Após coma por 4 tiros da polícia, ex-assaltante refaz a vida como designer
Jemerson Martins participava de um assalto em uma avenida de Belo Horizonte quando foi baleado quatro vezes pela polícia.
"Três tiros no peito e um na cabeça", descreve ele, hoje com 30 anos, sobre aquele momento, aos 23. "Os médicos disseram que era um milagre eu estar vivo."
Ficou em coma por uma semana no Hospital Municipal Odilon Behrens. Quando acordou, estava algemado a uma maca e ouvia gritos do policial que o acompanhava: "Ele dizia que, se eu não morresse lá mesmo, morreria na prisão".
Após duas cirurgias para a retirada das balas, levou 20 dias para se recuperar. Do hospital, foi encaminhado para o presídio Ceresp do Gameleira, na região oeste da capital mineira.
Ficou dois anos e meio encarcerado. Diz que, apesar das dificuldades e dos inúmeros convites para delitos, se manteve longe do crime. "Eu prometi que nunca mais iria voltar a esse tipo de vida. Mesmo que eu morresse de fome, não viveria mais contra a lei", explicou.
"Era uma nova oportunidade para eu recomeçar a minha vida. Não podia mais olhar para trás, eu tinha que viver o novo."
Com a pena cumprida, entregou mais de mil currículos em Belo Horizonte. Mas diz que não o contratavam por causa da passagem criminal. "Eu saí da cadeia pensando que seria uma coisa, mas foi outra", diz.
Ganhava R$ 20 para varrer a barbearia do cunhado. Foi quando decidiu investir na área e aprender a cortar cabelo. "Foi lá que eu fiz o curso de barbeiro."
Abriu então sua própria barbearia para garantir o sustento e conseguiu se manter por um tempo. Até que veio a pandemia e o forçou a fechar o espaço. "Comecei a atender a domicílio, mas de cem clientes caiu para 30. E tinha aluguel, água, luz, mantimento, filhos..."
O dinheiro não dava e ele ficou três meses sem pagar o aluguel. Casado, ainda tinha o filho e duas enteadas para sustentar. Foi ficando difícil e ele recebeu uma ordem de despejo.
Passou alguns dias chorando, até ver um anúncio de um curso de micropigmentação de sobrancelhas nas redes sociais da empresária Natalia Beauty. Teve uma ideia ao mesmo tempo ousada e desesperada.
"Eu desenho muito bem desde pequeno. Quando eu vi o trabalho de fio a fio, percebi que seria fácil para mim. Mas o valor do curso estava totalmente fora do meu orçamento", conta. As aulas custavam mais de R$ 7.000.
Ainda assim, resolveu escrever diretamente para a CEO da clínica, contando toda sua história.
Quando eu mandei a mensagem, foi muito automático: eu mandei e ela visualizou. Falou que me presentearia com o curso, mas que eu teria que ir para São Paulo para fazê-lo presencialmente.
Jemerson Martins, designer de sobrancelha
Com muitos bicos e apoio da família, conseguiu pagar a passagem e a estadia. Mas diz que valeu a pena: "Foi além das minhas expetativas. Eu era o único homem lá, mas não me importava em usar o pijama rosa", brinca.
Com o certificado em mãos, voltou para Belo Horizonte e começou a atender clientes no sofá de sua casa. Em pouco tempo, conseguiu alugar um estúdio próprio, que completa atualmente dois meses de funcionamento.
"Eu moro em Contagem e meu espaço fica em Belo Horizonte. Não dá para ir de ônibus porque é fora de rota. Venho andando para economizar e não gastar com Uber. Gasto em torno de 50 minutos a 1 hora a pé. Eu não digo isso para me vitimizar, não, bem longe disso. Estou falando porque as pessoas sempre têm desculpas para tudo."
Ele diz que se arrepende de suas escolhas quando era mais novo: "Nada justifica procurar o caminho do crime, me envergonho disso até hoje".
Mas ele teve realmente uma infância difícil e cheia de perdas.
Infância em barraco sem banheiro e pai assassinado
Ele conta que viveu uma infância apertada em um barraco sem banheiro em Belo Horizonte. "A gente não tinha nada. Meus pais construíram uma casa de madeira e lona e era onde morávamos", diz.
A situação piorou quando o pai, Elton Siqueira, foi assassinado. Até hoje, não sabe o motivo.
A morte do provedor da casa foi o primeiro baque na vida do empreendedor e mudou a dinâmica da família. A mãe virou faxineira, enquanto Jemerson e seu irmão mais velho, Elton Martins, vendiam picolé e coxinha de porta em porta.
Foi quando uma das irmãs dele ficou doente e a mãe teve de parar de trabalhar.
"Teve um dia que eu cheguei em casa e estava um silêncio lá dentro. Na hora, eu fiquei assustado e pensei: 'Será que morreu alguém?'. Eu comecei a procurar, mas todo mundo estava em casa", diz.
"Aí eu perguntei o que tinha acontecido e meu irmão falou: 'Olha lá a geladeira, não tem nada. E no fogão também não tem. A gente não vai almoçar hoje'", relembra.
Elton saiu de casa em busca de comida. "Foi o dia que meu irmão entrou para a vida do crime", afirma. "Os traficantes são muito oportunistas, eles esperam surgir uma oportunidade e abraçam."
Jemerson conta que orava todos os dias pedindo pelo irmão. Aos 13 anos, parou de rezar. "Chegou a notícia falando que haviam matado o meu irmão. Eu não acreditei. Desci a rua correndo e ele estava lá, caído no chão. Abandonei a escola, o futebol e vi a minha fé indo embora, nada mais fazia sentido", conta.
A mãe mandou o jovem morar com a avó. Mas foi por pouco tempo. Ela teve um AVC inesperadamente e não resistiu.
O luto transformou Jemerson e ele ficou agressivo.
Eu pensava que o universo conspirava contra mim. Eu xingava tudo e todos. Não gostava nem de mim. Eu me revoltei e fui pro mesmo caminho que o meu irmão. Me envolvi com assalto, tráfico e parecia que eu estava cego. No meu último assalto, tinha um policial à paisana. Ele fez os disparos e eu caí no chão.
Jemerson Martins, designer de sobrancelha
Uma cicatriz ocupa quase toda a altura do tórax e ainda há outra menor na cabeça. As marcas o recordam da batalha diária para continuar na vida honesta.
"Elas não me incomodam e nunca me incomodaram. As cicatrizes representam que eu fui mais forte do que aquilo que tentou me matar. Elas ficaram como um aprendizado", finaliza.
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