A gente não sabe o que pode acontecer amanhã, diz abrigado em Gramado
Mais de 1.000 pessoas na cidade de Gramado estão desalojadas após as fortes chuvas que atingiram todo o Rio Grande do Sul no último mês. A cidade viveu uma evacuação preventiva depois que as inundações tomaram o estado, e levaram 7 pessoas a óbito na zona rural.
Marcos Moreira, 38, que trabalha com saúde pública, dorme há uma semana em um abrigo localizado nas dependências da igreja São José Operário, no centro de cidade. Além dele, 20 famílias também estão abrigadas no local — totalizando cerca de 60 pessoas, entre homens, mulheres e crianças.
Abrigado, ele também ajuda como voluntário no mesmo abrigo. Na noite desta sexta (17), enquanto o termômetro da cidade marcava 11ºC, ele ajudava a levar para dentro da igreja doações que chegavam de carro, como marmitas e roupas.
Relacionadas
Ele foi orientado a deixar sua casa porque, na rua de cima, árvores e pedras começaram a deslizar barranco abaixo. "Então, a Defesa Civil achou melhor que a gente pudesse sair, ficar abrigado, até que o governo pudesse restaurar a parte de trás. O que foi a coisa melhor, para não tomar um susto", diz.
Moreira afirma que tirou o máximo possível de roupas e saiu de casa o quanto antes. "Móveis não peguei, porque não tinha muito o que tirar. A gente saiu meio de emergência", lembra. Ele vivia com seu cachorro — que, agora, está na casa de uma amiga.
Cada enchente, cada chuva que vem com bastante força, a gente não sabe o que pode acontecer amanhã.
Marcos Moreira
Ele classifica os voluntários e os "moradores" do abrigo como uma "família". "As pessoas se ajudam muito, a equipe é top", afirma.
Brinquedoteca
Enquanto pessoas necessitadas chegavam à porta do abrigo pedindo ou oferecendo ajuda, crianças — de recém-nascidas até pré-adolescentes — se dividiam em diversas brincadeiras.
Algumas brincavam com balões; outras, com bola. O salão principal tinha um cercado recheado de brinquedos para crianças menores de 3 anos. Do outro lado do abrigo, ficavam bonecas e carrinhos, para crianças um pouco maiores.
De uma sala fechada, com desenhos colados na porta, se escutava uma música da Galinha Pintadinha. Lá, seis crianças realizavam tarefas diferentes. Algumas assistiam a televisão, outras desenhavam ou disputavam jogos de tabuleiro.
"Muito brinquedo foi doado, porque as crianças saíram de casa também. Elas precisam disso. É importante também", afirmou o corretor de imóveis José Carlos Soares Sampaio, de 72 anos, que estava no abrigo atuando como voluntário.
Assim como em Gramado, na cidade de Muçum, no Vale do Taquari, pais que dormem momentaneamente em abrigos com crianças também relatavam a emoção de terem recebido brinquedos. Disseram que esse tipo de doação alivia a tensão dos meninos e meninas.
Coração apertado
Vera Lúcia Ferreira Tápia, 61 anos, vive em Gramado e trabalha com importação e exportação. Há duas semanas, ela deixou o marido e a filha de 25 anos em casa para ser voluntária, chegando de manhã e voltando para casa à noite.
"Me propus ajudar até o dia que a gente for tirado daqui. E faço isso com o coração. Acho que a gente tem que ajudar as pessoas. Às vezes, a gente chora também, mas bota um sorrisinho na cara e continua", diz, emocionada.
No abrigo da igreja São José Operário, ela cuida da parte dos mantimentos, na cozinha. Segundo ela, atualmente, faltam doações de lâminas, desodorantes, escova de dente e esponja de aço.
"A gente sabe que, com o tempo, as pessoas vão se acomodando e as doações vão diminuindo. Mas a gente, todo dia, põe lá na frente um cartaz do que tá faltando. E graças a Deus tem chegado."