido no Massacre morreu por causas naturais: o soldado Reinaldo Henrique de Oliveira, que atuou no 1º andar.

Entre 2013 e 2014, os policiais foram julgados em cinco tribunais de júri. Em todos, o resultado foi a condenação, com penas que variavam entre 48 e 624 anos de prisão em regime fechado.

O caso foi classificado como a maior violação de direitos humanos no período democrático brasileiro por movimentos sociais e por agências da ONU (Organização das Nações Unidas). As condenações anunciadas nos julgamentos haviam sido as maiores da história da PM.

No entanto, em setembro do ano passado, o TJ anulou todos os julgamentos. Segundo o relator do processo, o desembargador Ivan Sartori, que já foi presidente do TJ, não houve massacre, e, sim, uma ação em legítima defesa. Os desembargadores Camilo Léllis e Edison Brandão, da 4ª Câmara Criminal, concordaram e afirmaram que a ação foi necessária e que os policiais "agiram no estrito cumprimento do dever na tentativa de controlar uma rebelião".

Sartori chegou a pedir a absolvição dos PMs argumentando que não havia provas suficientes para determinar quem atirou contra os presos dentro da Casa de Detenção. De acordo com a minuta de voto de Sartori, “ao atingirem o piso dos pavimentos, as tropas foram recebidas a tiros pelos detentos, razão pela qual atiraram em revide às agressões que recebiam”. Sartori afirmou que os "detentos que entregaram armas saíram ilesos".

O massacre do Carandiru

Por volta das 11h do dia 2 de outubro de 1992, o então diretor da Casa de Detenção, José Ismael Pedrosa, foi avisado por funcionários do local que havia começado um conflito entre presos do Pavilhão 9, que era o local onde iam os réus primários, sendo que alguns ainda aguardavam julgamento. A briga envolveu os detentos Luiz Tavares de Azevedo, vulgo “Coelho”, e Antonio Luiz Nascimento, vulgo “Barba”.

 03.set.92 - Policiais, parentes e curiosos em frente da Casa de Detenção do Carandiru - Rogério Albuquerque/Folhapress - Rogério Albuquerque/Folhapress
03.set.92 - Policiais, parentes e curiosos em frente da Casa de Detenção do Carandiru
Imagem: Rogério Albuquerque/Folhapress

De acordo com o desembargador Ivan Sartori, a briga “gerou um acirramento de ânimos, verificando-se tumulto generalizado entre os grupos de presos, quando se alinharam, de um lado, os partidários de “Barba” e, de outro, os de “Coelho”. Agentes penitenciários foram acionados, tendo sido, contudo, expulsos do 1º andar, onde se aglomeravam os rixosos”, afirmou.

Assim, o diretor acionou a PM. O coronel Ubiratan Guimarães determinou a mobilização de batalhões especiais da corporação. Após reunião em frente à penitenciária e conversa telefônica com o então secretário da Segurança Pública, Pedro Franco de Campos, Guimarães determinou a entrada de 330 PMs no complexo.

Durante julgamento ocorrido em 2013, Campos confirmou a autorização dada a Guimarães. No entanto, afirmou não ter conversado com o então governador, Luiz Antonio Fleury Filho. Fleury chegou a afirmar que a ação do Carandiru foi "necessária" e "legítima".

Ainda segundo Sartori, os PMs envolvidos afirmaram que, ao entrar na prisão, já viram detentos mortos no chão. E que a “escuridão, fumaça, chão úmido e escorregadio dificultavam a ação policial”. De acordo com os policiais, o barulho era ensurdecedor e alguns presos, aidéticos, “praticavam atos para infectá-los com sangue”.

As vítimas sobreviventes, no entanto, sempre negaram a versão apresentada em juízo pelos policiais. A versão dos detentos é de que os PMs entraram no pavilhão atirando. Alguns chegaram a relatar que tiveram de se fingir de mortos, em meio aos corpos, para não serem baleados.

ONU deplorou anulação dos júris

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Os 74 PMs envolvidos no Massacre do Carandiru

  • 1º andar: ação da Rota com 15 presos mortos
Ronaldo Ribeiro dos Santos, aposentado, promovido de capitão a coronel
Aércio Dornelas Santos, aposentado, promovido de 1º tenente a tenente-coronel 
Wlandekis Antônio Cândido Silva, aposentado, promovido de 1º sargento a 2º tenente
Joel Cantílio Dias, aposentado, promovido de 2º sargento a 2º tenente
Antonio Luiz Aparecido Marangoni, aposentado, promovido de 2º sargento a 1º tenente
Pedro Paulo de Oliveira Marques, aposentado, promovido de 2º sargento a 2º tenente
Gervásio Pereira dos Santos Filho, aposentado, promovido de 3º sargento a subtenente
Marcos Antonio de Medeiros, aposentado, promovido de 3º sargento a 2º sargento
Haroldo Wilson de Mello, aposentado, promovido de cabo a 2º tenente
Paulo Estevão de Melo, aposentado, promovido de cabo a 3º tenente
Roberto Yoshio Yoshikado, na ativa, promovido de cabo a subtenente
Salvador Sarnelli, aposentado, promovido de cabo a 3º sargento
Fernando Trindade, na ativa, soldado da PM
Antonio Mauro Scarpa, aposentado, promovido de soldado a 3º sargento
Argemiro Candido, aposentado, promovido de soldado a 3º sargento
Elder Tarabori, aposentado, promovido de soldado a 3º sargento
Sidnei Serafim dos Anjos, aposentado, promovido de soldado a 3º sargento
Marcelo José de Lira, soldado, pediu exoneração da PM
Roberto do Carmo Filho, aposentado, promovido de soldado a 3º sargento
Zaqueu Teixeira, aposentado, promovido de soldado a 3º sargento
Osvaldo Papa, aposentado, promovido de soldado a cabo
Marcos Ricardo Poloniato, na ativa, promovido de soldado a capitão
Reinaldo Henrique de Oliveira, soldado, morreu de causas naturais
 
  • 2º andar: ação da Rota com 78 mortos
Valter Alves Mendonça, aposentado, promovido de capitão a coronel
Marcelo Gonzales Marques, na ativa, promovido de 1º tenente a tenente-coronel
Carlos Alberto dos Santos, aposentado, promovido de 1º tenente a 3º sargento
Salvador Modesto Madia, em processo de aposentadoria, promovido de 1º tenente a coronel
Luiz Antonio Alves Tavares, aposentado, promovido de 1º sargento a 2º tenente
José Carlos do Prado, aposentado, promovido de 2º sargento a capitão
Carlos do Carmo Brígido Silva, aposentado, promovido de 2º sargento a subtenente
Italo Del Nero Junior, 3º sargento, pediu exoneração da PM
Carlos Alberto Siqueira, aposentado, promovido de cabo a 3º sargento
Ariovaldo dos Santos Cruz, aposentado, promovido de cabo a 2º sargento
Valquimar Souza Gomes, aposentado, promovido de cabo a 1º sargento
Roberto Alves de Paiva, aposentado, promovido de cabo a 1º sargento
Mauro Gomes de Oliveira, na ativa, promovido de soldado a cabo
Pedro Laio Morais Ribeiro, aposentado, promovido de soldado a 3º sargento
Silvério Benjamin da Silva, soldado, perdeu a graduação da PM
Walter Tadeu Andrade Assis, aposentado, promovido de soldado a 3º sargento
Roberto Lino Soares Penna, aposentado, promovido de soldado a 3º sargento
Edson Pereira Campos, aposentado, promovido de soldado a major
Antonio Aparecido Roberto Gonçalves, aposentado, promovido de soldado a 3º sargento
Eno Aparecido Carvalho Leite, aposentado, promovido de soldado a cabo
Marcos Heber Frederico Júnior, promovido de soldado a 3º sargento, foi demitido da PM
Alex Morello Fernandes, na ativa, promovido de soldado a 3º sargento
Raphael Rodrigues Pontes, aposentado, promovido de soldado a 3º sargento
Benjamin Yoshida de Souza, aposentado, promovido de soldado a 3º sargento
Marcos Gaspar Lopes, aposentado, promovido de cabo a 2º tenente
 
  • 3º andar: ação do COE com 8 mortos
Arivaldo Sérgio Salgado, aposentado, promovido de capitão a coronel
Walmir Correa Leite, aposentado, promovido de 1º tenente a coronel
Armando da Silva Moreira, aposentado, promovido de 1º tenente a coronel
Aparecido José da Silva, aposentado, promovido de cabo a 3º sargento
José Carlos Ferreira, cabo na época do massacre, não foi localizado por conta de homônimos dentro da PM
Douglas Martins Barbosa, cabo, pediu exoneração da PM
Flávio Zemantauskas Haensel, aposentado, promovido de cabo a 3º sargento
Jair Aparecido Dias dos Santos, na ativa, promovido de cabo a subtenente
Cleginaldo Roberto da Silva, aposentado, promovido de soldado a 3º sargento
Marcos do Nascimento Pina, soldado, pediu exoneração da PM
Josenildo Rodrigues Liberal, soldado, pediu exoneração da PM 
Sandro Francisco de Oliveira, promovido de soldado a 3º sargento, foi expulso da PM
Jeferson Ferreira dos Santos, soldado, pediu exoneração da PM
Sergio Guimarães Leite, soldado, pediu exoneração da PM
Tarcisio Pereira, aposentado, promovido de 2º sargento a 3º sargento
 
  • 4º andar: ação do Gate com 10 mortos
Wanderley Mascarenhas de Souza, aposentado, promovido de capitão a coronel
Marcelo de Oliveira Cardoso, aposentado, promovido de 1º tenente a coronel
Hércules Atanes, 1º sargento, pediu exoneração da PM
Luiz Antonio Alves Tavares, aposentado, promovido de 1º sargento a 2º tenente
Paulo Eduardo Farias, 2º sargento, pediu exoneração da PM
Silvio de Sá Dantas, cabo, pediu exoneração da PM
Reginaldo Honda, aposentado, promovido de cabo a 3º sargento
Leandro de Jesus Menezes, aposentado, promovido de soldado a 3º sargento
Marcos Antônio Santos Ferreira, aposentado, promovido de soldado a 3º sargento
Silvio Nascimento Sabino, aposentado, promovido de cabo a subtenente
 
  • Fora do Pavilhão 9

Ubiratan Guimarães, coronel, morto em 2006