Ondas de calor, chuvas e fogo: está mais difícil fazer a previsão do tempo?
Ondas de calor, secas atenuantes e chuvas extremas, tudo amplificado pelos focos de incêndio. Os fenômenos meteorológicos estão cada vez mais frequentes e intensos — resultado do aumento médio da temperatura da terra, que tem causado uma série de mudanças climáticas. Com tantas variáveis, nem sempre a previsão do tempo traz com exatidão o que pode acontecer. Mas, isso significa que está mais difícil prever o tempo?
O que está acontecendo?
Ainda é possível prever eventos climáticos extremos, mas talvez não a magnitude deles. Especialistas ouvidos pelo UOL afirmam que as ferramentas de previsão do tempo também evoluem, facilitando a identificação de condições climáticas extremas. No entanto, ainda há desafios, já que eles estão cada vez mais frequentes devido às mudanças climáticas.
Os eventos extremos e com tempo de recorrência alto -- aqueles eventos que realmente fogem a curva -- sempre foram um desafio para a meteorologia e agora isso ocorre com uma maior frequência, mas as ferramentas têm evoluído da mesma forma, então elas têm nos auxiliado. É claro que os eventos extremos de curta duração localizados, como um tornado, trazem um desafio maior e principalmente no aspecto da coragem de fazer o alerta e de fazer esse prognóstico e torná-lo público. Cada vez mais, quando aparece um sinal de algo fora da curva nos modelos atmosféricos, a gente desconfia menos, porque realmente esses eventos extremos têm se tornado mais frequentes.
Estael Sias, meteorologista do MetSul
Os modelos de previsão meteorológica são normalmente calibrados para prever os fenômenos que sempre existiram, então a grande parte desses modelos não consegue prever a magnitude daquele evento extremo. Eles preveem que vai acontecer uma onda de calor, uma seca, uma chuva de grande volume, mas não conseguem prever os recordes. (...) As previsões estão ficando um pouco mais voláteis, ainda que todos os sistemas de previsão meteorológica estão melhorando ano a ano. Os modelos matemáticos estão melhorando, mas existe essa volatilidade em função dos extremos climáticos terem atingido um recorde em 2023 e 2024 que não se previa.
Carlos Nobre, climatologista
Nesse ano, a Terra bateu recorde de calor pelo 13º mês seguido. Junho foi o mais quente já registrado, disse o serviço de monitoramento de mudanças climáticas da União Europeia. Todos os meses desde junho de 2023 foram classificados como os mais quentes do planeta desde o início dos registros. Os dados mais recentes sugerem que 2024 poderá superar 2023 como o ano mais quente desde que os monitoramento começou. Pesquisadores explicam que essa mudança pode ser provocada tanto pelas alterações climáticas causadas por ação humana quanto por fenômenos climáticos naturais, como o El Niño.
O Brasil, por si só, já é um país onde a previsão do tempo é difícil de ser mensurada. Pela extensão continental do território, o Brasil acaba por ser uma região onde existem muitos microclimas — inclusive em um mesmo município. Além disso, há regiões de latitudes médias, onde os fenômenos climáticos nascem. "Então realmente tem que ter um conhecimento diverso para conseguir fazer a previsão para todo esse território", opina Sias.
Os fenômenos são mais difíceis de prever com exatidão nos períodos de transição, seja no outono ou na primavera. Então, essa acredito que seja a condição mais importante de nível de dificuldade, porque as mudanças ocorrem justamente por estarmos num período de transição com grande oscilação de temperatura e a variação de temperatura que ajuda a formar ciclones, frentes frias. E, dependendo da velocidade que isso acontece, será mais ou menos rápido.
Estael Sias, meteorologista do MetSul
Os desafios para melhorar a previsão de tempo no Brasil estão também no sentido de começar a ver como, por exemplo, explodiram as queimadas. Uma das maneiras seria, por exemplo, na hora que começam as queimadas, os modelos de previsão conseguirem colocar nos modelos o que o ar cheio desses poluentes, dessas fuligens, dessas partículas, e o que isso significa na absorção de radiação solar, na diminuição de núcleos de condensação das gotículas, das nuvens e uma série de outros aspectos.
Carlos Nobre, climatologista
Incêndios influenciam no tempo?
Sim. Nobre explica que os eventos de seca e de ondas de calor, muito mais frequentes pelas mudanças climáticas, estão tornando a vegetação mais inflamável. Com os incêndios florestais, causados em sua grande maioria pela ação humana, há uma formação de poluição na atmosfera que interfere tanto na questão da previsão de temperatura, quanto na transição de estações da Amazônia. E, pelos modelos meteorológicos não considerarem o fogo, não é possível prever com exatidão o tempo que está por vir.
Essa grande poluição faz com que as fuligens das queimadas não deixem a radiação solar passar como ela normalmente passa. Então, os modelos preveem temperaturas até um pouco mais altas do que acontecem porque diminui um pouco a radiação solar que chega na superfície. Além disso, na Amazônia, quando tem muitas queimadas, essas partículas da queima da vegetação não funcionam como núcleos de condensação das gotas de nuvem. Então, já há estudos que mostram uma tendência até diminuir a chuva nessa transição da estação seca para a chuvosa. E isso também os modelos não captam porque não têm a previsão dessas partículas das queimadas.
Carlos Nobre, climatologista
A fumaça do fogo pode até interferir na incidência de raios — gerando mais um desafio para as previsões. Segundo Sias, grandes incêndios florestais conseguem movimentar a eletricidade da atmosfera. Raios são resultados da distribuição de cargas elétricas na atmosfera e as nanopartículas das fumaças interfere diretamente nas tempestades, aumentando a quantidade de raios quando há mais poluição.
Além da condição de interação com raios na distribuição das cargas elétricas gerando a incidência de raios, [os incêndios] também tem esse aspecto da visibilidade que acredito que seja o mais importante na saúde pública, que a gente tem visto também um aumento nas crises respiratórias por conta dessa fumaça.
Estael Sias, meteorologista do MetSul