Sem proteção, teria sido pior: como funciona sistema contra cheias no RS
O centro de Porto Alegre alagou pela primeira vez nesta semana após a construção do Muro da Mauá. Da década de 1970, a estrutura de concreto de 3 metros de altura e 2,6 km de extensão faz parte de um sistema de contenção de águas — que apesar de ter tido falhas pontuais, impediu um desastre ainda maior nesta semana.
A cidade tem 24 km de diques que margeiam a FreeWay até a Avenida Castelo Branco e seguem pela Avenida Beira Rio; e mais 44 km de diques internos, às margens dos arroios que atravessam a cidade. São 68 kms de diques, 14 comportas e 19 casas de bomba, de acordo com a prefeitura de Porto Alegre.
A função do sistema, construído ao longo dos anos 1950 e 1960, era evitar que os rios Guaíba, Jacuí e Gravataí transbordassem para a capital gaúcha.
Por que sistema foi construído?
Sistema de proteção foi pensado após a cheia de 1941, ano em que a cidade vivenciou sua maior enchente até então, com o nível da água atingindo 4,76 metros. Mais de 80 anos depois, às 11h desta segunda-feira (6), o nível do Guaíba estava a 5,26 metros.
A comparação não deveria ser só em termos de nível, a densidade populacional e as necessidades das pessoas naquela época eram outras. De qualquer forma, depois dessa cheia de 1941, foram muitos anos sem haver cheias significativas. Na década de 1960, houve outra cheia, que não chegou necessariamente perto, mas deu um susto enorme. Foi quando houve necessidade, pelo susto, de se criar esse sistema de proteção. Lucas Tassinari, engenheiro civil e professor da Unisinos
Segundo ele, quando se impede que a água do rio entre, esse escoamento gerado pela chuva sai por microdrenagem, depois levado à macrodrenagem. "Um exemplo é o Arroio Dilúvio, em Porto Alegre", diz.
"Para não ter transbordamento do Arroio para a cidade, foram construídos mais diques nos rios que chegam no Guaíba. Com diques que impedem o Guaíba de entrar e diques nas laterais impedindo que os rios vertam, temos também as chamadas poudas. Então, basicamente nós temos vários buracos em Porto Alegre cercados por diques."
Para a água sair da cidade, o sistema é completado por casas de bombas, canais e comportas. "Quando o nível do rio está alto, temos bombas que existem por causa desses diques, para jogar água nesses rios", explica. "Não se sabe até que ponto as bombas funcionaram adequadamente ou não, porque muitas delas estão debaixo d'água ainda", diz Tassinari.
Falhas foram parciais
Sistema, projetado com base na cheia de 1941, foi planejado para proteger a cidade de uma cheia de até 6 m. "Era para ele ter funcionado e não ter alagamentos em regiões que estamos vendo, como Quarto Distrito, Centro, Cidade Baixa", pontua o professor. "Aquilo vem do retorno de água das casas de bombas e teria que entender o porquê disso. Também tivemos o problema de as comportas não vedarem completamente a água, como a comporta 14, que rompeu", diz.
O consenso entre os especialistas é que, apesar das falhas do sistema (infiltrações e rompimentos de comportas), sem a proteção dos diques e comportas, o desastre teria sido ainda pior.
Na quarta-feira (1º), pesquisadores do Instituto de Pesquisas Hidráulicas alertaram que a cheia era muito grande. "Com base nesse alerta, foi feito o fechamento das comportas na quinta. O nível do Guaíba seguiu elevando até sábado, atingindo a marca de quase 5,30 m. Foi a maior cheia da história gaúcha, só que essa cota ainda está abaixo da cota máxima de proteção do dique, de seis metros", diz Rodrigo Paiva, professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).
Tivemos uma comporta que rompeu e outras comportas em que houve infiltração de água. Ou seja, esse sistema de proteção protegeu parte da cidade, e em outras partes, atrasou a cheia um dia, e há outras partes da cidade que ainda estão aumentando sua área afetada. Se não houvesse esse sistema, o desastre seria muito pior. Rodrigo Paiva, professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS
O professor afirma que, para a prevenção de novos desastres, é necessária a melhora do sistema e também sua manutenção. "Ele deve ser fortalecido. Tem quem defenda a utilização de outros sistemas, como a proposta de um sistema móvel. Mas seria um desastre porque não havia tempo hábil para sua operação, o nível subiu muito rápido e foi muito difícil fazer essa previsão com um ou dois dias de antecedência", pontua.
Outra coisa que deve ser trabalhada, diz o especialista, é um plano emergencial caso o sistema falhe. "Pessoas que moram nas áreas afetadas deveriam saber como agir nestes momentos, assim como áreas de reservatórios e barragens são obrigadas a ter esse plano de ação emergencial em casos de risco. Entendo que seria necessário esse mesmo tipo de instrumento para cheias naturais", diz o professor.
Ele aponta que estudos de projeção do impacto de mudanças climáticas apontam a região do Rio Grande do Sul como uma das áreas que serão mais afetadas por extremos hidrológicos e cheias.