Milícia torturou e matou garoto de programa que não pagou 'tributo'
Um adolescente gay foi morto por milicianos no condomínio Aterrado do Leme III, em Santa Cruz, na zona oeste do Rio de Janeiro. O jovem foi assassinado por se negar a dividir com a quadrilha os lucros dos programas sexuais que fazia na região, de acordo com depoimento em juízo de uma testemunha sobre o caso. É mais um dos novos negócios das milícias.
Segundo a testemunha, os assassinos "morderam todo o corpo do rapaz", que foi encontrado nu, com um cabo de vassoura enfiado no ânus e um cabo de enxada na garganta.
Por mais de duas semanas, a milícia impediu que o cadáver fosse retirado do local, com a finalidade de que "os moradores vissem quem mandava". O caso aconteceu em novembro de 2014.
A testemunha tem 42 anos e morou até abril de 2015 em um condomínio vizinho àquele onde ocorreu o assassinato.
Ex-integrante do Programa Estadual de Proteção a Vítimas e Testemunhas do Rio, ela confirmou em entrevista ao UOL as informações fornecidas à Justiça e terá a identidade preservada pela reportagem.
O 'caderno de tributos'
Segundo a testemunha, o adolescente mantinha relações sexuais com os milicianos havia algum tempo. Naquele momento, a milícia dava início à prática que ficou conhecida como "franquia". Nela, o grupo autorizava o funcionamento de bocas de fumo operadas pelo tráfico nas áreas sob seu controle, em troca de uma parte dos lucros gerados pela venda de drogas.
"Hoje, as milícias atuam no tráfico com franquias do TCP (Terceiro Comando Puro, uma das facções do tráfico no Rio), que vendem drogas e repassam parte dos seus lucros. Com isso, os moradores passam a viver em um estado de narcomilícia", disse o promotor Luiz Antônio Ayres, em entrevista ao UOL.
Com a chegada das drogas ao condomínio, o rapaz se tornou usuário e passou a se prostituir. Então, os milicianos passaram a cobrar um percentual do valor obtido pelo jovem nos programas que fazia, com base na suposta dívida dele com a boca de fumo.
Entretanto, o adolescente omitiu alguns dos encontros e foi morto por não pagar o chamado "tributo".
A testemunha explica o termo: todas as pessoas que ganhavam dinheiro de alguma forma dentro do condomínio eram obrigadas a dividi-lo com a milícia. "Eu era eletricista. Quando fazia serviço na casa de outros moradores, tinha que prestar contas a eles, para saber o 'tributo' que pagaria. Se fizesse um serviço e não comunicasse, eles me cobravam uma multa de R$ 1.000."
"Tudo passava pelo caderno. Eles queriam saber quanto que cada um estava tirando de dinheiro. Ninguém podia ficar em casa sem fazer dinheiro. Eles falavam: 'Não queremos vagabundo aqui'", afirma.
As informações sobre o caso constam em acórdão disponível no site do Tribunal de Justiça do Rio. No documento, os advogados de Vladimir Montenegro e Cleber da Silva tentam recorrer da condenação a seis anos de reclusão por organização criminosa.
O argumento de que as provas reunidas contra os réus eram insuficientes não foi aceito pelo juiz, que destacou o depoimento da testemunha como importante para a identificação dos acusados.
Montenegro e Silva foram denunciados pelo Ministério Público do Rio de Janeiro como membros da Liga da Justiça, milícia que atua nos bairros de Santa Cruz, Paciência e adjacências desde 2012. Segundo a denúncia, ambos seriam responsáveis por matar desafetos da quadrilha.
Em nota enviada à reportagem, o advogado Gabriel Miranda —que atua na defesa de Silva— disse que "apresentou recurso aos Tribunais Superiores" e que o seu cliente "foi absolvido em acusação de lavagem de dinheiro relacionada aos mesmos fatos''.
No dia 19 de fevereiro deste ano, Montenegro foi assassinado em seu carro, junto com uma jovem, numa emboscada na saída de um baile funk, na estrada dos Palmares, em Santa Cruz, zona oeste. Outras três pessoas ficaram feridas.
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