Topo

Ele tomou choque surreal em poste: 'Morri por segundos e perdi a orelha'

A descarga elétrica que atingiu Rodrigo em um poste na cidade de Bauru (SP) foi registrada em vídeo por moradores - Reprodução/Arquivo Pessoal
A descarga elétrica que atingiu Rodrigo em um poste na cidade de Bauru (SP) foi registrada em vídeo por moradores Imagem: Reprodução/Arquivo Pessoal

Maurício Businari

Colaboração para o UOL

31/05/2023 04h00Atualizada em 31/05/2023 16h05

O técnico de instalação em fibra ótica que sofreu uma descarga elétrica de 13 mil volts enquanto fazia manutenção em um poste no bairro Vila São Paulo, na cidade de Bauru (SP), em dezembro do ano passado, recebeu alta do hospital e diz que sobreviveu "por um milagre".

Rodrigo Moraes da Silva, 40, estava internado em estado grave no Hospital Estadual de Bauru e foi mantido por várias semanas em coma induzido por conta dos ferimentos. Em entrevista ao UOL, ele conta que a recuperação não está sendo nada fácil e que, por conta das sequelas do acidente, mal consegue respirar direito.

Um vídeo que circulou nas redes sociais em dezembro do ano passado mostra o momento em que Rodrigo, colaborador de uma empresa terceirizada que presta serviços para uma operadora de internet, recebe uma descarga elétrica enquanto realizava um serviço de manutenção na rede em Bauru (SP). É possível ver suas roupas pegando fogo no momento do acidente.

Nas imagens, fica claro que Rodrigo chega a desmaiar e, por um tempo, permanece inconsciente. Mas, à medida que sua roupa se incendeia, ele recupera a consciência e, num esforço evidente, consegue se soltar dos cabos elétricos e descer a escada.

Esse foi o momento em que morri por alguns segundos. Na hora que levei a descarga elétrica, eu tinha na minha mente que eu já estava morrendo. Daí desmaiei. Nem sei como consegui me soltar e descer do poste. Foi um milagre eu ter voltado à vida, porque eu sei que o meu coração parou de bater por um tempo lá em cima."

Rodrigo chegou ao hospital em dezembro do ano passado com queimaduras graves na cabeça e em quase todo o corpo - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Rodrigo chegou ao hospital em dezembro do ano passado com queimaduras graves na cabeça e em quase todo o corpo
Imagem: Arquivo Pessoal

EPI não resistiu

Rodrigo se lembra bem do momento do acidente. Ele subiu na escada, com um equipamento básico de proteção, para mexer em um cabo de fibra ótica, que não oferece risco de choque. Porém, ele não esperava se deparar com um cabo deixado solto no poste, sem proteção, pela companhia elétrica.

"Foi nesse cabo que eu encostei. Onde passam 13 mil volts de carga elétrica. Ele devia estar enroladinho, protegido, mas estava exposto e eu não vi. Hoje não sei dizer se a dor foi pior na hora ou se agora, que estou me recuperando".

Nas imagens do vídeo que circulou, a percepção é de que Rodrigo não está usando EPI (Equipamento de Proteção Individual). Mas, segundo ele, isso não é verdade. O capacete que ele estava usando, por exemplo, ficou todo chamuscado, a trava de segurança derreteu logo que ele levou a primeira descarga e caiu ao chão.

As luvas isolantes, segundo ele, não eram de boa qualidade, pois além de não impedirem a descarga elétrica de atingi-lo, simplesmente entraram em combustão. "Eu estava com todos os EPIs que a empresa fornecia, achando que aquilo ia me proteger. Só que era tudo de péssima qualidade", declarou.

Rodrigo nasceu e foi criado em Bauru e é casado há três anos, pela segunda vez, com a cuidadora Viviane Cristina Silva, 45. Com a primeira esposa, teve dois filhos. E, até o dia do acidente, era o esteio da nova família, onde o técnico passou a cuidar também de seis enteados.

Eu sempre fui muito trabalhador e assumi o papel de provedor desde muito cedo. Só que agora estou sem escolha. Depois de passar tantos meses no hospital, me deram alta sem eu ter melhorado. Eu tenho que tomar remédio para dor e também para não dar problema nos enxertos que tive que fazer. Não consigo andar direito, porque a pele e os músculos repuxam. Também não consigo respirar bem, fico o tempo todo soltando uma secreção escura."

O técnico recebeu alta médica no dia 8 de abril, mas teve que voltar a ficar internado no dia 12 de maio, devido à insuficiência respiratória. Sem contar com um plano de saúde ou seguro pago pela empresa, todo o atendimento está sendo feito pelo SUS.

O técnico ficou com cicatrizes em diversas áreas do corpo e ainda perdeu a orelha esquerda - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
O técnico ficou com cicatrizes em diversas áreas do corpo e ainda perdeu a orelha esquerda
Imagem: Arquivo Pessoal

Perda da orelha

Apesar das dificuldades financeiras, é quando Rodrigo se olha no espelho que sua autoestima é colocada realmente à prova. Além das cicatrizes por todo o corpo, incluindo ombros, braços, tronco, pernas e rosto, o técnico ainda perdeu a orelha esquerda, que não pôde ser recuperada. Para voltar a ter uma aparência mais próxima do "normal", ele teria que ser submetido a "diversas cirurgias".

Na semana passada, ele começou a fazer fisioterapia na Apae (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais). E diz que chora todos os dias ao observar como seu corpo foi desfigurado pela força da eletricidade.

De madrugada, eu acordo gritando de dor. Minha mulher e meus enteados estão me ajudando no que podem, segurando uma barra bem pesada. Mas é difícil quando, além da dor física, você se dá conta de que não pode mais trabalhar como antes para pagar as contas. Para uma pessoa ativa como eu, é um processo muito difícil. Eu rezo para ficar bem logo. Mas posso garantir que nunca, mas nunca mais mesmo, vou voltar a trabalhar com instalação e manutenção de cabos. Não quero nunca mais precisar subir em um poste novamente."

Ação na Justiça

Sentindo-se desamparado pela empresa para a qual prestava serviços, Rodrigo contratou um advogado para entrar com uma ação por danos.

"No começo, a empresa pagava a condução da minha esposa e dos meus enteados até o hospital, mas dias depois pararam. Tive que me encostar no INSS e estou recebendo R$ 1.455 por mês. Só de aluguel pagamos aqui em casa R$ 1 mil. E o que sobra a gente compra de comida, por isso temos várias contas atrasadas".

Para sobreviver com tão pouco e sem poder trabalhar, Rodrigo está vendendo rifas pela Internet e dependendo da ajuda de familiares e amigos. Ele também recebe doações via Pix (chave celular 14991559707) e pelo Facebook.

r - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Rodrigou passou quase 5 meses internado
Imagem: Arquivo Pessoal

O advogado de Rodrigo, Paulo Ribas, explicou que a empresa terceirizada para a qual seu cliente trabalhava é pequena e que, por essa razão, a ação se estende à empresa para a qual ela prestava serviços.

Vamos pedir indenização por redução da capacidade laborativa e também por danos morais. Além dele nunca mais poder exercer a função que exercia, ele vai ficar muito tempo afastado, o estado psicológico dele foi abalado. O que me leva também a pedir reparação por dano estético", Paulo Ribas, advogado de Rodrigo.

Na avaliação do advogado, houve falha no treinamento de seu cliente para o exercício da função e também na fiscalização do exercício da atividade. O valor da ação, explica o profissional, refere-se ao salário mensal integral, pago até o dia de sua morte — equivalente a uma pensão vitalícia. Porém, esse valor pode mudar após os exames e avaliações exigidos pela Justiça.