PR: Família critica investigação policial sobre morte de artista argentino
A família do argentino Lautaro Raso, 26, critica a investigação da Polícia Civil do Paraná a respeito de sua morte. Ele desapareceu no início deste ano, no estado. Seu corpo foi descoberto pela mãe e irmã meses depois. Estava registrado no IML (Instituto Médico Legal) de Curitiba como desconhecido, apesar de ter os documentos de identificação. O corpo do rapaz, que era artista de rua, foi encontrado pendurado numa árvore sob uma ponte no município de Colombo, na região metropolitana de Curitiba. .
Procurados pela reportagem, a Secretaria de Segurança Pública do Paraná e o Núcleo de Polícia Científica não deram retorno
A luta da mãe de Lautaro, Marta Ibarra, é para liberar o corpo, cremá-lo e retornar para Buenos Aires. A polícia disse para a família que o rapaz cometeu suicídio. O laudo da perícia técnica não aponta causa da morte e o laudo necroscópico do IML revelou que a causa da morte é indeterminada. Essas e outras contradições levam a família a desconfiar das versões oficiais apresentadas para o caso.
"A polícia diz que foi suicídio, mas o médico legista não pôs no atestado a causa da morte. Alega que o estado de putrefação do corpo não permitia saber", relatou a mãe. Ela reclama que tanto ela como sua filha Paloma e o seu filho sofreram maus tratos no Paraná.
"Lautaro sofreu maus tratos por ser artista de rua. Ficou no IML por muito tempo como um desconhecido. Houve pouco caso no tratamento dele porque seu corpo estava no IML desde o dia 10 de fevereiro", explicou a mãe.
A identificação do corpo só ocorreu em 29 de março, quando o consulado argentino em Curitiba foi informado que havia um corpo no IML da cidade. Um exame de impressões digitais foi realizado e confirmado que se tratava de Lautaro.
Chama a atenção que somente depois do exame de digitais e a identificação do corpo é que a funcionária do IML informou para a família que havia entre as roupas de Lautaro um pequeno embrulho envolto por plástico contendo os documentos pessoais da vítima.
"Foi solicitado que a mesma atendente abrisse o pacote e lá estavam os documentos de Lautaro. Portanto, a identificação daquele corpo estava em poder do IML desde o dia 10 de fevereiro de 2022 e não foi informado a nenhum órgão a existência do corpo", reclamou a advogada Ivete Caribé da Rocha, que acompanha Marta e Paloma em Curitiba.
Mochila desapareceu
Marta reclamou também que desapareceu a mochila do filho, com seus pertences e malabares. Mas o laudo da perícia técnica apresenta foto da referida mochila. No IML, funcionários alegam que a mochila não está lá.
Lautaro chegou ao Brasil em outubro de 2021 e no final do ano se mudou para Curitiba. Morava com outros artistas populares num pequeno apartamento. Praticava malabares, próximo à Praça da Espanha, bairro Bigorrilho, região com restaurantes e hotéis da capital.
Por aplicativo, comunicava-se com a família a cada dois dias. A última vez que conversou com a mãe e irmã foi em 1º de fevereiro. Depois não contatou mais ninguém.
"No começo pensamos que ele estava viajando, sem conseguir sinal de internet para se comunicar conosco. Ficamos preocupadas com o passar dos dias e em 6 de fevereiro passamos a fazer publicações nas redes sociais sobre um possível desaparecimento de Lautaro", contou a mãe.
Paloma, a irmã, fez contatos com os colegas que dividiam o imóvel com Lautaro. Todos também demonstraram preocupação e disseram que ele saiu para trabalhar na manhã do dia 2 e não retornou mais. Na casa, o rapaz havia deixado roupas e livros.
Na Argentina, a mãe procurou o Ministério das Relações Exteriores, que por sua vez pediu auxílio ao Consulado em Curitiba. Em 20 de fevereiro, o cônsul Sebastian Gonzalo Bertuzzi registrou um boletim de ocorrência na Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa, com fotos e dados físicos de Lautaro.
"Dias difíceis"
Um mês e meio depois de terem iniciado a procura por Lautaro, Marta e Paloma vieram para o Brasil. Precisaram da ajuda financeira de amigos. Chegaram no dia 25 de março e se hospedaram na residência da advogada.
Em 28 de março, foram realizadas reuniões entre elas, integrantes do consulado argentino, a Polícia Militar e policiais da Delegacia de Pessoas Desaparecidas. A resposta dada, mais uma vez, é que "não havia nenhum corpo desconhecido no IML".
Somente no dia seguinte, após realização de exame de impressão digital num dos corpos que estavam nas câmaras frigoríficas do IML, que se identificou Lautaro. Nesta data, o IML informou para a família que o corpo havia chegado no dia 10 de fevereiro. Que ele foi encontrado na cidade de Colombo, cerca de 20 quilômetros de Curitiba. Estava pendurado num galho de árvore à beira do rio Canguiri, debaixo de uma ponte na rodovia Régis Bittencourt.
A partir de então, foi acionada a Justiça Cível de Colombo para a retificação da certidão de óbito, para constar os dados do falecido, aguardando-se o laudo da necropsia. O laudo só foi obtido em 6 de abril, sem a conclusão da causa mortis e com diversas incoerências e omissões, de acordo com Ivete. A complementação do laudo foi pedida ao IML no dia 13 de abril. Até hoje sem respostas.
Mãe e irmã de Lautaro deixaram suas ocupações em Buenos Aires e ainda aguardam uma solução para o caso. "São dias difíceis. De muito vazio", diz Marta.
Havia expectativa de que o laudo final fosse liberado nesta sexta-feira, 13 de maio. Para que então fosse iniciado o processo de liberação do corpo para cremação. "Ontem passei a tarde fazendo o pedido judicial. Estou vendo agora que o processo já foi para o Ministério Público. Creio que até terça-feira o juiz libere. Também mandei mensagem para o Ministério Público, pedindo para agilizar a liberação do corpo", afirmou a advogada.
Paloma informou pelas redes sociais que haviam encontrado o corpo do irmão. Mas que a morte estava envolvida em muito mistério. "Estou pronta para contar o que aconteceu com meu irmão. Estou me dando um tempo porque ainda é muito difícil para a gente entender o que aconteceu", relatou. "Sua morte não foi uma morte natural, ele foi encontrado às margens de um pequeno rio na cidade de Colombo, pendurado em uma árvore com sua mochila onde tinha seus equipamentos de malabarismo perto dele, no chão", relatou.
Marta reclama que tanto a polícia como a perícia não declararam ter procurado vestígios que garantam que se trata de um caso de suicídio. Nem os protocolos técnicos foram seguidos, pois não revistaram as vestes de Lautaro, onde estavam seus documentos.
De acordo com a mãe, Lautaro não apresentava transtornos, não se queixava de problemas, nem de depressão. Ele cursou o ensino médio e fez curso de artes na Argentina. Falava inglês fluentemente. Não fumava cigarros, nem bebia álcool e não era usuário de drogas, segundo a família.
Esclarecimento de homicídios
O Instituto Sou da Paz, na pesquisa "Onde mora a impunidade", revela que 17 estados esclareceram 44% de homicídios. Ou seja, em média, a cada dez homicídios, quatro são esclarecidos, o que dificulta a identificação do responsável e sua consequente punição.
O Paraná, com 12% de esclarecimentos, ocupa a última posição do ranking. O estudo compila dados originados junto aos Ministérios Públicos e aos Tribunais de Justiça das 27 unidades federativas brasileiras sobre homicídios dolosos que ocorreram em 2018 e geraram ações penais, concluídas até 2019.
"Quanto mais tempo demora a atividade investigativa, mais difícil fica a identificação de autores, gerando maior possibilidade de o inquérito ter como destino o arquivamento", ressalta o sociólogo e pesquisador do Instituto Sou da Paz, Rafael Rocha.
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