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Morre Arlete Hilú, líder de esquema de tráfico de bebês nos anos 1980

Arlete Hilú foi acusada e confessou os crimes Imagem: Arquivo pessoal

Gabriel Toueg

Colaboração para o UOL

20/04/2024 04h00

Arlete Honorina Vitor Hilú, líder de um esquema que traficava bebês do Brasil para outros países nos anos 1980, morreu aos 78 anos no interior de São Paulo.

Fim da vida em casa de repouso

A morte de Hilú foi confirmada pela família. Ela morreu em dezembro de 2023, mas a informação só foi confirmada à reportagem nesta semana. A mulher vivia em uma casa de repouso em Porto Feliz (SP) desde 2016.

Ela tinha Alzheimer e já não estava lúcida em seus últimos anos de vida, segundo a família. A causa da morte, conforme consta da certidão de óbito, foi um "choque séptico de múltiplos focos" que teria evoluído a partir de uma infecção urinária e uma pneumonia. Ela era viúva e tinha dois filhos, de 39 e 56 anos.

Cerca de um ano antes, Arlete havia sido internada em estado grave. Segundo uma fonte próxima à mulher nos últimos anos, que pediu sigilo, Hilú nunca recebia visitas na casa de repouso e costumava vestir roupas emprestadas. A família informou que a mulher perdeu todos os seus bens quando a casa em que morava, em Balneário Piçarras (SC), foi inundada.

Líder de esquema

Arlete Hilú ficou conhecida na década de 1980 por comandar um esquema que sequestrava bebês de maternidades. O esquema também cooptava famílias pobres para entregar ou vender os filhos por valores irrisórios.

As crianças eram vendidas no exterior, principalmente em Israel e na Europa, por dezenas de milhares de dólares. Segundo a imprensa da época, um bebê brasileiro poderia valer até US$ 10 mil. Há casos registrados de casais que pagaram ainda mais.

A cidade de Curitiba foi o foco da atuação da quadrilha. Antes de atuar no tráfico, Arlete trabalhou na Penitenciária Estadual do Paraná, de onde foi demitida em 1981.

Hilú virou curadora especial de menores, em 1983, uma atividade ligada à Justiça do Paraná, e começou a se envolver no tráfico de crianças. Ela foi condenada por tráfico de crianças, falsidade ideológica, formação de quadrilha e por retirar crianças do Brasil ilegalmente.

Arlete foi presa duas vezes, em 1988 e 1992. Em uma entrevista de 2016, quando confessou os crimes, a mulher disse ter se divertido na cadeia.

'Mães assediadas na gravidez'

Ao longo dos anos 1980, a quadrilha de Hilú teria movimentado até 12 mil crianças brasileiras, segundo notícias da imprensa da época. Não há dados oficiais, mas a polícia fez inúmeras apreensões de bebês em residências de pessoas ligadas a Hilú, frustrando alguns casos. 37 pessoas da quadrilha chegaram a ser presas.

As diligências começaram quando um juiz estranhou o crescimento no número de adoções de crianças brasileiras por casais estrangeiros, explicou José Roberto Jordão, responsável por investigar o esquema nos anos 1980, em entrevista concedida em setembro do ano passado. Jordão era delegado-chefe da Polícia Civil em Foz do Iguaçu (PR). A cidade era usada pela quadrilha para tirar os bebês do Brasil e levá-los inicialmente ao Paraguai.

De repente, havia mais estrangeiros adotando do que brasileiros, e aquilo poderia representar uma possível irregularidade. As mães [biológicas] eram assediadas [pela quadrilha] a partir do segundo ou terceiro mês de gravidez.
José Roberto Jordão

O objetivo era forçar as mães a entregar as crianças quando elas nascessem. Na época, o crime de tráfico de crianças ainda não era tipificado no Código Penal, o que dificultava a condenação dos envolvidos, explica o delegado.

Jordão contou como a polícia chegou a Arlete:

Ficamos em campana e chegamos a uma mulher que disse que poderia conseguir uma criança por US$ 10 mil —com olhos escuros— ou US$ 20 mil —com olhos claros. Ela acabou levando os investigadores, disfarçados, a uma casa em que havia entre 5 e 6 crianças.

"Aí começamos a entender a profundidade da atuação da quadrilha e chegamos até Arlete Hilú", conta. O grupo, diz ele, já atuava havia ao menos dois anos quando as investigações começaram.

Embora atuasse em Curitiba, Hilú não costumava ficar muito na cidade, diz Jordão. "Ela ficava mais em Santa Catarina e no Rio de Janeiro." Jordão diz não acreditar no número de 12 mil crianças traficadas pela quadrilha de Arlete, mas afirma que "havia ramificações" no esquema.

Recorte de jornal de abril de 1986 sobre as investigações em torno da quadrilha Imagem: Reprodução/Acervo Folha de S.Paulo

Israel: maioria dos casos

Entre os países que "importavam" bebês brasileiros para adoção, o que teve mais destaque foi Israel. Não há dados oficiais, mas estimativas apontam que até 3 mil crianças brasileiras moram no país do Oriente Médio hoje, muitas delas traficadas pela quadrilha de Hilú.

Arlete foi presa no país em que boa parte das crianças traficadas vivia. A causa inicial da detenção, entretanto, não era diretamente relacionada ao tráfico: ela tinha um passaporte falso, em nome de Vilma Pereira de Oliveira, e ainda levava outros documentos de viagem, em branco. Hilú ainda seria acusada de ter recebido US$ 20 mil por um bebê brasileiro.

A notícia da prisão se espalhou rapidamente entre famílias adotivas. Quando Arlete se apresentou a um tribunal de Tel Aviv, dezenas de casais a esperavam para oferecer apoio. Era abril de 1986 e ela ficaria detida por 14 dias. A mulher acabou sendo expulsa e foi presa ao chegar de volta ao Brasil.

Bruna, de volta ao Brasil

Em 1986, um caso em particular chamou a atenção e causou comoção em Israel e no Brasil: a menina Bruna, de apenas 4 meses de idade, foi raptada por uma falsa babá da casa em que vivia em Curitiba. A mulher a entregou para a quadrilha, que a levou para o Paraguai e, de lá, para Israel. No país, foi adotada pela família Turgeman, que deu a ela o nome de Caroline.

Após a prisão da falsa babá, dois dias depois do sequestro, a polícia chegou a outro integrante da quadrilha, preso em 1987. Ele denunciou o esquema e contou que Bruna havia sido vendida por US$ 30 mil a um casal em Israel.

A mãe biológica de Bruna, Rosilda, enfrentou uma longa batalha, primeiro no Brasil, para saber o paradeiro da criança, e depois em Israel, para conseguir recuperar a filha. Com o patrocínio de um canal de TV britânico, Rosilda foi até Israel e entrou na Justiça para reaver a menina. Em 1988, a Suprema Corte de Israel decidiu pelo retorno da menina para Curitiba.

Atrás de respostas

Hoje, com idades entre 35 e 40 anos, crianças adotadas nos anos 1980 ainda buscam respostas. Elas querem saber quem são as famílias biológicas.

Lior Vilk, um israelense de 39 anos que aprendeu português e começou uma busca incessante, encontrou enfim a mãe biológica, então com 63 anos, em Blumenau (SC). O reencontro ocorreu em novembro do ano passado. Vilk foi sequestrado e seus documentos eram todos falsos. Quando reencontrou a mãe, graças ao cruzamento de DNA, o rapaz disse à BBC News Brasil que "a única verdade na minha história era a minha data de nascimento".

O caso de Vilk não está entre os mais comuns: na maioria dos casos, os jovens que vêm ao Brasil atrás de respostas voltam para casa sem saber mais do que sabiam quando chegaram. É o caso de Chen Levy Gavillon, que veio ao Brasil no início dos anos 2010 para tentar achar a mãe biológica. Ela só tinha o nome de um hospital de Bom Retiro (SC), onde teria nascido. Depois de visitar a cidade, a 140 km de Florianópolis, Chen chegou a um beco sem saída e não descobriu mais nada sobre os pais biológicos.

Chen e Vilk ficaram conhecidos no Brasil quando apareceram na novela Salve Jorge, exibida entre 2012 e 2013 na TV Globo. Em meio à trama, que tinha uma personagem nascida no Brasil, traficada e adotada na Turquia, os dois israelenses deram depoimentos emocionados sobre a busca pessoal deles. Outros adotados também apareceram no folhetim, dando visibilidade ao tema do tráfico internacional de bebês.

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