Mulher vai à Justiça após ter rosto deformado em procedimento estético no Rio
Uma mulher que se submeteu a um procedimento de bioplastia com a médica Geysa Leal Corrêa alega que teve o rosto deformado após aplicação de PMMA (preenchimento com polimetil metacrilato, também conhecido como metacril) na face, no ano de 2012, em Niterói, região metropolitana do Rio de Janeiro.
As informações constam na petição inicial do processo em que Geysa é ré por suposto erro médico, a que o UOL teve acesso, e que corre atualmente na Justiça do Rio de Janeiro. A ex-paciente, que pediu que sua identidade não fosse revelada, pede reparação por danos morais. A médica responde a outros três processos na Justiça por supostos erros médicos.
O caso aconteceu seis anos antes da morte da professora Adriana Ferreira Capitão Pinto, 41, no domingo (22), após ter se submetido a um procedimento estético com Geysa --a intervenção está sob investigação policial. Ontem, a 77ª DP (Niterói) interditou a Clínica Soleil - Núcleo de Saúde e Estética, que pertence à médica. Geysa prestou depoimento à polícia nesta quinta-feira (26).
Em e-mail anexado ao processo e enviado por Geysa à empresa Metacrill, fabricante do produto, a médica afirma que a substância metacril causou problemas em 13 pacientes e que a fornecedora teria “enviado uma seringa com material esverdeado no interior”.
O texto enviado pela médica diz que “nestes pacientes 'problema' ocorreu edema absurdo”, mas que a situação voltou ao “normal” em 15 dias, exceto no caso da ex-paciente do processo. Geysa acrescenta que custeou as consultas clínicas de reparação, descreve os gastos e propõe dividir os custos do tratamento com a empresa.
“Não acho justo que eu arque com esse problema sozinha, visto ter sido um problema do material, e se a paciente entrar na Justiça só teremos a perder”, conclui. O e-mail teria sido encaminhado por engano à ex-paciente cujo rosto ficou deformado.
O UOL entrou em contato com Geysa a fim de entrevistá-la sobre esse caso e sobre a morte de Adriana, ocorrida seis dias após o procedimento estético. Ela não quis falar, tendo apenas indicado sua defesa, constituída após a morte de Adriana.
Em nota, o advogado Lymark Kamaroff disse que Geysa “lamenta muito o corrido [a morte de Adriana], mas ressalta que a fatalidade não tem qualquer relação com alguma falha tanto no procedimento, bem como de algum tipo de cuidado preventivo ou pós-procedimento. Isto porque a sra. Adriana realizou todos os exames necessários para a realização do procedimento, estando apta para a realização do mesmo".
Ele afirmou ainda que o procedimento foi feito com monitoramento, em local estéril e sem qualquer intercorrência. Segundo o defensor, a paciente foi liberada para voltar para casa e contou com acompanhamento da médica.
Por meio de nota, a defesa da Metacrill Distribuidora afirmou que o texto do e-mail consta nos autos de ação indenizatória movida contra a empresa. “Este e-mail [citado no processo] é de responsabilidade da médica que alega ter utilizado o produto, uma vez que foi esta quem redigiu e enviou à autora da ação, não havendo qualquer interferência, responsabilidade ou anuência da empresa distribuidora do produto."
A empresa alega não ter que conhecimento dos fatos descritos, "como também entende não existir prova nos autos que esta seringa com produto existiu, o que traz a certeza da impossibilidade da ter havido um produto com qualquer problema de fabricação”.
Sofrimento, desmaio e corticoides
Tudo começou com uma oferta em um grupo de descontos anunciando uma bioplastia (procedimento que usa substâncias como hidrogel ou metacril na face e partes do corpo) e avaliação na Clínica Soleil, em Niterói, no valor de R$ 97,50. Antes de se submeter ao procedimento, a ex-paciente procurou as credenciais de Geysa no Cremerj (Conselho Regional de Medicina) e no site CatalogoMed.
De acordo com a sentença, a promoção valeria para aplicação de metacril em apenas um lado do rosto. O preenchimento de ambos os lados foi negociado por R$ 270 com Geysa.
“Em nenhum momento a 1ª ré ou alguma assistente da Clínica Soleil realizou algum tipo de anamneses [avaliação médica] detalhada, visto se tratar de uma substância sem comprovação científica dos seus efeitos principalmente a longo prazo, conforme nota do Conselho Federal de Medicina em anexo”, diz a petição inicial, em que a defesa da ex-paciente apresenta a causa à Justiça.
Nos dias seguintes ao procedimento, segundo narra a defesa, a ex-paciente notou que o lado esquerdo do rosto ficou deformado e dolorido. O inchaço teria se espalhado até a região do pescoço e prejudicado a mobilidade dela.
“A autora notou que, no local da aplicação, formou-se um nódulo rígido na vertical, não suportando as dores intensas, o desconforto e agora a certeza em sua mente que permaneceria com uma deformidade em seu rosto, chorou compulsivamente sendo amparada por familiares que a tranquilizaram a base de calmante”, diz outro trecho da petição.
Geysa teria começado a medicar a ex-paciente com corticoides injetáveis (medicamento com ação anti-inflamatória que regula o metabolismo). "A aplicação foi tão dolorosa para a autora que a mesma não suportou e desmaiou sendo amparada pela 1ª ré e sua irmã que acompanhava”, narra a defesa. A segunda aplicação de corticoides aconteceu em um intervalo de menos de dez dias --o Conselho Federal de Medicina recomenda um intervalo de 15 dias entre aplicações.
O objetivo desse procedimento era eliminar o nódulo que se formou no rosto, o que não adiantou, segundo a petição, porque ele se dividiu em dois. A ex-paciente chegou a entrar em depressão por causa da deformidade na face.
Quase um mês após a bioplastia, Geysa teria sugerido então “introduzir uma agulha com movimentos intensos com o objetivo de fragmentar em pedaços menores”.
Foi o momento em que a ex-paciente procurou um batalhão de médicos: cirurgião plástico, dermatologista, cirurgião buco-maxilo-facial e clínicos gerais, que constataram hiperdosagens em medicamentos prescritos por Geysa. Dois meses depois, segundo a petição, os nódulos voltaram e uma atrofia muscular foi constatada.
Por recomendação de um dos médicos, a ex-paciente foi encaminhada para um especialista na substância PMMA. Lá, descobriu que teria que aplicar ácido hialurônico no rosto pelo resto da vida para que não houvesse sequelas devido ao procedimento com metacril.
“[A paciente estava] muito deprimida e angustiada implorou à secretária um encaixe, informando à mesma que sua atrofia havia se agravado e que seu rosto voltara à deformidade”, diz um trecho da petição.
Aplicação de metacril no rosto não é recomendada
O conselheiro da SBPC (Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica), Jose Horacio Aboudib, informa que, embora a substância metacril seja liberada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), ela só deve ser aplicada em casos de hipotrofia facial de pacientes com HIV ou se houver algum problema de reparação em que não haja outra possibilidade ou produto de uso.
“Na realidade, há controvérsia e eu, como a maioria dos cirurgiões, não gosto do PMMA. Ele foi autorizado pela Anvisa para usar em pacientes com HIV com hipotrofia facial, e metacril era a única possibilidade para tratar. Foi autorizado o uso também para pequenas otimizações e intervenções de face. Mas foi usado demais e, infelizmente, acontecem casos como esse”, declarou.
Segundo documentação anexada ao processo pela defesa da médica, Geysa se identifica como “dermatologista especializada em medicina estética e membro da Associação Brasileira de Estética Médica e da Associação Internacional de Medicina Estética”.
Em site da clínica Soleil, Geysa descreve que presta serviços de “cirurgia plástica e corporal” e de “medicina estética”. No entanto, não há registro da médica na SBPC (Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica). Em nota, a entidade enfatizou que os profissionais devem ser chancelados por órgãos oficiais (Conselho Federal de Medicina, Associação Médica Brasileira, Ministério da Educação e SBCP).
Também não há registro de Geysa na SBD (Sociedade Brasileira de Dermatologia). Em nota, a porta-voz do órgão informou que, “para ser um especialista numa área médica, não basta ter CRM (número que o médico recebe para exercer a medicina), tem que ter o RQE (identificação para que sua especialidade médica seja reconhecida)”.
O RQE é obtido no momento em que o médico registra o certificado de conclusão de residência médica credenciada pela Comissão Nacional de Residência Médica ou também o Título de Especialista no Conselho Regional de Medicina do estado em que trabalha.
“No site do CRM, essa médica é registrada mas não tem nenhuma especialidade”, acrescentou.
O registro de Geysa está ativo no Cremerj (Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro) e não constam denúncias oficiais contra ela.
O advogado Lymark Kamaroff confirmou que ela não pertence às sociedades médicas. “Para ser membro, você faz uma residência credenciada e uma prova de acesso. Se você está numa residência que não é credenciada, você não consegue fazer a prova de acesso. Ou seja, não é todo mundo que consegue ter acesso às sociedades médicas”, declarou.
Ele disse que isso é compensado com as especializações --Geysa teria duas nas faculdades Redentos (Cirurgia Geral) e Veiga de Almeida (Medicina e Cirurgia Plástica Estética).
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