RS: Bairro inteiro em Cruzeiro do Sul vira 'cemitério de casas e carros'
O maior bairro da cidade de Cruzeiro do Sul, que beirava o rio Taquari, no Rio Grande do Sul, com cerca de 500 moradias, não existe mais. O lugar, agora, é um grande cemitério de casas e carros, que se misturam com os escombros das casas arrastadas pela força da água.
O que sobrou das ruas e avenidas de Passo de Estrela ou está debaixo de lama ou está rachada e intransitável. Fiações elétricas e tubulações também foram destruídas. À beira do rio, estão pedaços de estofados, concretos, madeiras, vigas de ferro e carros de cabeça para baixo.
Ex-moradores do bairro disseram ao UOL, nesta quinta-feira (16), enquanto tentavam encontrar algum pertence, que a inundação pegou a todos de surpresa. Mas não apenas pela força e rapidez.
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Na verdade, a água entrou na cidade pela parte alta do bairro, descendo em velocidade e grande volume até se encontrar com o rio, formando ondas que chegaram a até dois metros de altura.
Enquanto trabalhadores limpavam a avenida principal do que restou de Passo de Estrela em tratores e caminhões, os antigos moradores se emocionavam ao falar sobre amigos e vizinhos que estão desaparecidos. Alguns deles teriam se recusado a sair de casa.
"Teve gente que morreu. Tentaram passar por cima do telhado, nunca passaram por isso. Tentaram escapar e não conseguiram escapar. Estamos procurando o pessoal até hoje", afirmou Leandro Grizotti, 46 anos, que mora no Centro de Cruzeiro do Sul, muito próximo de Passo de Estrela.
Grizotti tem uma pousada e uma lanchonete em Cruzeiro do Sul, mas do outro lado do rio, onde as casas foram invadidas pela água, a maioria ainda tem pilastras de pé. Nessa parte, voluntários e membros da Defesa Civil de Rodeio (SC) ajudavam moradores na limpeza nesta quinta.
Apesar de estar cercado de lama e concreto, ele é um dos moradores que não pretende deixar o local. "A gente se fez com essa esquina. Essa esquina deu muita alegria pra nós também. Vamos tentar dar mais uma tocada, mas o problema é que 60% da cidade está arrasada, tudo destruído", afirmou.
Ao citar o bairro vizinho de Passo de Estrela, Grizotti respondeu sem pestanejar: "Parece que largaram uma bomba, destruiu as casas. Parece uma cena de guerra, vocês vão se apavorar", disse.
Quando a gente vê as casas dos amigos, a gente chora. Perder tudo. E tem gente que não tem como recomeçar.
Leandro Grizotti
Ele estava certo. O motorista Dario Dúlios, 39 anos, tinha uma relação muito particular com o bairro de Passo de Estrela. Seu avô foi vereador em Cruzeiro do Sul. No passado, cedeu para seu pai e sua tia parte de um terreno à beira do rio, onde construíram suas casas há mais de três décadas.
Anos depois, a rua ao lado de onde toda a família vivia recebeu como homenagem o nome do avô ex-vereador. "Morei a vida inteira aí. Era um bairro bem tranquilo. Todo mundo se dava com todo mundo, não tinha roubo, não tinha nada", relembrou Dúlios.
Na tarde desta quinta-feira, ele foi até onde era sua casa para buscar três pedaços de palmeiras, que é pouco do que restou ao lado dos escombros. "Do quarto da minha filha não consegui tirar nada. Não deu tempo. Está tudo ali debaixo", disse.
Ainda não caiu bem a ficha. Já voltei três vezes aqui. Tinha a esperança de voltar para casa. Está todo mundo em estado de choque ainda. Tá todo mundo sem chão, não sabe como começar.
Dario Dúlios
Em uma dessas três vezes em que ele retornou, afirmou ter percebido que furtaram seu ar-condicionado e fiação elétrica, itens que ele tentava reaver para reconstruir sua vida em outro lugar.
"A gente pegou e tirou o que conseguiu e algumas coisas ficaram ainda. Consegui salvar uma cozinha que eu tinha ganhado e não tinha montado ainda. Tirei um guarda-roupa, um colchão, geladeira e fogão. O resto não deu tempo, a água veio muito rápido", conta.
Atualmente, ele, a mulher e seus dois filhos vivem com o pai de Dúlios, em uma região próxima, mas em um local mais alto. A casa tem dois quartos, um banheiro, sala e cozinha.
Ainda em choque, o motorista tem recebido algumas doações em dinheiro de amigos. "A gente conseguiu fechar um cantinho de madeira para a gente poder ficar dentro em breve. Só tentar conseguir um lar para dar para os filhos. Eu já estou com quase 40 anos. Então, deixar eles bem está bom já", avalia.