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Tentativa de homicídio é clara, diz jovem negro espancado por casal no MA

Do UOL, em São Paulo

04/01/2022 15h00

Acusado de tentar roubar o próprio carro, Gabriel da Silva Nascimento, de 23 anos, foi espancado e sufocado por um casal branco em Açailândia (MA) no mês passado. Em entrevista ao UOL News de hoje (4), o jovem — que é negro — relatou o racismo por trás das agressões e espera que o casal responda por tentativa de homicídio.

No dia 18 de dezembro, Gabriel estava dentro do carro, na porta do prédio onde vivia, quando foi chamado de ladrão pelos agressores, o empresário Jhonnatan Silva Barbosa e a dentista Ana Paula Vidal, então vizinha de Gabriel. Recepcionista de um banco, ele havia comprado o carro meses antes e era morador do condomínio há pouco tempo.

O casal o fez sair do carro e o derrubou no chão, onde o rapaz levou socos e pontapés por mais de três minutos. Ana Paula colocou os joelhos sobre a barriga dele e Jhonnatan pisou em seu pescoço. O advogado Marlon Reis, que defende Gabriel no processo, comparou o caso ao assassinato de George Floyd, que ocorreu em 2020 nos Estados Unidos.

A gente vê isso no nosso dia a dia, todos os dias no nosso país, no mundo. São vários casos e números, e dentre esses números eu poderia ter sido além de mais um caso, mais uma morte. A tentativa de homicídio é clara ali no vídeo."
Gabriel da Silva Nascimento, recepcionista de banco e acusado por casal branco de roubar o próprio carro

"Aquilo não foi uma agressão qualquer. Foi uma tentativa de homicídio que, para nós, está muito bem caracterizada juridicamente no ponto de que o Jhonnatan, com o apoio da Ana Paula Vidal, pisa do pescoço do Gabriel. Ele se apoia, coloca todo o seu peso no pescoço e depois se ajoelha sobre o pescoço e é exatamente o que foi feito para matar o George Floyd, foi exatamente assim que o George Floyd foi assassinado", disse Reis ao UOL News.

Mãe de agressora pediu que não fosse citado racismo

O casal só interrompeu as agressões após um vizinho avisar que Gabriel era morador do condomínio e dono do carro em questão. Três dias após o episódio, o recepcionista mudou-se dali. Segundo a TV Globo, o imóvel onde ele vivia pertence à família de Ana Paula.

Ainda no dia 18, Gabriel tentou denunciar o caso à polícia três vezes, mas em todas elas foi informado de que o sistema da delegacia estava "fora do ar". Também de acordo com a TV, ele só conseguiu realizar o boletim de ocorrência no dia seguinte, o que não permitiu a prisão em flagrante do casal que o agrediu.

Ao UOL News, tanto Reis quanto Gabriel disseram que a mãe de Ana Paula entrou em contato com o jovem para pedir que ele não acusasse a filha de racismo e negando que o crime tivesse sido motivado por preconceito.

"O vídeo é bem claro, o julgamento dos dois sobre a minha pessoa, a personalidade... Me julgaram e tentaram fazer justiça, onde houve visivelmente a tentativa de homicídio", relatou Gabriel.

O advogado considerou inadequado o contato da mãe de Ana Paula e afirmou que trata-se de mais um exemplo sobre como o racismo nem sempre é verbalizado.

"Se ele fosse um homem branco, caucasiano, de olhos azuis, e estivesse com dificuldades para ligar um veículo que estivesse roubando, talvez tivessem perguntado se ele precisava de ajuda", disse.

Pela cor do Gabriel, pelo seu cabelo, pelo formato do seu nariz, dos seus lábios, ele foi tido como ladrão, isso é o racismo estrutural, que é entranhado na mentalidade do nosso país."
Marlon Reis, advogado de Gabriel

Reis defende que o caso vá a júri popular "para que haja debate sobre consequências do racismo estrutural."

"Não podemos permitir que a violência contra pessoas negras caia na normalidade. Eles demonstraram completo desprezo pleno pela vida do Gabriel", finalizou.