Islamofobia cresce no Brasil com guerra em Gaza; vítimas relatam ataques
Sete meses após o estopim da guerra entre Israel e Hamas, demonstrações de intolerância religiosa contra muçulmanos têm se tornado mais comuns no Brasil.
O que aconteceu
Pesquisa da USP relatou aumento de islamofobia. Publicado no final de 2023, o relatório do Gracias (Grupo de Antropologia em Contextos Islâmicos da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da USP) indicou que 92,3% das mulheres e 84% dos homens muçulmanos perceberam um aumento na islamofobia no Brasil após os ataques do Hamas contra cidadãos israelenses, em 7 de outubro do último ano.
Ofensas ocorrem principalmente pela internet. Girrad Samour, presidente da Anaji (Associação Nacional dos Juristas Islâmicos), afirma que os agressores "acham que a internet é terra sem lei" e realizam seus ataques de maneira virtual. Em sua maioria, são xingamentos e ameaças pontuais, mas podem evoluir para perseguições e ataques físicos premeditados.
Advogada ouviu que "não é bem-vinda no Brasil", mesmo sendo brasileira. Amar Alrai, de 32 anos, nasceu no Brasil em família muçulmana. Durante sua vida, afirma que já ouviu xingamentos relacionados à sua religião e questionamentos exagerados quanto ao seu hijab. "Apontam o dedo na sua cara e tentam diminuir sua religião. Me chamaram de mulher-bomba, de terrorista. Falam para eu ir para meu país, mas esse é o meu país!", explica.
Associação de juristas recebeu 800% mais denúncias. Um levantamento de abril realizado pela Anaji mostrou que a associação recebeu 8 vezes mais denúncias em relação ao mesmo período no ano anterior. "Tratam o Islã como o mau, enquanto as escrituras pregam o bem, a paz. Dizem que a religião é satanista, que ataca cristãos. As pessoas são manipuladas", analisa Sammour.
Mulheres são maioria das vítimas. O relatório do Gracias indica que as mulheres relataram aumento de 70% em ataques islamofóbicos contra elas após o início da guerra. Sammour diz que a Anaji 70% das denúncias recebidas pela organização são feitas por mulheres. Os ataques se tornam mais comuns contra elas em lugares públicos, onde aparecem usando os diferentes tipos de lenço, como o hijab, a burca e a shayla.
Poder público falha com muçulmanos, avalia jurista. A Anaji atende muçulmanos alvos de preconceito invisibilizados pelas polícias. Segundo o presidente da associação, o poder público não costuma identificar os ataques sofridos pelos muçulmanos como islamofobia, e assim não permite que os culpados sejam devidamente punidos.
Sete de Outubro foi "gatilho", descreve pesquisadora. Francirosy Barbosa, coordenadora do Gracias, vê que o ataque do Hamas a civis israelenses serviu para aumentar a islamofobia no país, assim como os ataques de 11 de Setembro de 2001, nos Estados Unidos, mesmo que a quantidade de muçulmanos envolvidos em atos violentos seja mínima.
Islamofobia existia antes da guerra, aponta vítima. A influencer Fabíola Oliveira, de 35 anos, diz que recebeu ameaças em 2018: "diziam que sabiam onde eu morava, onde trabalhava, que era para eu parar de dar entrevistas, de falar sobre o Islam". Ela chegou a processar o agressor, mas diz que não teve bons resultados. Ela vê que "embora exista a lei, a Justiça não a leva muito em consideração".
"11 de Setembro foi um marco para a comunidade islâmica". A influencer considera que "há uma comunidade islâmica antes e outra depois do 11 de Setembro", justamente pelo evento ter reacendido a islamofobia.
"Fonte da islamofobia é ignorância", reflete pesquisadora. Francirosy Brabosa acredita que "na sociedade brasileira, falta conhecimento sobre o Islã. É preciso ensinar. Ocorre atrelamento constante ao terrorismo, o que é errado. Há um gap (vazio) de conhecimento que favorece a islamofobia. A imagem do outro é deturpada."
Impacto de intolerância religiosa é maior para muçulmanas que não nasceram na religião, considera advogada. Amar Alrai, que nasceu em família muçulmana, observa que há muito mais apoio e amparo para os nascidos no meio islâmico, o que reduz os danos da discriminação.
Vítima de discriminação: "religião e fé dão força". Alrai diz que se sente muito mal quando é atacada, mas que sua fé permite que ela siga em frente. "Às vezes penso se tudo isso vale a pena, mas lembro que é tudo por Deus", diz.
Aumento da islamofobia é alerta global, alerta ONU. Em março, o secretário-geral da ONU, António Guterres, descreveu a islamofobia como "uma praga que nega e ignora os islâmicos, muçulmanos e suas contribuições". Leia um trecho do discurso dele:
A retórica divisiva e a deturpação estão propagando estereótipos, estigmatizando comunidades e criando um ambiente de mal-entendidos e suspeitas. Isso pode levar a um aumento do assédio e até mesmo da violência direta contra os muçulmanos - relatos crescentes estão sendo relatados por grupos da sociedade civil em países de todo o mundo. Alguns estão explorando vergonhosamente o ódio contra os muçulmanos e as políticas de exclusão para obter ganhos políticos. Devemos chamar isso pelo que é. Ódio. Puro e simples.
António Guterres, sobre o crescimento da islamofobia no mundo