Jovem diz que foi agredido em Santos (SP) para "parar de ser veado"
Mirthyani Bezerra
Do UOL, em São Paulo
13/07/2018 04h00Atualizada em 13/07/2018 16h51
Era o último mergulho antes de procurar o bar mais próximo para ver a seleção brasileira jogar nas quartas de final da Copa do Mundo. O estudante de publicidade Lucas Acacio de Souza, 23, saiu do mar na praia no bairro José Menino, em Santos (litoral paulista), pegou um cigarro e foi pedir um isqueiro a uns rapazes que estavam na orla.
Lucas é gay e conta que depois de pedir o isqueiro foi agredido por pelo menos seis homens porque eles não gostaram da forma como ele falava e gesticulava. O jovem, que é do interior de São Paulo e mora na capital paulista, publicou um desabafo nas redes sociais com uma foto de como o seu rosto ficou após a agressão.
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À reportagem do UOL, disse que dois homens foram hostis quando ele se aproximou pedindo o isqueiro emprestado e que zombaram da maneira que ele se expressava. “Eu falei para a minha amiga o que tinha acontecido, ela não gostou e foi reclamar com eles. Eles chegaram a bater nela e eu fui defendê-la. Disseram para ela ‘seu namoradinho vai apanhar para parar de ser veado’ e começaram a me bater”, diz. Ele conta que outros quatro homens se juntaram aos dois para agredi-lo.
Lucas contou ainda que ele e amiga, que mora com ele em São Paulo, chegaram a Santos na noite anterior para celebrar o encerramento do semestre na PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), onde ambos estudam. “Estávamos na praia, nadando, brincando. A gente estava feliz e eles se incomodaram com o meu jeito. Tudo isso aconteceu minutos antes do jogo do Brasil, enquanto todo mundo olhava para a televisão, eu estava apanhando”, diz.
Na postagem, ele diz ter recebido chutes no estômago e na cabeça, socos na cara e “muita crueldade e covardia” e que chegou a ficar inconsciente por causa dos golpes que recebeu. “Lembro de levantar do chão, pegar minhas coisas e gritar para minha amiga correr dali senão eu iria morrer”, desabafou.
Segundo ele, a única pessoa que o auxiliou foi um morador de rua que presenciou toda a ação. “A única pessoa que se propôs a nos ajudar foi um morador de rua, que chorando, pediu para entrarmos em qualquer ônibus ali na orla em Santos e descer em qualquer lugar bem lá na frente”, conta.
Lucas diz que, após descer do ônibus, ele e a amiga foram para o hotel onde estavam hospedados e que prestou queixa sobre o fato na terça-feira (10), primeiro dia útil após o feriado. Ele diz ter prestado queixa na Decradi (Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância) e que fez exame de corpo de delito ontem no IML (Instituto Médico Legal).
Em nota, a SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo) afirmou que "o caso foi registrado na Decradi onde a vítima e testemunha foram ouvidas. Foi solicitado exame de corpo de delito e tanto os depoimentos como os laudos serão encaminhados para Santos, que prosseguirá com as investigações".
A reitoria da universidade onde Lucas estuda, a PUC-SP, cobrou das autoridades, por meio de nota, que tomem providências sobre a agressão. No texto, a instituição informa que "lamenta profundamente o episódio de violência sofrido pelo estudante", repudia toda e qualquer forma de discriminação e se solidariza com o membro da comunidade universitária.
Lucas disse que pretendia não postar sobre o que aconteceu, mas que o fez para dar visibilidade ao problema. “Não foi a primeira agressão que sofri esse ano, que dirá na vida. Mas até quando? Até quando vão nos matar por sermos do jeito que somos? Até quando vão ignorar o problema?”, questiona.
O estudante disse que está com medo de sair à noite porque os seus agressores ainda não foram identificados. "Eu não tenho medo de continuar me expressando do jeito que sou, mas tenho medo de sair à noite. Um rapaz trombou em mim ontem e eu já fiquei ansioso, porque não lembro o rosto de quem me agrediu", contou.
Em 2017, a ONG Grupo Gay da Bahia identificou que 445 assassinatos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais foram motivados por homofobia, ou seja, uma morte a cada 19 horas. O número foi o maior já registrado pela entidade baiana desde que ela passou a fazer o monitoramento, há 38 anos. Em 2016, haviam sido registradas 343 casos.
Dados obtidos com exclusividade pelo UOL em maio mostraram um crescimento de 127% entre 2016 e 2017 das denúncias sobre homicídios praticados contra essa parcela da população feitas ao Disque 100, administrado pelo MDH (Ministério dos Direitos Humanos).