Suspensão de remédio para doença rara frustra famílias: 'Meu único filho'
A busca de Michele Garcia, 33, por mais qualidade de vida para o filho Pedro Henrique, 7, sofreu um revés na última quarta-feira (28). O ministro Gilmar Mendes, do STF, atendeu a um pedido da União e suspendeu liminares que obrigavam o Estado a pagar por um remédio avaliado em cerca de R$ 17 milhões para tratar a DMD (Distrofia Muscular de Duchenne).
Ela esperava receber a quantia da União em breve para iniciar os trâmites burocráticos de importação do "Elevidys" após uma decisão favorável na Justiça de São Carlos, interior de São Paulo, no mês passado. "A gente tem um grupo no Whatsapp de mães e pais que estão na batalha para ganhar o remédio. Assim que saiu a notícia, postaram no grupo e todo mundo ficou apreensivo", disse ao UOL.
O ministro acatou parcialmente ao pedido apresentado pela AGU (Advocacia-Geral da União). Gilmar Mendes determinou a suspensão das liminares favoráveis, exceto para casos em que a criança complete 7 anos nos próximos seis meses ou em decisões proferidas por ministros do STF. Pedro Henrique não se enquadra em alguma das duas situações, por isso, é um dos nove atingidos diretamente pela determinação.
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"Estava tão perto de conseguirmos, e agora criaram essa barreira. Foi bem difícil quando soube; um balde de água fria", lamentou Michele.
Após a publicação da reportagem, o ministro Gilmar Mendes publicou uma nova decisão nesta terça-feira (3) em que amplia as exceções à determinação anterior. Com isso, a família de Pedro Henrique já pode receber a quantia para comprar o remédio. "Como o intuito da decisão é resguardar o direito à saúde dos menores, entendo que as crianças que já contam com 7 anos de idade completos também não serão afetadas pela decisão", escreveu na decisão.
A União ressaltou que, ao todo, há 55 ações em curso sobre o custeio do medicamento pelo Estado, o que levaria a um gasto de aproximadamente R$ 1,1 bilhão se esses pedidos fossem atendidos. O ministro do STF também concordou com a AGU em aguardar os desdobramentos da audiência de conciliação que está em andamento para chegar a uma solução sobre o Elevidys.
As reuniões acontecem no âmbito de uma dessas ações. Participam do debate representantes do Ministério da Saúde, Anvisa, SUS, farmacêutica Roche Brasil - responsável pelo pedido de registro do medicamento -, além dos hospitais Vera Cruz (Campinas) e Infantil Sabará (São Paulo) - habilitados para a aplicação do Elevidys no Brasil -, MPF e a família do autor da ação.
Pedro é o nosso único filho. Fizemos tratamento para engravidar, foi uma criança muito desejada. Esse remédio é a única forma de conseguir salvar meu filho, dar um futuro para ele como qualquer outra criança tem
Michele Garcia
Remédio é aprovado nos EUA
A busca pelo Elevidys no mundo ganhou força após a FDA, agência reguladora dos EUA, aprovar, em julho do ano passado, o uso do tratamento em crianças com idade entre 4 e 5 anos. Em junho deste ano, a entidade concedeu ao medicamento a aprovação tradicional, ampliando a cobertura para crianças com idade igual ou superior a 4 anos.
Apesar do tratamento ainda não ter sido aprovado pela Anvisa, a própria agência brasileira reconhece o que chamou de "inovação da terapia avançada", em citação utilizada na decisão do ministro Gilmar Mendes. O Elevidys é aplicado em dose única, intravenosamente, introduzindo um gene terapêutico nas células musculares para combater a doença degenerativa.
Na primeira reunião da audiência, no dia 14 de agosto, o Ministério da Saúde sugeriu à Roche Brasil a inclusão do medicamento no programa de acesso expandido ou uso compassivo, da Anvisa. A iniciativa disponibiliza medicamentos novos e promissores, ainda sem registro, contra doenças graves. A farmacêutica disse que precisaria consultar a sede internacional da empresa, na Suíça, sobre as propostas apresentadas e deve trazer um retorno em nova audiência no próximo dia 30.
A Anvisa informou, durante a reunião, que o pedido de registro feito pela Roche Brasil para crianças de 4 a 7 anos está em fase final de análise. O órgão aguarda que a empresa cumpra algumas exigências. Durante a audiência, também foi discutido a possibilidade do Ministério da Saúde comprar o medicamento diretamente, sem intermediação de uma importadora, o que supostamente reduziria os custos.
Por meio de nota enviada ao UOL, a Roche Brasil diz que o pedido foi feito à Anvisa em outubro do ano passado e ressalta que é "fundamental respeitar as etapas necessárias para a aprovação regulatória". A farmacêutica também criticou a "judicialização" do debate. "Prejudica a sustentabilidade do sistema e não garante o amplo acesso aos pacientes. Por essa razão, tem por prática estabelecer contratos centralizados, sempre que possível, via Sistema Único de Saúde, como forma mais sustentável de garantir o amplo acesso aos pacientes".
A Anvisa informou que o pedido do Elevidys é tratado como prioritário na agência. O órgão chegou a permitir que a Roche Brasil enviasse a documentação parcial em outubro de 2023. Os dados de estudo clínico, "imprescindível para a tomada de decisão quanto à segurança e eficácia do produto", só foram enviados em março deste ano. O Ministério da Saúde não enviou posicionamento.
'Não temos muito tempo'
A família de Richard Santos, 5, também havia conseguido uma decisão favorável para o financiamento do medicamento e foi atingida diretamente pela determinação do ministro Gilmar Mendes. Em entrevista ao UOL, o pai do menino, Rubens Santos, 55, diz que recebeu a notícia com tristeza.
"Precisamos desse remédio para ontem, não temos muito tempo. Meu filho está perdendo a qualidade de vida, não quero que ele morra", desabafou o morador de Palmeira dos Índios (AL).
A advogada Camila Vernasqui disse que já havia terminado o prazo para a União depositar o valor em juízo. Ela chegou a cobrar o pagamento na Justiça antes da decisão de Gilmar Mendes.
Camila e a também advogada Daniela Avila Forti representam as duas famílias nos processos. Elas afirmaram que vão recorrer para garantir o fornecimento do Elevidys, levando em consideração também que Pedro Henrique já tem 7 anos, idade-limite para a aplicação do medicamento.
A professora Elaine Minatel, doutora em biologia celular e estrutural pela Unicamp, explicou ao UOL que os primeiros sintomas costumam aparecer na criança, predominantemente em meninos, aos 4 anos. "Sinais precoces, incluindo capacidade tardia de sentar, dificuldade para se levantar e ficar de pé e dificuldades para aprender a falar".
Segundo a especialista, a maioria dos pacientes se torna dependente da cadeira de rodas por volta dos 10, 12 anos. "Com o cuidado ideal, a maioria dos pacientes com DMD apresenta uma expectativa de vida entre 20 e 40 anos".