PMs tentaram 'chacina' em centro com população de rua em MT, diz polícia
Dois sobreviventes de um ataque a tiros contra pessoas em situação de rua em Rondonópolis (MT) afirmam que os criminosos atiravam "aleatoriamente" e sem "alvo fixo".
O que aconteceu
Na madrugada de 27 de dezembro, dois homens atiraram contra um grupo de pessoas que dormiam na calçada de um centro de atendimento a pessoas em situação de rua.
Análise da cena do crime feita por cinco investigadores da Polícia Civil aponta que o objetivo era "atingir o maior número de pessoas" em uma "chacina", de acordo com documentos obtidos pelo UOL.
Segundo a polícia, os autores dos disparos são dois policiais militares de folga: o cabo Cássio Teixeira Brito, 33 anos, e o cabo do Bope Élder José da Silva, 39. As defesas não confirmam tampouco negam o envolvimento deles no crime. Os dois estão presos.
As vítimas mortas são Odinilson Landvoigt, 41, e Thiago Rodrigues Lopes, 37. Outras três vítimas sobreviveram ao ataque.
Pintor saiu correndo enquanto era caçado
O pintor Antônio Marques, 50, testemunha na investigação, que dormia à espera da abertura do local, diz que acordou com os disparos e viu duas das vítimas já baleadas.
Segundo ele, os criminosos estariam numa Land Rover escura e atiravam sem sair do carro. Eles atiraram em Marques também.
O declarante não foi atingido, pois saiu correndo do local (...) o declarante não sofreu nenhuma lesão corporal; relata que o suspeito estava disparando aleatoriamente, não tinha um alvo fixo.
Depoimento do pintor Antônio Marques
Oziel Ferle, 35, outra vítima, disse que estava deitado na calçada quando viu um veículo passar. O passageiro passou uma arma ao motorista que, sem descer do carro, começou a atirar a esmo. Ele foi baleado nos braços.
O declarante conseguiu se levantar e saiu correndo do local e após 20 m caiu e não conseguiu correr (...) o atirador desceu na contra mão na av. Bandeirantes e continuava a efetuar disparos em desfavor de outros moradores de rua; QUE o suspeito atirava nas pessoas que estavam próximas, sem especificar um alvo.
Depoimento de Oziel Ferle
Objetivo era atirar no máximo de pessoas, diz polícia
Cinco investigadores da Polícia Civil analisaram a cena do crime, câmeras de segurança e ouviram pessoas em Rondonópolis para refazer o caminho da Land Rover. Eles detectaram que o veículo saiu da casa do cabo Cássio Teixeira.
Com base nas imagens disponíveis é possível auferir que os atiradores circularam por áreas específicas, conhecidas como locais onde permanecem aglomerados dependentes químicos e moradores de rua, circulando inclusive em sentido contrário à via e retornando a pontos de aglomeração para buscar atingir o maior número de pessoas.
Relatório da Polícia Civil
O crime ocorreu por volta de 3h30.
Um tiro acidental atingiu o PM Élder da Silva. Ele foi atendido às 3h51 na Santa Casa, poucos minutos após o ataque. Câmeras do local mostram que os policiais à paisana chegaram num veículo verde Land Rover Freelander SD4-SE importado.
O veículo utilizado por Élder [Silva] e Cássio [Teixeira] [conforme as imagens do hospital] é da mesma marca, modelo e cor do veículo utilizado pelos suspeitos na chacina.
Relatório dos investigadores
A Polícia Militar abordou Cássio Texeira por volta de 4h15 na rua. Ele disse que Élder da Silva foi caçar na região de Itiquira, mas que "sofreu um incidente, vindo a disparar contra sua própria perna, que atingiu sua panturrilha", conforme o boletim de ocorrência. Teixeira afirmou que Silva pediu-lhe ajuda e que o levou ao hospital. Na Santa Casa, os PMs ouviram o mesmo relato de Silva.
No entanto, não havia armas com nenhum dos suspeitos. O relatório policial destaca que isso "não é prática comum para agentes de segurança pública".
A arma usada no ataque não foi localizada. A suspeita é que foi usada uma pistola 9 mm. Após o crime, Cássio Teixeira registrou a perda de sua arma funcional —-uma Glock G-17 Gen5, de calibre 9 mm. A defesa alega perda da arma antes do ataque às pessoas em situação de rua.
Defesa de Teixeira pede apuração sem "achismos"
A advogada de Teixeira, Wdineia Oliveira, afirmou que as alegações de atirar aleatoriamente e de ter o objetivo de atingir o maior número de pessoas em "chacina" não podem servir para presumir motivações. Segundo ela, nenhum dos policiais prestou depoimento ainda.
"A defesa espera uma investigação séria, baseada nos fatos, sem suposições e achismos", disse ela ao UOL nesta quarta-feira (3).
A advogada de Élder da Silva, Jania Mikaelle Godoy, disse que não comentaria detalhes da investigação, mas destacou que seu cliente não tratou do suposto extravio de arma e de sua internação no hospital.
Outra arma foi encontrada
A juíza Maria Mazarelo Farias Pinto determinou a prisão temporária de 30 dias para os PMs. Segundo o promotor Fábio Latorraca, Teixeira também está em "prisão preventiva", sem prazo para sair da cadeia.
O motivo é que, na busca e apreensão em sua casa, os policiais acharam uma segunda arma, que era ilegal. O revólver calibre 38 estava acompanhado de seis munições de calibre 32 "escondidas no guarda-roupas do investigado", descreveu o promotor. O caso é investigado.
A advogada de Teixeira recorreu ao Tribunal de Justiça de Mato Grosso contra a prisão preventiva. "Essa prisão preventiva é indevida. O delegado deveria ter arbitrado fiança. Eles estão desrespeitando a lei", disse Wdineia Oliveira.