São Paulo: campanha defende obras emergenciais da prefeitura sob suspeita
Alvos de pedidos de investigação e criticadas por opositores do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), as obras sem licitação da gestão municipal têm sido defendidas em uma campanha que inclui exibição de faixas pela cidade e divulgação de vídeos nas redes sociais.
O que aconteceu
Um movimento social lançou, no fim de março, a campanha "Obras emergenciais salvam vidas". A iniciativa é do JIB (Juntos Independentes pelo Brasil), um grupo que diz promover "ativismo cívico-político" e tinha quase 30 mil seguidores no Instagram até terça-feira (23).
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Faixas com o mote da campanha foram instaladas em pelo menos quatro viadutos da marginal Tietê. Elas estão localizadas nas pontes Aricanduva, na zona leste, e Piqueri, do Limão e Vila Maria, na região norte.
O grupo tem divulgado entrevistas com moradores que se dizem satisfeitos com as obras. Uma delas foi gravada em uma vila em Itaquera, na zona leste, que tem casas construídas à margem de um córrego. Após anunciar que o local receberá uma obra emergencial, a apresentadora aponta para as casas e questiona: "Quem critica tanto as obras emergenciais moraria aqui"?
A campanha começou em meio a críticas às obras emergenciais. O primeiro post no Instagram foi em 29 de março. A reportagem viu faixas na marginal Tietê no mesmo período.
As obras são alvos de apuração em órgãos de controle. O MP-SP (Ministério Público de São Paulo) conduz uma apuração preliminar sobre possível conluio entre as empresas convidadas a executar as obras. O procedimento foi aberto após o UOL revelar, no início de março, que, de 307 contratos, pelo menos 223 têm indícios de combinação de preço entre as construtoras. São obras para contenção de encostas, intervenções em margens de rios, córregos e galerias pluviais, recuperação de passarelas, pontes ou viadutos.
Contratos na mesma família. A reportagem do UOL constatou, por exemplo, que três empresas pertencentes a membros da mesma família assinaram 38 dos 223 contratos, num total de R$ 751,1 milhões.
O movimento repete argumentos da prefeitura. No fim de fevereiro, ao ser questionado pelo UOL, o secretário municipal de Infraestrutura e Obras de São Paulo, Marcos Monteiro, defendeu que as obras são necessárias para preservar vidas na cidade. "Só o fato de não termos pessoas morrendo por conta de deslizamentos de encosta, cair casas dentro de córrego. Para a secretaria, assumir isso foi muito importante", declarou.
A ativista Rita Oliveira, fundadora do JIB, nega a intenção de defender a prefeitura. Procurada pelo UOL, ela afirmou que a campanha tem caráter nacional, ou seja, busca pressionar todos os gestores públicos a fazerem obras para "garantir a segurança habitacional" da população.
De 2021 a 2023, a prefeitura contratou mais de 300 obras emergenciais. São obras autorizadas por lei para casos de urgência ou de calamidade pública em que existe risco à segurança das pessoas, mas são feitas sem licitação. Isso permite que a prefeitura escolha livremente as construtoras que ficarão com os contratos. Em novembro, o UOL mostrou que Nunes havia gastado 295% mais em obras sem licitação que quatro prefeitos anteriores juntos.
Todos os anos morrem pessoas que moram em locais de risco no Brasil. O ideal é que as obras sejam feitas com planejamento a longo prazo, mas quando a casa está à beira do precipício tem que ser emergencial. Não dá para esperar.
Rita Oliveira, liderança da campanha "obras emergenciais salvam vidas"
Movimento tem militantes ligados ao PSDB
O JIB não tem relação oficial com políticos, mas parte das lideranças é ligada ao PSDB. Um dos integrantes, Roberto Mendes, faz parte do grupo "Tucanos com Nunes", ala do partido que apoia a reeleição do atual prefeito. Mendes, que é assessor da Secretaria de Subprefeituras, já participou de agendas públicas e privadas com o prefeito.
Outros integrantes do JIB trabalharam em uma campanha do PSDB em 2022. A fundadora Rita Oliveira e pelo menos outros dois membros do grupo fizeram "atividades de militância e mobilização de rua" para Rafael Postigo, um candidato a deputado estadual pelo partido. Postigo teve 910 votos e não foi eleito.
O grupo surgiu de uma dissidência do Vem pra Rua Jovem. Segundo ela, os membros iniciais eram da juventude do movimento Vem Pra Rua, que defendeu o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), mas também foi crítico ao governo Bolsonaro.
Segundo Rita, o JIB defende pautas — e não políticos. "Não estamos defendendo nenhuma gestão. Estamos defendendo a população mais carente, conscientizando a importância de se salvar vidas e de cobrar o gestor público, independente de quem for", disse ela ao UOL.
Já Roberto Mendes afirma que não atuou na campanha pró-obras emergenciais. O assessor da prefeitura, que faz parte do JIB, disse ao UOL que não colaborou com a mobilização, mas elogiou a ideia. "Tentam demonizar as obras emergenciais feitas pelo poder público com a ideia de que elas favorecem grupos, já que dispensam licitação. Mas não tem como licitar algo que precisa ser feito o mais rápido possível para evitar risco à vida das pessoas", afirmou.
TCM viu 'planejamento insuficiente' em obras
A gestão Nunes é recordista em gastos sem licitação. As despesas da prefeitura com essas obras saltaram de R$ 80 milhões em 2020, último ano antes do prefeito assumir o cargo, para R$ 2,87 bilhões no ano passado.
O aumento foi destacado pelo TCM (Tribunal de Contas do Município). Uma reportagem do UOL revelou que técnicos do tribunal apontaram, no fim do ano passado, que a prefeitura "agiu com insuficiente planejamento para o enfrentamento de problemas históricos da cidade" em cerca de 90% das obras analisadas.
A equipe de Nunes alegou que as obras ocorrem "pelo agravamento das situações de risco" e após os procedimentos legais. De janeiro de 2022 a novembro de 2023, a maioria das 298 obras era relacionada a córregos.
O tema é usado por adversários para fragilizar a gestão de Nunes. Os deputados federais e pré-candidatos à Prefeitura de São Paulo, Guilherme Boulos (Psol) e Tabata Amaral (PSB), por exemplo, têm questionado o gasto com obras sem licitação e apontado problemas de contratações.