Médico investigado por 42 mortes é solto em SP após habeas corpus
O médico-cirurgião João Couto Neto, investigado por 140 erros médicos, incluindo a morte de 42 pacientes no Rio Grande do Sul, foi solto na tarde de hoje em São Paulo.
O que aconteceu
O médico foi solto por volta das 14h10. Ontem, o Tribunal de Justiça aprovou liminarmente o habeas corpus, mas a soltura só aconteceu na tarde de hoje. "São muitos procedimentos burocráticos, como emissão do alvará de soltura e a comunicação ao estabelecimento prisional", disse ao UOL o advogado Brunno de Lia Pires.
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Couto Neto ficou preso por cinco dias e agora voltará para o Rio Grande do Sul. Ele foi detido na quinta-feira (14) em Caçapava, cidade do interior paulista, e foi levado para a Cadeia Pública de Caçapava. Agora decidiu voltar para Novo Hamburgo, onde mora sua esposa.
O julgamento do mérito do HC ainda vai acontecer. Como a decisão de ontem é provisória (liminar), o HC será julgado pelo colegiado do Tribunal de Justiça em 2024. "Para não ficar preso até lá, o relator concede liminar para soltar antes", explicou o advogado.
O médico foi preso enquanto atendia pacientes do SUS (Sistema Único de Saúde). Ele atuava em um hospital municipal de Caçapava, a 116 km da capital.
Como foi a prisão
O médico foi preso preventivamente após pedido do delegado Tarcisio Lobato Kaltbach no dia 12. A solicitação recebeu parecer favorável do Ministério Público, e a prisão foi autorizada pela Justiça em Novo Hamburgo.
A prisão se refere a um caso envolvendo uma das supostas vítimas do médico. "[Foi] homicídio doloso [com intenção] qualificado pelo motivo torpe, meio cruel, recurso que dificultou a defesa da vítima, agravado por violação de dever inerente à profissão e praticado contra vítima maior de 60 anos", disse o delegado. "A pena é de reclusão de 12 a 30 anos."
Em dezembro do ano passado, Couto Neto foi proibido pela Justiça de praticar cirurgias por seis meses. No meio do ano, o prazo foi prorrogado por mais quatro meses.
Em outubro deste ano, ele foi autorizado a realizar cirurgias, mas não operou ninguém, segundo a defesa. "Ele não é bandido, tem endereço atualizado e fixo. A prisão era desnecessária", declarou Pires na ocasião da prisão.
Médico foi trabalhar em São Paulo
O médico atendia em hospitais no interior e capital. Couto Neto se mudou para São Paulo no começo do ano, quando conseguiu empregos para atender pacientes do SUS.
Conhecido em Novo Hamburgo como João Couto Neto, ele passou a se identificar em São Paulo como João Batista. Seu nome completo é João Batista do Couto Neto. No estado de São Paulo, ele foi contratado indiretamente como autônomo ou terceirizado para trabalhar em órgãos públicos e filantrópicos.
Além do emprego no Hospital de Caçapava, o médico atuou nas seguintes unidades de saúde:
- AMA Sacomã, na capital paulista. Médico substituto, atendeu em março no ambulatório municipal na zona sul de São Paulo. A Secretaria Municipal da Saúde afirma "que o cirurgião atuou somente em um plantão noturno" e que, ao identificar restrição no CRM do médico, "o mesmo não realizou mais atendimentos".
- Hospital Mandaqui. Estadual, a unidade é especializada em tuberculose e fica na zona norte. A Secretaria de Saúde afirma que "o profissional atuou em apenas três plantões".
- Hospital Ipiranga. Couto Neto é responsável pela UTI adulto do hospital estadual, também na zona sul da cidade.
- Hospital Pio 12. O hospital filantrópico é referência em oncologia em São José dos Campos, onde atende 80% de pacientes do SUS. Em nota, o hospital afirma que o "médico realizou apenas um plantão no Pronto Atendimento na especialidade clínica médica" e que não foi autorizado seu cadastro no hospital.
- Hospital São Francisco de Assis. Também filantrópico, a unidade referência em cardiologia em Jacareí recebe 68% de pacientes do SUS. O hospital afirma que Couto Neto "não faz parte do quadro de plantonistas desde 13 de maio" e que ele "deu somente três plantões no hospital na área clínica".
Flagrado no Hospital Ipiranga
Couto Neto trabalhava no Hospital Ipiranga desde março. Plantonista, era responsável por dez leitos da UTI do 4º andar, cuja administração foi entregue à organização social Beneficência Hospitalar Cesário Lange.
Em junho, quando o UOL visitou a unidade, ele esteve escalado para trabalhar todos os dias, com folga aos domingos. Às segundas, dobrava o plantão, permanecendo 24 horas no trabalho, quando entregava o posto às 7h de terça-feira. Na época, ele estava proibido de operar.
Couto Neto era proibido de entrar no centro cirúrgico. Sua circulação teria sido restrita à UTI, onde recebia pacientes em estado grave que passaram pelo centro cirúrgico. Dentre suas atividades, fazia dreno de tórax e cuidava de intubação.
Como vestia roupa cirúrgica, de cor azul, ele não exibia seu nome no uniforme. Isso o que o ajudava a passar despercebido. Entre os colegas e na escala de plantão, no entanto, era chamado de João Batista, assim como nas outras unidades de saúde.
25 cirurgias em um dia
Couto Neto é investigado por realizar até 25 cirurgias em um único plantão. Atuou quase sempre no Hospital Regina, onde alugava o centro cirúrgico em troca de uma porcentagem dos procedimentos que realizava.
A vida do médico começou a mudar em novembro do ano passado. Foi quando um grupo de 15 pessoas procurou a polícia para denunciar supostos erros médicos, com relatos que chegam a 2010. Hoje, a polícia investiga 156 casos — como dilaceração de órgãos, perfurações no intestino e cortes desnecessários —, incluindo 42 mortes.
Eram intervenções cirúrgicas totalmente desastrosas, que beiravam a crueldade e desumanidade.
Delegado Tarcisio Lobato Kaltbach
Procurado, o Hospital Regina informou que "as reclamações [feitas na Ouvidoria] foram prontamente acolhidas e uma delas, inclusive, foi encaminhada à Comissão de Ética do corpo clínico".