'Aos 11, vi meu irmão morrer no meu colo, eletrocutado no computador'
Simone Machado
Colaboração para o UOL, em São José do Rio Preto (SP)
26/02/2024 04h00Atualizada em 26/02/2024 11h26
A gerente de vendas Juliana Maciel Latorraca, 27, viu o irmão Felipe Maciel Latorraca, dois anos mais velho, morrer após levar um choque enquanto tentava ligar a caixa de som do computador.
O acidente aconteceu na casa em que a família morava, em Cuiabá, há 16 anos. Após anos sob o luto da perda do único irmão, hoje Juliana consegue falar do ocorrido. Ela contou sua história ao UOL.
'Estava na frente dele'
"Eu tinha 11 anos na época e meu irmão, 13. Meu pai estava indo para um curso a trabalho e minha mãe tinha ido levar meu pai ao aeroporto. Naquele dia, ela pediu para uma amiga buscar a gente na escola.
Chegamos em casa, almoçamos e, após o almoço, a gente sempre disputava para ver quem ia usar o computador primeiro. Tínhamos apenas um computador em casa porque era algo caro.
Então, a gente terminava de comer e saía correndo para ver quem chegava primeiro ao escritório. E, naquele dia, meu irmão chegou primeiro.
Eu não costumava ficar no escritório enquanto ele usava o computador, mas, naquele dia, fiquei.
O Felipe gostava muito de jogar no computador e todo mundo conversava com outros jogadores durante as partidas. Quando ele ligou o computador, percebeu que o cabo das caixinhas de som, aquelas que ficavam externas, estavam soltos. Ele então foi conectar esse cabo.
Para ligar o cabo, ele tirou o CPU do compartimento em que ficava, colocou no chão e se deitou. Ele estava descalço e ainda usava o uniforme da escola.
Ao mexer nos cabos, ele levou um choque. E eu estava na frente dele.
No momento em que ele levou o choque, não conseguiu soltar a mão do computador, que estava com corrente elétrica, e ficou tomando choque grudado no CPU.
Ele falava: "Juliana". E tentava me mostrar que estava levando um choque. Falou meu nome três vezes e desmaiou. Desesperada, eu comecei a gritar: tinha só 11 anos, era uma criança, não sabia o que fazer naquela situação.
Tinha duas funcionárias em casa e elas logo vieram correndo, desesperadas. Começamos a procurar a chave padrão da energia do imóvel para desligar e socorrer meu irmão.
Saí no meio da rua, pedindo socorro para os vizinhos e a quem mais passasse na rua. Naquela época, eu nem sabia o que era morte e achava que meu irmão estava apenas desmaiado.
'Comecei a entender e a rezar'
Chamamos o Samu, mas ele estava demorando. Então, uma vizinha ouviu nosso desespero e veio correndo nos ajudar, lembro que ela estava de camisola, colocou a gente no carro e fomos ao hospital.
Eu fui no banco de trás, com meu irmão no meu colo. Vendo a gravidade da situação, a funcionária que estava com a gente no carro falou para eu tentar fazer uma respiração boca a boca no meu irmão enquanto ela tentava a massagem cardíaca. Não sabia como fazer, mas mesmo assim eu tentei.
As mulheres que trabalhavam em casa já haviam ligado para minha mãe e contado o que aconteceu. Do aeroporto, meu pai ligou para alguns amigos cardiologistas no hospital da cidade e, quando chegamos ao pronto-socorro, já havia médicos nos esperando.
Eles pegaram meu irmão e entraram correndo para reanimá-lo. Foi no hospital, vendo toda a movimentação, que comecei a entender que o que havia acontecido era grave e que meu irmão poderia morrer. Comecei a rezar.
Em questão de minutos, meus pais, tios e muita gente da minha família também chegou ao hospital. Foram 30 minutos dos médicos tentando reanimar o Felipe. E, de repente, veio um deles e nos avisou que meu irmão não havia resistido ao choque e faleceu.
Foi um baque gigante, a gente nunca havia perdido ninguém da família. E, de repente, eu perdi meu irmão de um minuto para o outro. Ele morreu na minha frente, no meu colo.
'Por muito tempo, me culpei'
Toda a família sentiu muito a perda do Felipe: ele foi o primeiro neto, era o primeiro filho dos meus pais.
Lembro que, no primeiro mês, nem televisão ligávamos em casa. Eu e minha mãe nos apegamos à religião para tentar superar aquela situação. Já o meu pai se apegou ao trabalho. Há dez anos, ele não fala sobre o assunto.
Por um tempo, eu me culpei pela situação, por não conseguir ajudar meu irmão. Mas, hoje, sei que se eu tivesse tentado puxá-lo eu também teria levado o choque.
Na adolescência, me cobrei muito, queria ser uma boa filha, com boas notas e não fazer com que meus pais se preocupassem comigo. Afinal, eles já sofriam demais pelo Felipe.
Com o passar do tempo, acredito que após uns cinco anos da partida dele, comecei a lidar melhor com a situação. Entendi que eu tinha duas opções: aprender a lidar com a falta dele ou sofrer pelo resto da vida.
Tentando superar meu luto, conheci o espiritismo e, cinco anos após a morte do Felipe, recebi a primeira carta dele psicografada. Ele dizia para eu não ficar buscando respostas, porque elas muitas vezes ainda não existem, mas acreditar que ele estava comigo o tempo todo, porque a nossa ligação é muito forte.
Após essa carta, recebi algumas outras e isso me ajudou a superar a falta dele, porque tenho certeza que ainda vamos nos reencontrar."