De 74 PMs envolvidos no massacre do Carandiru, 58 foram promovidos
Dos 74 PMs (policiais militares) processados por participar do massacre do Carandiru, 58 (78,3%) foram promovidos entre outubro de 1992, quando ocorreram as mortes, e 2017. Do total, sete permanecem na ativa --sendo que um está em processo de aposentadoria.
Os assassinatos de 111 detentos após uma rebelião completam 25 anos nesta segunda-feira (2). Os 74 policiais foram condenados em júris ocorridos entre 2013 e 2014, mas tiveram a condenação anulada pelo TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) em setembro do ano passado.
A promoção por tempo de serviço de policiais militares para determinadas patentes, mesmo que estejam respondendo a processos judiciais, é prevista em lei estadual. Ao menos três foram promovidos por mérito. Os demais, por tempo de serviço.
O levantamento, do UOL, tem como base dados do TJM (Tribunal de Justiça Militar), transparência do governo paulista e SSP (Secretaria da Segurança Pública). Do total, 10 PMs envolvidos pediram exoneração da polícia. 51 estão na reserva. Um foi demitido. Um foi expulso. Um perdeu a graduação. Um tem diversos homônimos dentro da corporação e não foi localizado. Dois morreram.
Os seis PMs que permanecem na ativa são o subtenente Roberto Yoshio Yoshikado, o soldado Fernando Trindade, o capitão Marcos Ricardo Poloniato, o tenente-coronel Marcelo Gonzales Marques, o cabo Mauro Gomes de Oliveira e o subtenente Jair Aparecido Dias dos Santos. Outros 51 foram promovidos na reserva. Um outro foi promovido a 3º sargento, mas, depois, expulso da corporação.
Entre os policiais que foram julgados, condenados e absolvidos está o coronel Salvador Modesto Madia. Segundo a SSP, ele está na ativa, mas em processo de aposentadoria. Acusado de participar da morte de 73 das 111 pessoas mortas no Massacre, ele foi anunciado como comandante da Rota em setembro de 2011, no lugar de Paulo Adriano Telhada. Madia foi substituído no comando da tropa de elite da PM em setembro de 2012, pelo tenente-coronel Nivaldo César Restivo, que, por sua vez, passou a ser o comandante geral da PM em março de 2017.
Na carreira da Polícia Militar, é comum, e previsto em lei, a promoção por tempo de serviço, assim que correspondido alguns critérios. Por exemplo: de acordo com uma lei complementar de dezembro de 2013, o "2º Tenente PM que possuir, no mínimo, seis meses no posto, observadas as regras previstas na Lei de Promoções, será promovido ao posto de 1º Tenente PM, nas respectivas datas de promoções, de acordo com as vagas existentes".
Procurada, a defesa dos policiais militares envolvidos no massacre e que ainda estão nos quadros da corporação informou que não se posicionaria porque o processo ainda está em andamento. A reportagem não conseguiu contato com a defesa dos homens que saíram da PM.
O Massacre do Carandiru, quando 111 presos foram mortos em uma ação da polícia de São Paulo que durou 30 minutos, completa 25 anos hoje. Somente neste ano, três PMs tiveram a promoção, por mérito, publicada no DOE (Diário Oficial do Estado). São eles o 2º tenente aposentado Haroldo Wilson de Mello, promovido em 10 de fevereiro; o subtenente da ativa Roberto Yoshio Yoshikado, promovido em 25 de maio; e o cabo da ativa Mauro Gomes de Oliveira, em 3 de agosto.
Mello e Yoshikado, da Rota, a tropa de elite da PM paulista, atuaram no 1º andar do Pavilhão 9 da Casa de Detenção. Lá, 15 presos foram mortos. Além dos dois PMs, outros 21 haviam sido condenados pelo Massacre naquele andar em 21 de abril de 2013. Oliveira, também da Rota, esteve no 2º andar, onde 78 presos foram assassinados. Em 3 de agosto de 2013, o cabo e outros 24 PMs foram condenados.
No terceiro andar, a ação não foi de homens da Rota. Lá, entraram policiais militares do COE (Comandos e Operações Especiais). Ao todo, oito presos morreram durante a ação naquele andar. Em 2 de abril de 2014, 15 policiais foram condenados. No quarto e último andar, 10 presos foram mortos. Em 19 de março de 2014, 10 PMs do Gate (Grupo de Ações Táticas Especiais) foram condenados.
Além deles, outro processado foi o coronel Ubiratan Guimarães, que morreu em 10 de setembro de 2006 vítima de assassinato. Foi ele quem ordenou a entrada de 330 policiais na Casa de Detenção. Em 2001, ele foi condenado a 632 anos de prisão, com direito a recorrer em liberdade. Em 2002, ele se elegeu deputado estadual com mais de 50 ml votos. Um outro PM envolvido no Massacre morreu por causas naturais: o soldado Reinaldo Henrique de Oliveira, que atuou no 1º andar.
Entre 2013 e 2014, os policiais foram julgados em cinco tribunais de júri. Em todos, o resultado foi a condenação, com penas que variavam entre 48 e 624 anos de prisão em regime fechado.
O caso foi classificado como a maior violação de direitos humanos no período democrático brasileiro por movimentos sociais e por agências da ONU (Organização das Nações Unidas). As condenações anunciadas nos julgamentos haviam sido as maiores da história da PM.
No entanto, em setembro do ano passado, o TJ anulou todos os julgamentos. Segundo o relator do processo, o desembargador Ivan Sartori, que já foi presidente do TJ, não houve massacre, e, sim, uma ação em legítima defesa. Os desembargadores Camilo Léllis e Edison Brandão, da 4ª Câmara Criminal, concordaram e afirmaram que a ação foi necessária e que os policiais "agiram no estrito cumprimento do dever na tentativa de controlar uma rebelião".
Sartori chegou a pedir a absolvição dos PMs argumentando que não havia provas suficientes para determinar quem atirou contra os presos dentro da Casa de Detenção. De acordo com a minuta de voto de Sartori, “ao atingirem o piso dos pavimentos, as tropas foram recebidas a tiros pelos detentos, razão pela qual atiraram em revide às agressões que recebiam”. Sartori afirmou que os "detentos que entregaram armas saíram ilesos".
O massacre do Carandiru
Por volta das 11h do dia 2 de outubro de 1992, o então diretor da Casa de Detenção, José Ismael Pedrosa, foi avisado por funcionários do local que havia começado um conflito entre presos do Pavilhão 9, que era o local onde iam os réus primários, sendo que alguns ainda aguardavam julgamento. A briga envolveu os detentos Luiz Tavares de Azevedo, vulgo “Coelho”, e Antonio Luiz Nascimento, vulgo “Barba”.
De acordo com o desembargador Ivan Sartori, a briga “gerou um acirramento de ânimos, verificando-se tumulto generalizado entre os grupos de presos, quando se alinharam, de um lado, os partidários de “Barba” e, de outro, os de “Coelho”. Agentes penitenciários foram acionados, tendo sido, contudo, expulsos do 1º andar, onde se aglomeravam os rixosos”, afirmou.
Assim, o diretor acionou a PM. O coronel Ubiratan Guimarães determinou a mobilização de batalhões especiais da corporação. Após reunião em frente à penitenciária e conversa telefônica com o então secretário da Segurança Pública, Pedro Franco de Campos, Guimarães determinou a entrada de 330 PMs no complexo.
Durante julgamento ocorrido em 2013, Campos confirmou a autorização dada a Guimarães. No entanto, afirmou não ter conversado com o então governador, Luiz Antonio Fleury Filho. Fleury chegou a afirmar que a ação do Carandiru foi "necessária" e "legítima".
Ainda segundo Sartori, os PMs envolvidos afirmaram que, ao entrar na prisão, já viram detentos mortos no chão. E que a “escuridão, fumaça, chão úmido e escorregadio dificultavam a ação policial”. De acordo com os policiais, o barulho era ensurdecedor e alguns presos, aidéticos, “praticavam atos para infectá-los com sangue”.
As vítimas sobreviventes, no entanto, sempre negaram a versão apresentada em juízo pelos policiais. A versão dos detentos é de que os PMs entraram no pavilhão atirando. Alguns chegaram a relatar que tiveram de se fingir de mortos, em meio aos corpos, para não serem baleados.
Os 74 PMs envolvidos no Massacre do Carandiru
- 1º andar: ação da Rota com 15 presos mortos
- 2º andar: ação da Rota com 78 mortos
- 3º andar: ação do COE com 8 mortos
- 4º andar: ação do Gate com 10 mortos
- Fora do Pavilhão 9
Ubiratan Guimarães, coronel, morto em 2006
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