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Mortes de MCs da Baixada têm características de ação de grupo de extermínio

Do UOL, em São Paulo

10/11/2022 04h00

Os anos de 2011 e 2012 marcaram uma época violenta em bairros periféricos da capital, região metropolitana e litoral de São Paulo. O período ficou conhecido como "Era das Chacinas", quando jovens, principalmente negros, eram mortos na calada da noite, devendo ou não devendo algo à Justiça. Uma década depois, policiais civis e militares, juristas e estudiosos da área da segurança pública conseguem analisar como grupos paramilitares de extermínio agiam à época com gana de fazer justiça com as próprias mãos, sobretudo nos extremos das grandes cidades paulistas.

Com a investigação arquivada, a Polícia Civil não conseguiu identificar motivação, dinâmica e autores do homicídio de Cristiano Carlos Martins, o MC Careca, ocorrido em 28 de abril de 2012, em Santos. Conhecido como um dos expoentes do funk da Baixada Santista, Careca tinha 33 anos quando foi cruelmente assassinado, com 15 tiros, após ter trabalhado durante todo o dia em um salão de cabeleireiro — que era uma das suas principais fontes de renda.

O homicídio de Careca foi o quarto de uma série que se iniciou em abril de 2010, em ataques contra funkeiros que relatavam em suas músicas o que viam na periferia da Baixada Santista. Antes de Careca, Felipe Wellington da Silva Cruz (Felipe Boladão), Eduardo Antônio Lara (Duda do Marapé) e Jadielson da Silva Almeida (Primo) também foram assassinados. Para além da coincidência de os quatro estarem se destacando com o ritmo musical, outra semelhança entre eles é a de que as investigações sobre suas mortes nunca revelaram seus algozes.

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As histórias dos músicos estão no documentário "Mortos em Abril: Quatro Assassinatos que Abalaram o Funk em SP", disponível no Youtube de MOV.doc. Os dois episódios foram produzidos por MOV, a produtora de vídeos do UOL.

O coronel aposentado Levi Anastacio Felix, à época major e integrante da Corregedoria da Polícia Militar de São Paulo, aventou em 2012 uma possível participação de policiais em uma entrevista coletiva cedida a jornalistas após a morte de MC Primo, ocorrida dez dias antes do assassinato de MC Careca: "Eles fazem muito protesto, falam de grupos de poderes constituídos, falam da polícia também. Então, vamos dizer que alguns policiais podem não ter muita simpatia pelo MC Primo". As investigações não conseguiram confirmar nem desmentir participações de policiais no crime.

O que se sabe é que no ano de 2012 houve um ápice no número de chacinas ocorridas no estado de São Paulo: foram 38 casos, com 132 mortos, de acordo com levantamento do Instituto Sou da Paz. De lá para cá, como comparação, o ano mais violento foi o de 2015, com 20 casos e 86 vítimas.

Foi em 2015, por exemplo, que ocorreu a maior chacina da história de São Paulo desde a redemocratização: em Osasco, com 23 mortos, após uma vingança policial. Policiais civis entrevistados pela reportagem contam que os crimes ocorridos em 2012 eram exemplos menores do que viria acontecer em Osasco, em 2015.

Os grupos de extermínio, historicamente, são formados por policiais que atuam fora de serviço. "Podem receber dinheiro de comerciantes para matar pequenos roubadores ou são os chamados 'Pé de Pato', que são seguranças que recebem dinheiro no mesmo contexto para matar pequenos criminosos. No passado, na época da ditadura militar, os grupos de extermínio também matavam políticos e desafetos. E, por fim, eles também podem agir para resolver fora de serviço situações que ocorrem dentro do serviço", explica Rafael Alcadipani, professor de Gestão Pública da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e especialista do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública).

A última característica transcrita por Alcadipani denota semelhanças com o que ocorreu na Baixada Santista contra os MCs entre 2010 e 2012. "Se há alguma indisposição ou algum problema com alguma pessoa, esses grupos queriam 'resolver' a situação fora do serviço, principalmente com aquilo que se chamava de 'moto fantasma': uma moto que aparece do nada, o sujeito atira e mata uma pessoa que era alvo deles. Muitas vezes, isso era feito por policiais, historicamente, nas periferias de São Paulo", diz o pesquisador.

MC Careca fez sucesso no início do século, principalmente quando fez dupla com MC Pixote. Com letras ácidas, a dupla relatava as disputas territoriais que existiam na Baixada Santista entre o crime organizado e a polícia. Em muitas dessas letras, o personagem principal, que narrava em primeira pessoa algum acontecido, era o criminoso. Pixote foi preso duas vezes. Na segunda vez, Careca se dissociou e iniciou carreira solo, mas continuava amigo do companheiro que estava atrás das grades.

Segundo a Polícia Civil, Pixote participou dos crimes de maio, quando o PCC (Primeiro Comando da Capital) realizou ataques contra forças de segurança pública, em 2006. Pixote foi condenado a mais de 40 anos de prisão por ter disparado contra policiais e a delegacia de Cubatão, no litoral paulista, na ocasião. Depois, o MP (Ministério Público) o acusou de liderar pontos de vendas de drogas em quatro cidades da Baixada Santista: Santos, São Vicente, Praia Grande e Mongaguá. À polícia, Pixote negou participação nos crimes.

Nunca houve qualquer relação de Careca com Pixote para além das músicas que cantavam juntos 20 anos atrás. Careca costumava trabalhar como cabeleireiro durante o dia e cantar em casas de show à noite, o que demonstra que ele não enriqueceu, nem se enveredou por práticas criminosas. Em 2012, houve uma nova tensão entre o PCC e as forças de segurança em São Paulo. E, assim como ocorreu em outros crimes da "Era das Chacinas", inocentes ligados a pessoas que praticaram crime e/ou eram ligadas ao crime organizado de alguma maneira, foram assassinados como forma de recado e vingança.

"É uma forma de punir: 'Eu matei a pessoa que você mais gostava. E, por isso, você vai carregar essa culpa para o resto da sua vida'. É uma pena maior do que se ele [criminoso ligado ao inocente] estivesse morto. É isso o que passa na cabeça desses grupos de extermínio. É uma forma de punir isso. Das mais cruéis", exemplifica a desembargadora Ivana David.

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