Investigado por 42 mortes, médico é preso atendendo pacientes do SUS em SP
Investigado por 140 erros médicos, incluindo a morte de 42 pacientes no Rio Grande do Sul, o cirurgião João Couto Neto foi preso ontem em Caçapava, interior de São Paulo.
O que aconteceu
Couto Neto foi preso às 17h de ontem. "O médico se encontrava trabalhando no Hospital Municipal de Caçapava", confirmou ao UOL o delegado Tarcisio Lobato Kaltbach. A prisão preventiva, solicitada por ele no dia 12, recebeu parecer favorável do Ministério Público e foi autorizada pela Justiça em Novo Hamburgo.
A prisão se refere a um caso envolvendo uma das supostas vítimas do médico. "[Foi] homicídio doloso [com intenção] qualificado pelo motivo torpe, meio cruel, recurso que dificultou a defesa da vítima, agravado por violação de dever inerente à profissão e praticado contra vítima maior de 60 anos", diz o delegado. "A pena é de reclusão de 12 a 30 anos."
"Pegou de surpresa", diz advogado
Defesa vai recorrer. Advogado do médico, Brunno de Lia Pires disse que "a prisão pegou a defesa de surpresa". "Vou entrar com um habeas corpus hoje mesmo para pô-lo em liberdade", afirmou.
Em dezembro do ano passado, Couto Neto foi proibido pela Justiça de praticar cirurgias por seis meses. No meio do ano, o prazo foi prorrogado por mais quatro meses.
Em outubro deste ano, ele foi autorizado a realizar cirurgias, mas não operou ninguém, diz o advogado. "Ele não é bandido, tem endereço atualizado e fixo. A prisão era desnecessária", declara Pires.
Médico foi trabalhar em São Paulo
O médico atendia em hospitais no interior e capital. Couto Neto se mudou para São Paulo no começo do ano, quando conseguiu empregos para atender pacientes do SUS.
Conhecido em Novo Hamburgo como João Couto Neto, ele passou a se identificar em São Paulo como João Batista. Seu nome completo é João Batista do Couto Neto. No estado de São Paulo, ele foi contratado indiretamente como autônomo ou terceirizado para trabalhar em órgãos públicos e filantrópicos.
Além do emprego no Hospital de Caçapava, o médico atuou nas seguintes unidades de saúde:
- AMA Sacomã, na capital paulista. Médico substituto, atendeu em março no ambulatório municipal na zona sul de São Paulo. A Secretaria Municipal da Saúde afirma "que o cirurgião atuou somente em um plantão noturno" e que, ao identificar restrição no CRM do médico, "o mesmo não realizou mais atendimentos".
- Hospital Mandaqui. Estadual, a unidade é especializada em tuberculose e fica na zona norte. A Secretaria de Saúde afirma que "o profissional atuou em apenas três plantões".
- Hospital Ipiranga. Couto Neto é responsável pela UTI adulto do hospital estadual, também na zona sul da cidade.
- Hospital Pio 12. O hospital filantrópico é referência em oncologia em São José dos Campos, onde atende 80% de pacientes do SUS. Em nota, o hospital afirma que o "médico realizou apenas um plantão no Pronto Atendimento na especialidade clínica médica" e que não foi autorizado seu cadastro no hospital.
- Hospital São Francisco de Assis. Também filantrópico, a unidade referência em cardiologia em Jacareí recebe 68% de pacientes do SUS. O hospital afirma que Couto Neto "não faz parte do quadro de plantonistas desde 13 de maio" e que ele "deu somente três plantões no hospital na área clínica".
Flagrado no Hospital Ipiranga
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Quero receberCouto Neto trabalhava no Hospital Ipiranga desde março. Plantonista, era responsável por dez leitos da UTI do 4º andar, cuja administração foi entregue à organização social Beneficência Hospitalar Cesário Lange.
Em junho, quando o UOL visitou a unidade, ele esteve escalado para trabalhar todos os dias, com folga aos domingos. Às segundas, dobrava o plantão, permanecendo 24 horas no trabalho, quando entregava o posto às 7h de terça-feira. Na época, ele estava proibido de operar.
Couto Neto era proibido de entrar no centro cirúrgico. Sua circulação teria sido restrita à UTI, onde recebia pacientes em estado grave que passaram pelo centro cirúrgico. Dentre suas atividades, fazia dreno de tórax e cuidava de intubação.
Como vestia roupa cirúrgica, de cor azul, ele não exibia seu nome no uniforme. Isso o que o ajudava a passar despercebido. Entre os colegas e na escala de plantão, no entanto, era chamado de João Batista, assim como nas outras unidades de saúde.
25 cirurgias em um dia
Couto Neto é investigado por realizar até 25 cirurgias em um único plantão. Atuou quase sempre no Hospital Regina, onde alugava o centro cirúrgico em troca de uma porcentagem dos procedimentos que realizava.
A vida do médico começou a mudar em novembro do ano passado. Foi quando um grupo de 15 pessoas procurou a polícia para denunciar supostos erros médicos, com relatos que chegam a 2010. Hoje, a polícia investiga 156 casos —como dilaceração de órgãos, perfurações no intestino e cortes desnecessários—, incluindo 42 mortes.
Eram intervenções cirúrgicas totalmente desastrosas, que beiravam a crueldade e desumanidade.
Delegado Tarcisio Lobato Kaltbach
Procurado, o Hospital Regina informou que "as reclamações [feitas na Ouvidoria] foram prontamente acolhidas e uma delas, inclusive, foi encaminhada à Comissão de Ética do corpo clínico".
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