'Vale a pena viver': Quem era o paciente que viveu por 51 anos em hospital
Paulo Henrique Machado, conhecido carinhosamente como Paulinho, morreu na quarta-feira (18) após viver por 51 anos dentro do Hospital das Clínicas, em São Paulo. A morte aconteceu em razão do agravamento dos problemas respiratórios que ele tinha. A vida no hospital desde um ano e meio de idade após contrair poliomielite não o impediu de alcançar voos e sonhos que almejou.
"Vale muito a pena viver" era o principal bordão usado por Paulinho ao iniciar os vídeos que fazia nas redes sociais. Com imenso amor pela vida, o paciente estudou, aprendeu a ler e a escrever, fez diversos cursos na área de software e de informática, áreas que ele era completamente apaixonado, tudo isso dentro do hospital.
Foi essa paixão pela tecnologia, games, cinema e pela cultura geek que moveu o paciente a transformar as suas vivências em uma série de desenhos animados voltado ao público infantil. "As Aventuras de Léca e Seus Amigos" conta a história de sete crianças com deficiência física e ainda relembra amigos de Paulo que não resistiram a doença.
A homenagem da trama também ficou por conta de Léca, Eliana Zagui, vizinha de cama de Paulo e fiel companheira do paciente durante os seus anos de internação. Eliana é autora do livro "Pulmão de Aço - Uma Vida no Maior Hospital do Brasil" (Belaletra Editora), que também serviu de inspiração para a criação do desenho animado.
"Pensei em uma animação com deficientes físicos. Mas não sabia se isso despertaria o interesse das pessoas. Foi então, vendo as animações com personagens deficientes feitas por um estúdio britânico de que eu gosto [Aardman Animations, especializado em animações stop-motion], que fez a 'Fuga das Galinhas', que pensei estar no caminho certo", contou o paciente à época para o site da Folha de S.Paulo.
Em 2013, para realizar o sonho de colocar o projeto de animação no ar, ele fez um financiamento coletivo com a meta de R$ 120 mil e conseguiu mais de R$ 148 mil com o apoio de quase duas mil pessoas.
CCXP e eventos
Quem já visitou a CCXP (Comic Con Experience) já pode ter se encontrado com Paulo em uma maca no meio do evento, muitas vezes, vestido como cosplay de algum personagem conhecido do mundo geek. O paciente chegou a conhecer pessoalmente figuras da cultura que ele tanto admirava, como Hideo Kojima, criador da franquia 'Metal Gear', e Will Smith, ator de "Um Maluco no Pedaço". Inclusive, essa admiração pelo universo do cinema, quadrinhos e games era bem visível no quarto do hospital de Paulinho, que era completamente decorado com objetos que representam esse mundo.
Paulinho também conheceu o evento Brasil Game Show, uma feira anual de videogames, em 2015, e deu uma entrevista ao UOL vestido como um personagem da franquia "Star Wars". "Eu não posso estar onde eu gostaria de estar, é complicado. Mas pelo videogame, não. Eu descobri que eu posso estar no mundo, andar nesse mundo e quando mais esse mundo for aberto, mais divertido ele é para mim", contou.
Em 2018, o Paulo recebeu um convite para participar pela segunda vez da Bienal Internacional do Livro de São Paulo. Em uma transmissão ao vivo no canal dele no YouTube, ele contou que amou ir ao evento e inclusive revelou que já tinha escrito um livro, mas que nenhuma editora tinha se interessado nele até aquele momento. O paciente contou que tinha uma cópia guardada e quem sabe um dia poderia lançar esse livro caso alguma editora se interessasse.
Copa do Mundo e Futebol
Mas o coração de Paulo era grande demais para amar poucas coisas. Sendo assim, futebol também estava na lista de paixões do paciente. Em 2018, Paulo conversou com o UOL Esporte para falar de futebol durante um jogo da Copa do Mundo.
Durante o jogo daquele ano, do Brasil x Bélgica, aconteceu a eliminação canarinha, mas nem de perto foi o maior sofrimento de Paulinho com a seleção. Ele contou que na Copa de 1982, acabou passando mal e teve que ser medicado depois da derrota brasileira. Inclusive, ficou sem comer e teve que receber soro dos médicos.
A paixão pelo futebol começou com um médico, são-paulino, que cuidava de Paulinho no hospital quando criança. "O doutor Giovani, são-paulino, foi como um pai para mim. Ele quem me deu a primeira camisa do São Paulo. Mas eu ainda não entendia direito o que era futebol. Até que teve a Copa de 78, na Argentina, e vi o pessoal torcendo, aquela gritaria."
O sonho de conhecer o time do coração foi realizado, em 2013, quando Paulo, junto com o aparelho de respiração artificial que o mantinha vivo, foi assistir a um jogo do São Paulo no Morumbi.
"Ao vivo é algo totalmente diferente. Escutar milhares de vozes gritando. Quando a torcida comemorou um gol, pensei 'mas que loucura é essa'?", disse.
Compartilhar a vida
Seja no YouTube, no Twitch, no Facebook ou em qualquer rede social, Paulo gostava de compartilhar a sua felicidade pela vida acompanhado sempre do seu bordão. No Facebook, há 9 dias, ele compartilhou um texto emocionante sobre a vida. E isso era mais uma das coisas que ele tinha prazer em fazer: falar com gratidão sobre tudo que o cercava.
"Muito obrigado por tanto amor e carinho que todos vocês me deram, muito obrigado por me permitir fazer parte de cada um de vocês e, principalmente, muito obrigado por vocês fazerem parte da minha vida. Mesmo diante desse castigo que o mundo está vivendo, vocês provaram que somos lindas flores de um imenso jardim da vida e assim, a importância de todas elas, está nos emaranhados de suas raízes, alimentadas por muitas vidas, muito bem vividas, sendo unidas, cada uma faz parte de um universo único cheio de tudo aquilo que faz de nós o que realmente somos, lindos e verdadeiros seres humanos."
Dividia ainda com seguidores e admiradores a gratidão pela vida e as oportunidades que tinha, sempre com bom humor. "Eu tenho uma vida muito vivida. Eu não trocaria nada pelo que eu vivo hoje e eu preciso agradecer a tantas pessoas que entendem a minha situação e estão ali para me ajudar", disse em um vídeo sobre a CCXP 2019, agradecendo a Deus em primeiro a lugar.
O velório do Paulo será hoje, às 13h, no Cemitério e Crematório Horto da Paz.
*Com informações de Daniel Lisboa, para o UOL Esporte, em 2018.
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