O que será feito em praia de SC que teve lotes vendidos por R$ 31,5 milhões
Maurício Businari
Colaboração para o UOL
18/11/2024 05h30
A Praia de Taquarinhas, última área natural deserta de Balneário Camboriú, teve terrenos leiloados pela Caixa Econômica Federal e adquiridos por uma empresa privada por mais de R$ 30 milhões. A venda foi marcada pelo desinteresse dos governos municipal e estadual na aquisição.
O que aconteceu
Seis lotes na região da praia de Taquarinhas, somando cerca de 600 mil metros quadrados, foram leiloados. A Caixa Econômica Federal vendeu a área por R$ 31,5 milhões, e a empresa vencedora, Biopark Gestão Sustentável, assumiu os terrenos sob a liderança de Marcos Gracher, empresário local.
Marcos Gracher, 46, é nascido em Balneário Camboriú e começou a trabalhar na juventude com o pai, empresário do ramo hoteleiro. Em 2006 inaugurou uma rede de academias, hoje com seis unidades e 300 funcionários. O empresário atribui a mudança de foco da gestão das academias para o turismo ecológico devido ao amor que sente pela natureza.
Tenho uma chácara, com vários animais. Um viveiro de araras, três lagos com peixes. Quando conheci o Parque das Aves, em Foz do Iguaçu, me apaixonei. Foi quando tive a ideia, de que eu poderia unir esse amor pela natureza com alguma forma de ganhar dinheiro.
Marcos Gracher
O empresário planeja um parque inspirado no Parque das Aves de Foz do Iguaçu, no Paraná. A ideia inicial é criar um espaço com trilhas ecológicas, mirantes e um viveiro para fauna local, promovendo turismo controlado e sustentável. Ele promete respeitar as restrições da APA (Área de Preservação Ambiental) Costa Brava, que protege a área.
Gracher defende a cobrança de ingresso para manutenção do parque. Para ele, a conservação do local demanda investimentos contínuos e, por isso, o projeto precisa ser financeiramente autossustentável. Ele considera o controle de acesso essencial para garantir a preservação: "Se fosse público, talvez não houvesse dinheiro suficiente para cuidar".
Praia é pública
A prefeitura não explicou porque não quis participar do leilão da área, mas reforça que a praia é pública e de acesso livre. Em nota, a Secretaria de Meio Ambiente de Balneário Camboriú esclareceu que a praia em si é um bem público; e que o decreto nº 9.346 de 2019 reconhece o local como de interesse social, impondo restrições a construções.
As áreas leiloadas são regiões de mata e morros, para além da linha costeira (área de marinha). Área de marinha é uma faixa de 33 metros a partir da linha do preamar médio, que se estende ao longo da costa e de algumas áreas próximas a rios e lagos, informa o Governo Federal. A linha do preamar médio é uma faixa imaginária que corresponde à média das marés altas obtida em um determinado período. Os terrenos de marinha são propriedades da União, mas em alguns casos podem pertencer aos estados e municípios.
Segundo o plano de manejo da área, o Conselho Gestor da APA Costa Braca analisará qualquer projeto destinado a Taquarinhas. A área é classificada como de proteção especial, permitindo apenas atividades como educação ambiental e ecoturismo. Qualquer proposta precisa de aprovação do conselho e de audiência pública.
A Caixa afirma que seguiu todos os procedimentos exigidos para a venda. Em nota, o banco explicou que o leilão foi realizado conforme a Resolução CMN nº 4.747 e que o processo foi aberto ao público. A Caixa enfatizou que não recebeu propostas de aquisição por parte do município ou do estado.
O UOL procurou o governo do estado de Santa Catarina para obter detalhes sobre seu posicionamento, mas até o momento não houve resposta aos questionamentos.
Falta de diálogo
Ambientalistas e a comunidade defenderam repetidamente a preservação pública da área. Desde 2008, o vereador André Meirinho (Progressistas) tenta evitar a venda, incluindo moções e diálogos com representantes políticos.
A comunidade espera que a preservação de Taquarinhas seja assegurada, segundo o vereador. A mobilização histórica, associada às restrições ambientais, gera expectativas para o local continuar como patrimônio ambiental. Meirinho e outros representantes acompanham de perto os próximos passos para garantir que a área mantenha sua integridade ecológica.
O vereador critica a falta de diálogo e transparência no processo de venda. Ele destacou que a comunidade não foi informada previamente e que o município poderia ter atuado para adquirir a área e transformá-la em parque público. Meirinho menciona que a venda foi um "balde de água fria" após anos de mobilização e conta que propôs inclusive que a Caixa patrocinasse o parque com seu nome, uma prática de "Naming Rights" baseada em sua tese de doutorado.
É inadmissível que a última praia deserta de Balneário Camboriú esteja nas mãos da iniciativa privada, sem garantias claras de preservação pública. Estamos falando de um patrimônio natural, que deveria ser protegido para as futuras gerações.
André Meirinho