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'Assaltado, tropecei correndo e acordei 13 dias depois sem parte do rosto'

Do UOL, em São Paulo

24/07/2024 04h00

O empresário André Gayoso, de 33 anos, vivia uma grande conquista profissional no dia 15 de outubro de 2022. No final da noite, ao sair do último compromisso, no centro de São Paulo, foi surpreendido.

André não sabe ao certo o que aconteceu: sua última lembrança é estar a caminho de um carro de aplicativo. O que aconteceu depois ele reconstruiu em sua memória, com base no que pessoas que estavam presentes contaram.

Ao que tudo indica, ele tropeçou ao correr em reação a um assalto. A queda arrancou sua mandíbula e quebrou seis dentes. Ao UOL, ele conta a sua história.

'Acordei na UTI'

"Eu tenho uma marca de óculos e tinha acabado de montar a primeira armação com as especificações e os materiais que eu queria. Naquele dia, saí para mostrar para a galera e pegar feedbacks.

Foi um dia caótico, estive em uns sete lugares diferentes —o último era um bar na região central de São Paulo. Saí de outro bar, em Pinheiros, onde fiz minha primeira postagem sobre os óculos, e fui.

Quando vi a fila quilométrica, nem entrei. Dei uma volta no quarteirão e vi que estava muita muvuca. Estava vidrado no celular, acompanhando a repercussão [da postagem].

Só lembro de estar entrando no Uber e, depois, acordar na UTI. Não tem nada entre esses dois acontecimentos, não tenho a menor memória disso.

O que eu sei é o que me falaram que aconteceu, o que me contaram. Alguém passou de bicicleta e puxou meu celular. Como eu sempre corri muito, achei que dava conta de alcançar a pessoa correndo. Mas eu tropecei e caí de cara em uma barra de metal.

É o que faz sentido olhando as minhas cicatrizes. Se você olhar de certo ângulo no meu rosto, você vê que 'um quadrado' saiu —além da cicatriz no olho e na testa, onde pegaram as quinas. O impacto arrancou minha mandíbula.

Eu imagino que o tênis que eu estava usando, que não era próprio para corrida, tenha saído do meu pé. Um pessoal me acudiu e eu fui levado para a Santa Casa de São Paulo.

Ele tem uma marca de óculos em São Paulo Imagem: Reprodução/Redes sociais

Também levaram a minha mandíbula em um saco de gelo, mas não recolocaram. Meus pais me localizaram 16 horas depois e fui transferido para um hospital particular. Minhas lesões principais foram na mandíbula e nos dentes.

Eu perdi pele e, para cobrir, pegaram um pedaço do meu antebraço para tentar fechar a ferida. Não funcionou, o retalho morreu, e fizeram um novo com um pedaço do meu ombro. Só acordei 13 dias depois, no dia 28 de outubro.

'Não conseguia falar'

Eu não tinha espelho, não tinha câmera de selfie. Não conseguia ver o que tinha acontecido, mas fui colocando o dedo e estava sangrando. Não conseguia mexer o braço e o ombro esquerdos porque estava recém-operado.

O mais complicado foi que eu não conseguia falar, estava com a traqueostomia. No primeiro dia me trouxeram uma prancheta, mas eu só queria dormir e não queria saber o que tinha acontecido.

No dia seguinte, meu tio, que é ortopedista e assistiu às cirurgias, me contou tudo o que foi feito. E aí entendi a gravidade da situação. Foi extremamente complexo. Eu não sentia cheiro, não sentia gosto. Minha boca estava presa por metais.

Reaprender a respirar foi mais difícil do que imaginei, porque eles desinflam um 'balão' que fica dentro da traqueia para o ar passar. Você volta a sentir cheiro, a falar. Foi ainda mais difícil porque, além de tudo, estava sem um pedaço da boca.

Na UTI, tinha visita apenas uma hora por dia. Ficava sozinho a maior parte do tempo, não conseguia falar com ninguém, não podia andar, um tédio gigantesco. Estava muito desesperado por algum tipo de interação.

Um vídeo que meus amigos me mandaram mudou tudo —foi maravilhoso e me deu forças para lutar. Quase dois anos depois, ainda faço muitos acompanhamentos: fonoaudióloga, fisioterapeuta, tudo.

'Parte da sua identidade vai embora'

Imagino que não tem uma pessoa na Terra com parte da face destruída que não teve a autoestima abalada. Por sorte, minha autoestima é extremamente alta —nunca foi baixa. Então, acabo não pensando tanto nisso.

É complexo porque, quando você tem um pedaço do seu rosto que vai embora, é parte da sua identidade que vai embora junto. Eu sempre soube do risco de ser assaltado, mas não imaginava que as consequências pudessem ser tão severas.

Brinco que fiquei a cara de um vilão do James Bond porque acho que tudo precisa de um pouquinho de humor.

Meu acidente foi bem próximo do acidente do ator Jeremy Renner, que interpretou o Gavião Arqueiro da Marvel [ele foi atropelado por um veículo de neve]. Ele diz que falar sobre o assunto é catártico para ele, o ajuda a melhorar, e eu sinto a mesma coisa.

Tenho um problema com a aflição que causo nas outras pessoas —esse é o meu problema de falar sobre isso. Acabei demorando para me expor na internet, mas depois que comecei com os vídeos, algumas pessoas me procuraram e fico feliz em ser inspiração para elas.

Acho muito interessante que, querendo ou não, meu trabalho é com a face. Eu desenho óculos, projeto óculos e analiso o rosto das pessoas. É quase poético trabalhar com isso e sofrer uma lesão tão séria no rosto.

O rosto é a parte mais importante, onde todo mundo mais olha. As pessoas se identificam pelo rosto. Eu perdi parte da minha identidade, mas ajudo as pessoas a criarem a identidade delas mesmas por meio dos óculos."

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