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Policial penal que matou jovem segue no cargo quase 2 meses após o crime

Do UOL, em São Paulo

22/08/2024 05h30

Quase dois meses após o policial penal William Lopes dos Santos, 42, atirar e matar David Alexandre Castorino Moreira, 23, em uma loja de jogos caça-níquel em Belo Horizonte, o servidor estadual permanece na ativa e ocupa o mesmo cargo. A família da vítima cobra prisão e fala em sensação de impunidade.

O que aconteceu

O crime ocorreu no dia 28 de junho deste ano e foi registrado por câmera de segurança. David Alexandre foi morto logo após xingar a esposa e a filha do policial de "barangas". O crime ocorreu enquanto a vítima trabalhava no bairro Copacabana, região de Venda Nova, em Belo Horizonte.

Processo administrativo em desfavor do servidor foi instaurado no mesmo dia do crime. Segundo a Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública), um procedimento administrativo na Corregedoria apura a conduta do policial penal. O processo está em andamento. "O servidor permanece na ativa, de forma legal, até que todos os trâmites sejam finalizados ou se houver determinação judicial para afastamento", informou a secretaria ao UOL.

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No âmbito criminal, a investigação, que já dura quase dois meses, é de responsabilidade da Polícia Civil. Em nota, a corporação não deu detalhes do caso, mas explicou que o inquérito policial segue em tramitação no DHPP (Departamento Estadual de Investigação de Homicídios e Proteção à Pessoa).

Segundo a Sejusp, a apuração da Corregedoria pode durar até 60 dias. Enquanto isso, o servidor permanece na função para a qual prestou concurso público. William Lopes dos Santos é policial penal efetivo desde junho de 2017. Entre dezembro de 2013 e dezembro de 2016 foi agente de segurança penitenciário contratado. William está atualmente lotado na Penitenciária Nelson Hungria, em Contagem (MG).

O que diz a defesa

Defesa diz que Willian Lopes exerce o direito de responder em liberdade e que lamenta a perda da família. "Agradecemos a oportunidade de falar, o Sr. Willian está exercendo o direito de responder ao processo em liberdade, tem colaborado com as investigações, existe um inquérito em andamento e tudo está seguindo o devido processo legal, lamentamos a perda da família, por enquanto vamos aguardar a conclusão do inquérito sem novas manifestações", diz nota enviada por Kenia Ferreira, advogada do servidor estadual. O texto não cita a permanência de Willian no cargo.

Família cobra celeridade na investigação

Família cita impunidade e questiona por que o policial penal está solto. "Eu fico imaginando aqui se fosse ao contrário. Se fosse o meu filho que tivesse assassinado esse policial. Ele seria preso e o julgamento já estaria marcado", afirma Glayson Moreira, 47, pai de David.

Pai destaca que não quer vingança, mas justiça. "Eu espero que a Justiça o prenda. Não estou atrás de vingança", afirmou. Glayson diz que os dias têm sido difíceis desde a morte do filho. "Olha, não é fácil não, sabe, a gente assimilar tudo da forma covarde que foi, e saber que a pessoa que fez isso ainda se encontra em liberdade, trabalhando. Isso aumenta mais ainda a dor aqui dos familiares", acrescenta.

Glayson comenta que não tem medo do policial penal. Ele conta que o servidor mora próximo da sua casa, mas isso não o afeta. "Porque eu acho que o mais valioso de mim ele já tirou, que é meu filho", lamenta.

A diarista Márcia Martins Castorino, 43, mãe de David, conta que morava perto do local do crime e que preferiu mudar de endereço. "Estava me fazendo mal, me lembrava toda hora, quando ia ao comércio era perto do trabalho dele", afirma.

A mãe denuncia que a investigação está lenta. Ela e o ex-marido contrataram advogados para acompanhar o caso. "Sensação de impunidade acaba destruindo a gente. É saber que o tempo está passando e as coisas estão da mesma forma", cita.

Ela, que tem outra filha, precisou voltar ao trabalho para poder arcar com as despesas da casa. Mas diz que em determinados momentos, não sabe de onde tira forças para continuar trabalhando.

Márcia critica o servidor ter autorização para continuar portando uma arma. "Como pode uma pessoa estar trabalhando com a arma nas mãos, se com a própria arma que ele estava nas mãos ele tirou a vida do meu filho?", questiona.

"Era um menino do bem"

Câmera de segurança gravou momento em que David Alexandre Castorino Moreira foi executado Imagem: Arquivo familiar

David sempre foi apaixonado por tecnologia e jogos eletrônicos. Por isso, escolheu trabalhar em lojas que tinham equipamentos desse segmento. "Era o que ele gostava de fazer", lembra o pai.

O jovem tinha uma esposa e estava reformando uma casa para os dois. O terreno foi cedido pela sua avó paterna. "Ele estava construindo aqui no espaço que a minha mãe deu para ele, tinha acabado a reforma da cozinha, estava tão feliz", diz Glayson.

David quase ficou cego e precisou fazer uma cirurgia. Na adolescência, a mãe lembra que o filho foi diagnosticado com ceratocone, uma doença definida pelo afinamento e aumento progressivo da curvatura da córnea (a parte transparente que fica da frente do olho).

Casa que David estava construindo para morar com a companheira Imagem: Cedido ao UOL

A visão ficou quase 100% comprometida, segundo a mãe. Márcia lembra que o filho tropeçava e se envolvia em brigas porque muitas pessoas não entendiam a condição dele. "Eu entrei em desespero. Como mãe, procurei ajuda para pagar o tratamento particular", destaca.

Vaquinha com membros da família arrecadou dinheiro para a cirurgia de David. "Ele voltou a enxergar. Disse que se sentia digno a partir disso". Mas mãe diz que problema na visão comprometeu o empenho do filho na escola. Mas ela garante que ele era um jovem trabalhador e sempre muito dedicado. "Conversava todos os dias por telefone. Era um menino do bem, amoroso, visitava a família sempre", afirma.

Relembre o crime

David Alexandre Castorino Moreira foi morto no dia 28 de junho. Ele foi assassinado a tiros logo após ele ter xingado a esposa e a filha do policial penal de "barangas".

Ele teria chamado uma menina de 17 anos para sair. A adolescente, filha do servidor, recusou e disse que contaria para a ex-companheira dele. Em seguida, David começou a chamá-la de "baranga".

Briga por mensagem. À polícia, parentes de David afirmaram que ele trocou mensagens com a garota, de 17 anos, após uma briga com a namorada. O intuito seria "fazer ciúmes".

Ainda por mensagem, a mãe da jovem repreende David e pede para que ele pare de incomodar a filha dela. David também chamou a mulher de baranga e a mandou "fazer uma janta".

Mensagens teriam sido enviadas pela esposa do policial penal Willian Lopes dos Santos. Os áudios e prints aos quais o UOL teve acesso mostram que a mulher teria pegado o celular da filha para responder a ofensas cometidas por David. Esta é a versão sustentada pela família da vítima.

A minha filha não é chacota para você entrar no 'zap' dela e ficar esculachando ela de nome não. Ela nunca teve nada com você, você é namorado da amiga dela, você resolve a sua vida com a sua namorada e para de insultar minha filha que eu não estou gostando disso.
Mensagem recebida por David antes de ser morto

Câmera de segurança da loja registrou o crime. Nas imagens, é possível ver que William Lopes dos Santos entra no local e confronta o jovem.

Ele levou coronhadas e reagiu às agressões antes de ser baleado. William fugiu do local após atirar em David, mostram as gravações.

Policial penal se apresentou à polícia quatro dias após o crime. Ele foi ouvido na presença de um advogado e liberado em seguida, informou a Polícia Civil.

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