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'Vem chumbo grosso': periferia teme lógica de vingança da Operação Escudo

Local onde pessoa foi morta pela PM na favela Maré Mansa, no Guarujá Imagem: Luís Adorno/UOL

Do UOL, em São Paulo

26/01/2024 04h00

Moradores de comunidades da periferia de São Paulo temem sofrer violência policial após o anúncio de quatro novas operações Escudo. As ações ocorrem na zona sul da capital, no ABC paulista, em Guarulhos e em Piracicaba, no interior do estado.

O que aconteceu

Moradores de periferias relatam maior presença policial e ações mais violentas. Os relatos vêm na esteira do anúncio do governo de São Paulo de novas operações escudo após ataques a policiais. "Morreu policial, vem chumbo grosso por aí, vem retaliação", diz Luana de Oliveira educadora social, socióloga e articuladora da Rede de Proteção e Resistência contra o Genocídio. O temor é a repetição da ação policial que matou 28 pessoas no Guarujá, no ano passado.

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Pais passam a buscar filhos nos pontos de ônibus e mães ficam no portão de casa à espera dos filhos. Luana afirma que atendeu uma moradora do Capão Redondo, na zona sul, mãe de um jovem de 16 anos. "Ela estava angustiada com a demora do filho. Esse é um temor que a população traz ao ver as notícias. "Qualquer porta de bar com pessoas reunidas já é um lugar de risco".

Maior presença de contingente policial no Capão Redondo, na zona sul. Segundo a assistente social e articuladora da Rede de Proteção e Resistência contra o Genocídio, Maria Edjane Alves, a maior presença dos agentes não implica em mais segurança. "Garante insegurança e aflição", diz. Luana também foi informada por moradores sobre mais policiais na região.

"Toda vez que morre um policial assassinado, a gente espera que tenha represália", diz Edjane. A moradora do Capão Redondo afirma que a "lógica de vingança" tem sido naturalizada pelo Estado. Segundo ela, desde a operação Escudo no Guarujá, moradores de favelas de São Paulo já conviviam com a ameaça de a ação policial "subir".

Moradores de Santo André, no ABC paulista, também já percebem ações policiais mais violentas. A bibliotecária e também integrante da Rede de Proteção e Resistência contra o Genocídio Roberta França, diz que a abordagem policial se intensificou em relação aos jovens em duas comunidades da região. "Tem sido uma atuação muito mais repressiva", diz.

Relatos de jovens encurralados em becos de Santo André. Roberta diz que recebeu denúncias de um grupo de jovens que foi abordado pela polícia e fechado em um beco. Na sequência, segundo ela, teriam sido agredidos com spray de pimenta. Em outra ocasião, outro grupo foi abordado em um bar e trancado no local pela polícia.

'A polícia não é o braço do Estado que ajuda'

Moradores afirmam que vão "se trancar em casa". Após o anúncio das operações, jovens que vivem em favelas e comunidades passam dias fechados em casa com medo da violência policial. "A leitura da comunidade é que são ações de vingança", diz Roberta.

Familiares estão preocupados com a juventude negra nas periferias. Em Parelheiros, onde a soldada Sabrina foi morta, pais estão recomendando aos filhos para evitarem sair com amigos neste fim de semana. "Estão pedindo que evitem fazer resenha até tarde, que não andem de moto, que não façam coisas normais que qualquer jovem de periferia faz", afirma Luana.

Preocupação com falsos flagrantes forjados por policiais. "Existe um histórico de forjamento de mochila com drogas que os policiais fizeram na Baixada Santista", afirma Luana. Segundo ela, a região de Parelheiros é um território menos urbanizado, com maior risco de provas se perderem e favorável ao desaparecimento de pessoas.

Maior quantidade de agentes de segurança deixa moradores apreensivos. Nas duas comunidades de Santo André em que atua, Roberta diz que os moradores notaram um número maior de agentes nas duas últimas semanas. "Eles começam a tirar fotos dos policiais e mandam para nós. São sempre ações lidas como perigosas pela comunidade."

Nas comunidades, a polícia não é um braço do Estado que vai ajudar, é o oposto. Quando acontece a morte de policial o que mais ouvimos é 'agora a gente já não sai mais de casa'
Roberta França, bibliotecária e moradora da zona sul

Não é uma operação que visa a segurança das pessoas. É uma operação de vingança num território favorável e propício ao desaparecimento de provas e num contexto de desmonte de investimentos nas câmeras dos policiais.
Luana de Oliveira, educadora social e moradora da zona sul

Ouvidoria vai estar presente nos territórios

Aproximação de territórios onde ocorrem as operações. O ouvidor da Polícia do Estado de São Paulo, Cláudio Silva, disse que o órgão vai monitorar as regiões em que estarão as ações do governo para acompanhar eventuais abusos. "Moradores dessas regiões podem procurar a Ouvidoria. Pedimos que nos tragam denúncias com fotos, áudios e vídeos para instaurar procedimento com subsídios para ensejar investigações."

Movimento de alerta começa nas comunidades. Segundo Edjane, os articuladores da rede da qual faz parte começaram uma ação pedindo que moradores acionem lideranças locais para que os relatos sejam enviados à Ouvidoria. "Não temos a pretensão de impedir essas operações, mas precisamos estar preparados", diz ela.

Preocupação com a ampliação das operações vem desde a ação no Guarujá. Para Luana, o temor de que as operações escudo fossem ampliadas pelo governo vem desde julho do ano passado. "Já esperávamos que a operação viria para cá de forma oficial. Informalmente, ela já vinha ocorrendo com a violência do Estado", diz.

Vemos [as operações] com temor e preocupação, uma vez que não temos nenhuma informação de como serão as operações. A experiência que temos foi a da Baixada Santista, que ceifou 28 vidas e não trouxe nenhum resultado ou exemplo positivo na política de segurança pública de São Paulo e do país.
Cláudio Silva, ouvidor da Polícia do Estado de São Paulo

O que diz a Secretaria da Segurança Pública

Ataques contra policiais motivaram operações. Por meio de nota, a SSP informou que as operações "em curso no estado foram motivadas por três tentativas de latrocínio contra policiais militares e por dois latrocínios que vitimaram a soldado PM Sabrina Simões e um PM inativo." A pasta disse que os batalhões "estão empenhados no patrulhamento para localizar e prender os envolvidos."

Operação Escudo vira protocolo de segurança. "Este protocolo, que em 2023 recebeu o nome de Operação Escudo, tem o objetivo de restabelecer a ordem pública e devolver a sensação de segurança à população diante de uma situação em que o Estado é diretamente atacado."

A SSP informou, por nota, as regiões em que as operações foram deflagradas. Segundo a pasta, abrangem a zona sul da capital paulista, Santo André e Guarulhos, na grande São Paulo, e Piracicaba, no interior.

Nenhum ataque a policial ficará impune. Nós temos uma Operação Escudo acontecendo nestes três pontos de ataques, temos um trabalho de investigação da Polícia Civil acontecendo neste exato momento para identificação dos criminosos que covardemente atacaram os policiais.
Guilherme Derrite, secretário de segurança de São Paulo

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