Cidade do MA sofre com crateras e mortes há 30 anos: 'Voçoroca levou tudo'

Em Buriticupu, no interior do Maranhão, moradores convivem com o avanço de enormes crateras há cerca de 30 anos. São as chamadas voçorocas, que são formadas pela erosão e crescem nas margens da cidade.

A cada dia que passa, 26 voçorocas levam um pouco da cidade. Já foram terrenos, casas e até pessoas.

'Levou tudo'

Mauro Barbosa, que mora em Buriticupu há 33 anos, teve um prejuízo de R$ 15 mil com a perda de um terreno. "Eu já fui afetado. No inverno de 2018, eu perdi um terreno de 10 m x 30 m por causa de uma voçoroca. Levou tudo", afirma.

Mauro Barbosa, morador de Buriticupu que teve prejuízo de R$ 15 mil com a perda do terreno
Mauro Barbosa, morador de Buriticupu que teve prejuízo de R$ 15 mil com a perda do terreno Imagem: Arquivo pessoal

O bairro onde Mauro vive, Santos Dumont, é um dos mais ameaçados. Ele afirma que já tentou fazer abaixo-assinado, procurou a prefeitura, mas ninguém o ajudou.

Em outra região, no Residencial Eco Buriticupu, uma voçoroca começou a levar parte das casas e até uma estação de tratamento de esgoto. Centenas de famílias vivem com o medo de perder tudo o que investiram e não se mudam por não terem outra moradia.

Moradores se uniram

Devido à falta de soluções pelo poder público, os buriticupuenses criaram uma associação para defender os direitos das famílias ameaçadas pelas voçorocas. Segundo o levantamento da associação, em 30 anos já são 70 casas engolidas pelos buracos.

"O prosseguimento da extração de pedras e madeira fez isso. Com a falta de canalização, a água das chuvas cai para as bordas e as voçorocas vão crescendo. São 26 voçorocas e não sabemos o que fazer. Os gestores só vão passando de um para o outro a responsabilidade" explica Isaías Neres, presidente da Associação dos Moradores das Áreas Atingidas pelas Erosões de Buriticupu.

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Terreno perdido por Francisco Monteiro
Terreno perdido por Francisco Monteiro Imagem: Arquivo pessoal

O avanço das voçorocas também afeta quem ainda não teve o terreno engolido. No bairro Terra Bela, que fica próximo ao bairro Santos Dumont, Francisco Monteiro conta que perdeu, no mês passado, o lugar onde trabalhava.

"A prefeitura derrubou a área onde eu trabalhava. Eu tinha saído e quando cheguei já estava tudo derrubado. Quem foi prejudicado fui eu. Nunca me procuraram para ao menos conversar", afirmou Francisco, que trabalha com açougues.

Segundo os moradores, as demolições realizadas pela Prefeitura de Buriticupu se intensificaram em 2023, quando vídeos das voçorocas viralizaram.

Então, foi realizado um mapeamento — um dos primeiros em 30 anos — das casas em áreas de risco. Cerca de 180 famílias em perigo foram identificadas e algumas tiveram que se mudar. No entanto, muitos reclamam que não receberam indenização ou aluguel social.

"O que eu tinha, eu perdi, e ninguém me ajudou", finaliza Francisco.

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Acidentes e mortes

Além do prejuízo material, as voçorocas também já provocaram sete mortes, de acordo com a associação dos moradores afetados. Nos anos 1980, uma idosa faleceu em uma das voçorocas, que ficou conhecida como "grota da velha", em referência à vítima.

Mais recentemente, em outubro de 2022, durante uma forte chuva, Márcio Costa Araújo foi levado pela água para dentro de uma das crateras que alcança a rua João Moreira, no bairro Terra Bela.

O ex-PM José Ribamar Silveira caiu de uma altura de 80 metros
O ex-PM José Ribamar Silveira caiu de uma altura de 80 metros Imagem: Arquivo pessoal

Em outro caso, em maio de 2023, o policial militar aposentado José Ribamar Silveira caiu de uma altura de 80 metros quando manobrava uma caminhonete em uma região mal sinalizada.

"Estava havendo um festejo na cidade, no 1º de maio. Eu saí por volta das 2h e peguei um atalho para ir pra casa. Me deparei com algumas cercas de arame, mas quando fui dar a ré, caí na voçoroca porque não tinha nenhuma sinalização. Nem sabia que tinha voçoroca ali", declarou o ex-tenente.

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Ele sobreviveu ao acidente, mas passou vários dias internado com um braço quebrado e uma fratura exposta no pé esquerdo.

O que deve ser feito?

Augusto Campos é mestre em Geografia e pesquisou as voçorocas de Buriticupu. Além do desmatamento, ele afirma que a falta de obras de drenagem e o próprio solo da cidade favorecem o processo de erosão.

"Dentre algumas medidas importantes, estão a remoção temporária dos moradores que se encontram nas áreas de risco, adequação do sistema de drenagem pluvial e esgoto, a fim de evitar o direcionamento do fluxo para as encostas. Também é preciso realizar obras de contenção de encostas e projetos de educação ambiental visando sensibilizá-los a evitar a ocupação de áreas impróprias e sobre a disposição do lixo", explica.

Governo federal esteve em Buriticupu

Em março de 2023, após os vídeos viralizarem, a Defesa Civil Nacional esteve em Buriticupu para ver de perto as voçorocas. Na época, o governo federal decretou estado de calamidade pública e disse que começou a traçar, junto ao município, uma estratégia de gestão do desastre, sendo repassados R$ 423 mil para a demolição de 89 casas danificadas ou destruídas pelas voçorocas.

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Em nota ao UOL, o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional também informou que disponibilizou recursos para a reconstrução de 89 Unidades Habitacionais, e está em fase de execução.

De acordo com o governo federal, o município recebeu a 1ª parcela de recursos em 27 de março, no valor de R$ 3.366.104,24, mas as casas ainda não foram entregues.

Desde o ano passado, a Prefeitura de Buriticupu realizou algumas ações de sinalização em voçorocas, mas ainda há crateras mal sinalizadas, segundo os moradores. Além disso, a prefeitura iniciou a primeira obra de contenção de uma voçoroca, próximo de uma estrada que leva a dois povoados.

No entanto, a prefeitura não se pronunciou sobre as reclamações acerca da entrega das casas, falta de aluguel social para moradores e planos para conter e sinalizar todas as voçorocas.

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