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Rapaz encontra pela internet assassino do pai, após 12 anos de buscas em SP

Leandro passou os últimos 12 anos procurando pelo assassino do pai - Arquivo Pessoal
Leandro passou os últimos 12 anos procurando pelo assassino do pai Imagem: Arquivo Pessoal

Maurício Businari

Colaboração para o UOL, em Santos

23/03/2022 19h42

O líder de produção Leandro Rodrigues, 28, passou 12 anos procurando pelo assassino do pai, morto a tiros em 2010 na cidade de Registro, interior de São Paulo. A busca chegou ao fim quando descobriu, pela Internet, após acidentalmente errar o nome do suspeito ao digitar em um mecanismo de busca, que ele havia se mudado para o estado do Paraná, constituído família e aberto duas empresas.

Leandro tinha 16 anos quando seu pai, Elder Alves, com 38 anos à época, foi assassinado. Ele conta que, no momento do crime, Alves estava indo de moto, com uma ex-companheira na garupa, até a delegacia da cidade de Registro para registrar um boletim de ocorrência contra o suspeito, que já o havia agredido e o ameaçava constantemente de morte.

A poucas quadras do distrito policial, foi interceptado pelo sujeito, que desferiu três disparos. Um deles atingiu a ex-companheira na região da axila. Os outros dois atingiram os pulmões e o coração de Alves. Ele tentou seguir por mais alguns metros, mas acabou caindo sem vida em frente à delegacia.

Elder carregava uma foto de Leandro e do filho mais mais novo na carteira, junto com um rosário, quando foi assassinado - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Elder carregava uma foto de Leandro e do filho mais mais novo na carteira, junto com um rosário, quando foi assassinado
Imagem: Arquivo Pessoal

Após as investigações conduzidas pela Polícia Civil de Registro, o suspeito teve a prisão decretada, mas ele já havia fugido da cidade, sem deixar pistas. Leandro, porém, nunca desistiu de procurá-lo. Um dia, em conversa com uma policial amiga da família, recebeu a recomendação de que, se ele queria ver a justiça sendo cumprida, deveria sempre manter contato com o Fórum da cidade.

"Eu estudava na Fundação Bradesco na época e surgiu uma oportunidade de estagiar justamente no Fórum", contou Leandro ao UOL. "Claro que foi Deus quem criou essas coincidências. Consegui ter acesso à documentação do processo e, pela primeira vez, vi as imagens do meu pai caído no chão, na frente da delegacia. Os ferimentos. O sangue. Aquilo foi demais pra mim, foi quando resolvi dar um tempo e sair de Registro".

Promessa no túmulo

Leandro se lembra que antes de partir foi até o cemitério, se ajoelhou em frente à lápide do pai e fez uma promessa. Que não iria descansar até encontrar o assassino. "Falei também que eu ia mudar de cidade, mas que 10 anos depois eu voltaria e seria aí que eu conseguiria encontrá-lo".

O jovem, então com 19 anos, mudou-se para uma cidade que fica a 700 km de Registro para começar uma nova vida. Casou. Teve um filho, hoje com 4 anos. Mas, mesmo reconstruindo a vida, a promessa que fizera ao pai nunca saía de sua cabeça. E ele continuou procurando pistas sobre o paradeiro do suspeito.

Nas imagens, Elder, vítima do assassinato, com o filho, Leandro, ainda criança - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Nas imagens, Elder, vítima do assassinato, com o filho, Leandro, ainda criança
Imagem: Arquivo Pessoal

"Foi quando, numa dessas buscas na internet, eu errei uma letra do nome dele. Para minha surpresa, apareceu um resultado que não surgia antes. Eu descobri que ele havia aberto duas empresas, com CNPJ e tudo, mas com dados cadastrais conflitantes. A empresa era com sede em Aracaju (SE), mas o telefone era de Curitiba (PR)".

Leandro simulou então dois pagamentos em Pix, para se certificar dos dados que surgiriam. O primeiro, pelo CNPJ. Aparecia o nome do sujeito nas informações de pagamento. O segundo, pelo telefone com DDD 41. Dessa vez, foi o nome da esposa que apareceu.

"Comecei a fuçar as redes atrás dela, porque o assassino não tinha foto em lugar nenhum. Soube que nem o filho que teve com essa mulher ele quis registrar para não ser rastreado. Mas ela, eu consegui encontrar nas redes sociais. E descobri que estavam vivendo em Fazenda Rio Grande, em Curitiba (PR)", contou.

Com as informações em mãos, o líder de produção acionou primeiro a polícia de Aracaju, que confirmou ser o suspeito de assassinato o responsável pelo CNPJ. Depois, ele acionou a polícia de Curitiba, repassando as informações que havia conseguido.

Prisão em ação conjunta

"Consegui então contato com um guarda municipal que tinha essa mulher como seguidora numa rede social. E o policial civil que me atendeu morava a poucas quadras da casa onde o assassino residia com a família. Daí eles fizeram uma operação conjunta entre polícia civil e guarda municipal, que terminou com a sua prisão".

A Polícia Civil do Paraná confirmou a prisão do suspeito e informou que ele deve ser transferido para a cidade de Registro, para cumprir pena. O inquérito está a cargo da Polícia Civil do Estado de São Paulo, que foi procurada para prestar informações, mas até o fechamento desta reportagem não havia respondido.

"Eu não posso dizer que senti alívio com a prisão dele, porque ainda não caiu a ficha. Mas, por um lado, me sinto feliz por ter conseguido cumprir a promessa que havia feito ao meu pai. E com um ano de antecedência", comentou Leandro.

"A Justiça no Brasil ainda tem muitas falhas. Veja que eu, filho da vítima, tive que fazer todo o trabalho de descobrir o paradeiro de um foragido", declarou Leandro. "Então não acredito que ele deva passar muito tempo na cadeia. Que ele seja responsabilizado pela morte do meu pai e arque com as consequências é o mínimo que se espera", declarou.

Ciúmes da ex-companheira teria sido a motivação

A motivação do assassinato, segundo o rapaz, teria sido o ciúmes que o suspeito, identificado como Cícero Manoel Julio da Silva, sentia da então companheira de Elder, Simone, com quem se relacionou por cinco anos e teve um filho.

Após separar-se de Elder, Simone passou a ter um relacionamento com Cícero, que durou apenas oito meses. Inconformado com a separação e com a relação de amizade mantida entre ela e Elder, o suspeito passou a persegui-los e ameaçá-los.

"Ele também perseguia a ex-companheira do meu pai, ficava ligando para os amigos do bairro onde a gente morava, fazendo ameaças contra ela se ela não parasse de se encontrar com ele. Só que meu pai teve um filho com ela. E era por isso que eles mantinham esse contato. Mas o Cícero não quis saber", disse ele.

No dia em que Elder foi assassinado, ele estava com Simone em uma lanchonete. Cícero descobriu que eles estavam no estabelecimento e foi até lá para tirar satisfações, onde acabou entrando em luta corporal com Elder. Refeitos do susto, Simone e Elder se dirigiram à casa dela e decidiram registrar um boletim de ocorrência por agressão.

No percurso entre a casa de Simone e a delegacia, a bordo da motocicleta de Elder, eles foram surpreendidos por Cícero, que passou a atirar contra eles. Simone foi atingida de raspão no braço e Elder alvejado nas costas.

Segundo o edital de citação e intimação impetrado contra Cícero pelo juiz Elton Isamu Chinen, da 2ª Vara Criminal de Registro, expedido em 2010, o crime foi praticado por motivo torpe, "porque o denunciado não admitia o fim do relacionamento com a vítima Simone e a boa relação existente entre ela e Elder, pai de seu filho".

Para o juiz, Cícero utilizou-se de recurso que dificultou a defesa dos ofendidos, pois o denunciado agiu de surpresa, quando se dirigiam para a delegacia de polícia e atirou pelas costas das vítimas. "O crime contra a vítima Simone apenas não se consumou porque eles caíram em frente à delegacia de polícia e foram prontamente socorridos ao Hospital São João. Elder entretanto faleceu enquanto recebia atendimento médico".

Como não respondeu ao pedido, Cícero teve sua prisão decretada. Foragido, foi viver em Fazenda Rio Grande, na região metropolitana de Curitiba (PR) onde conheceu sua nova companheira e constituiu família. Para não ser identificado pela polícia, chegou a trocar o nome nos documentos.

No momento de sua prisão, ocorrida no dia 16 de março, ele acabou chamando a atenção dos agentes da Guarda Municipal encarregados da ação por não saber a própria data de nascimento, marcada em sua carteira de habilitação. Além disso, seu RG havia sido falsificado. Em vez de Cícero, no documento ele era identificado como Elisvaldo. Mas manteve o sobrenome. Segundo os agentes, sua identificação se confirmou após análise das digitais do suspeito.

Na quarta-feira (23), a defesa de Cícero apresentou à Justiça um pedido de liberdade provisória. O UOL contatou o advogado Valdinei da Silva Lima, defensor do acusado, mas ele não respondeu aos questionamentos.