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Em artigo, Barroso defende legalização e critica política antidrogas atual: "É cara e destrói vidas"

O ministro do STF Luís Roberto Barroso - Ruy Baron - 1º.dez.2016/Folhapress
O ministro do STF Luís Roberto Barroso Imagem: Ruy Baron - 1º.dez.2016/Folhapress

Do UOL, em São Paulo

15/11/2017 16h15

O jornal inglês "The Guardian" publicou nesta quarta-feira (15) artigo do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Roberto Barroso em que o magistrado defende a legalização das drogas no Brasil como forma de tentar acabar com o domínio do crime organizado sobre comunidades inteiras. Segundo o integrante do Supremo, a atual política nacional para o tema "destrói vidas", é cara e não tem impacto no tráfico.

"Por décadas, o Brasil mantém a mesma abordagem para política de drogas. Polícia, armas e numerosas prisões. Não é necessário ser um especialista para concluir o óbvio: a estratégia falhou. O tráfico e o consumo de drogas apenas cresceram", diz Barroso no artigo. "Einstein é creditado com uma frase --que, entretanto, aparentemente não é dele-- que se aplica bem a este caso: insanidade é fazer a mesma coisa de novo e de novo e esperar resultados diferentes."

Para o ministro, mais que o impacto das drogas sobre os usuários, o foco no Brasil deve ser "acabar com o domínio exercido por traficantes sobre comunidades pobres". 

Quadrilhas se tornaram o principal poder político e econômico em milhares de bairros modestos no Brasil. Esse cenário impede que uma família de pessoas trabalhadoras e honestas eduque seus filhos longe da influência de facções criminosas, que intimidam, cooptam e exercitam uma vantagem injusta sobre qualquer atividade legal. De forma crucial, o poder do tráfico vem da ilegalidade

Luís Roberto Barroso, ministro do STF

"Exército de reserva" entre os pobres

Outro benefício da legalização, segundo Barroso, seria acabar com o "encarceramento em massa de jovens empobrecidos sem ficha criminal que são presos por tráfico por serem pegos com quantidades irrisórias de maconha". O tráfico motiva um terço das prisões no Brasil, diz ele. De acordo com o ministro, depois de presos, estes jovens são obrigados a se juntar a alguma facção --"e, neste dia, se tornam perigosos". 

"Além disso, cada vaga na prisão custa R$ 40 mil para ser criada e R$ 2.000 por mês para ser mantida. Pior ainda, no dia em que um homem é preso, outro é recrutado do exército de reserva que existe nas comunidades pobres", afirma Barroso.

Para o ministro, "a insanidade desta política é notável: destrói vidas, gera piores consequências para a sociedade, é cara e não tem impacto no tráfico de drogas. Apenas superstição, preconceito ou ignorância poderiam fazer alguém achar que isso é eficaz".

"Monopólio do traficante" garantido

Barroso também diz que as drogas fazem mal, por isso o papel do Estado e da sociedade deve ser o de desencorajar o consumo, tratar dependentes e reprimir o tráfico --e a legalização ajudaria a atingir esses objetivos. O magistrado ainda defende que o único resultado da criminalização é "garantir o monopólio do traficante".

O ministro sugere que deve ser considerada a possibilidade de se lidar com a maconha como se lida com o cigarro: "um produto lícito, regulado, vendido em certos lugares, taxado e sujeito a restrições de idade e de publicidade, alertas e campanhas desencorajando o consumo". De acordo com Barroso, o combate ao cigarro "à luz do dia" fez o consumo do produto cair pela metade no Brasil nas últimas duas décadas.

Para o juiz do Supremo, não há certeza de que uma "progressiva e cuidadosa" política de descriminalização e legalização será bem-sucedida, mas se pode afirmar que a atual política falhou. "Temos que tentar; caso contrário, nos arriscamos a simplesmente aceitar uma situação terrível", afirma.

Ministro votou por liberar maconha para uso pessoal

Em setembro de 2015, quando o STF julgava a constitucionalidade da lei sobre porte e plantio de drogas, Barroso votou por descriminalizar o porte de maconha para uso próprio e o cultivo de até seis plantas de maconha. Barroso também sugeriu um limite de porte pessoal de 25 gramas de maconha como critério para diferenciar o usuário do traficante.

Desde então, o processo não voltou à pauta do Supremo. Após o voto de Barroso, o ministro Teori Zavascki --que morreu em janeiro deste ano na queda de um avião-- pediu vista do caso. Antes, o ministro Gilmar Mendes havia votado por descriminalizar o porte e o plantio de qualquer tipo de droga. Já o ministro Edson Fachin votou por descriminalizar apenas o uso pessoal de maconha.

Naquele momento, Barroso declarou que a descriminalização do consumo da maconha seria um primeiro passo para a legalização e "eliminação do poder do tráfico".

Já neste ano, em março, Barroso defendeu a legalização de todos os tipos de droga, com uma regulação rígida, como forma de quebrar o poder do crime organizado em comunidades pobres e reduzir o número de vítimas inocentes da violência.

Segundo a lei 11.343/2006, quem porta ou cultiva drogas para consumo pessoal deve ser punido com prestação de serviços à comunidade ou multa. No entanto, não há na legislação um critério objetivo de quantidade que pode ser considerada como sendo para consumo pessoal.

"Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente", diz a lei.

Veja trecho do voto de Barroso em 2015 sobre a maconha

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