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Candidatura coletiva une pastor e filha de candomblé contra o racismo

O pastor Marcos Costa e a filha de candomblé Juliana Souza Imagem: Arquivo Pessoal

Do UOL, em São Paulo

23/07/2024 04h00

Depois da eleição dos primeiros mandatos coletivos na Câmara Municipal de São Paulo em 2020, uma chapa coletiva de negros que defendem a diversidade religiosa vai concorrer este ano: com seis integrantes, o Coletivo Luiz Gama, do PSOL, juntou um pastor e uma filha de candomblé para chamar a atenção para o preconceito racial e religioso na cidade, onde denúncias de intolerância não param de crescer.

O que aconteceu

Filha de pais católicos, Juliana Souza, 35, cresceu morando ao lado de um terreiro na Cidade Líder, na zona leste. "Vi muito preconceito contra o terreiro", diz ela. "Cresci nos arredores ouvindo que ali era lugar do capeta, do demônio. Viviam chamando a polícia."

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Juliana se converteu ao candomblé há cinco anos, quando ela mesma passou a sentir o "racismo religioso". "Esta semana um motorista de aplicativo se recusou a transportar duas irmãs porque elas estavam vestidas com as nossas roupas brancas", diz.

Juliana Souza, 35, nasceu e cresceu ao lado de um terreiro na Cidade Líder Imagem: Arquivo Pessoal

Já ativista, Juliana encontrou os outros membros do coletivo por meio de amigos em comum no movimento negro. Ao se juntarem, notaram a diversidade religiosa dos membros. "Tem umbandista, candomblecista, evangélico...", diz ela. Eles perceberam também que "o racismo religioso afetava a todos nós". "Esse é um dos tentáculos do racismo. Lutar contra o preconceito religioso é lutar contra o racismo."

As denúncias contra intolerância religiosa crescem no estado. Só nos três primeiros meses do ano passado foram registradas 181 denúncias, quase a mesma quantidade de todo o ano de 2022 (207). "Com a ampliação do debate sobre racismo e intolerância religiosa, muitas pessoas se sentem mais encorajadas a denunciar essas práticas", diz Juliana.

Os terreiros são o que os quilombos foram no passado. Eles eram os indesejados. Quando você não tem nenhum lugar na sua vida, você tem a casa de Axé.
Juliana Souza, pré-candidata

Evangélico desde criança

O evangélico do grupo é o pesquisador Marcos Costa, 49, pastor da Igreja Batista Jardim da Conquista, em São Mateus (zona leste). "Conheci o pastor pela amizade que ele tem com minha Iyalorisa [sacerdotisa] Cida de Oyá", diz Juliana.

Ordenado pastor este ano, Costa é evangélico desde criança. Inspirado pelo pai, que foi pastor da Assembleia de Deus, Costa já pregava na comunidade desde a adolescência. Aos 16 anos, porém, questionou a falta de engajamento político de sua igreja e encontrou resposta entre os batistas, cuja origem remonta à Inglaterra no início do século 17. "Fui considerado missionário por muito tempo até receber o título de pastor, que significa cuidador", diz.

Evangélico desde criança, o pastor Marcos Costa será o candidato oficial do coletivo Imagem: Arquivo Pessoal

Costa lamenta a perseguição que alguns evangélicos infligem a religiões de matriz africana. "Existe até crime organizado ligado a igrejas neopentecostais que proíbem terreiros em comunidades", diz Costa, ao lembrar que o cristianismo já foi vítima de perseguição.

Até hoje há cristãos perseguidos em países teocráticos, como o Irã. "Quando o evangélico é intolerante, ele nega a história da própria religião. Sem liberdade religiosa não teríamos chegado aqui", diz. Em 2020, 31% dos brasileiros eram evangélicos, contra 50% de católicos e 2% de afro-regiliosos, segundo o Datafolha.

Hoje, afirma o pastor, o evangélico sofre outros tipos de preconceito. Formados por 60% de pretos e pardos, os protestantes brasileiros "por muito tempo viveram em guetos". "Criaram sua linguagem, seu jeito de se vestir, mas não tiveram inserção social", afirma. Ele diz que é difícil encontrar evangélicos de renome em espaços acadêmicos, ou fazendo cinema e artes plásticas. "Hoje a maioria dos artistas estão restritos à musica gospel."

Um dos desafios da comunidade é superar a segregação e chegar a esses espaços. Evangélicos ou candomblecistas, a gente tem a mesma identidade afro-brasileira e precisa se organizar politicamente.
Marcos Costa, pré-candidato

Negros fora da política

Os membros do coletivo se uniram também para aumentar a representação negra na política. Em 2022, por exemplo, pretos e pardos conquistaram 26% das cadeiras na Câmara dos Deputados, embora sejam 55,5% da população.

Se não bastasse, a PEC da Anistia quer perdoar os partidos que não financiaram corretamente candidaturas negras e femininas em 2022. Embora as legendas devam distribuir proporcionalmente os recursos do Fundo Partidário e do Fundo de Financiamento de Campanha aos candidatos negros, a PEC livra os partidos que desrespeitaram a regra de multa estimada em R$ 23 bilhões. Aprovado na Câmara, o texto aguarda votação no Senado.

O líder abolicionista e ex-escravizado brasileiro Luiz Gama, por volta de 1880 Imagem: Wikimedia Commons

O lançamento de coletivos negros é uma estratégia para superar essa lacuna. "Pensamos em unir o tema racial como o eixo central dos compromissos do coletivo", diz o pastor. "Não queremos uma república pentecostal, católica ou muçulmana, mas que o Estado dê condições para que todas as expressões religiosas tenham espaço."

Foi por isso que o coletivo foi batizado com o nome do advogado abolicionista Luiz Gama (1830-1882). "A gente queria um nome que representasse a constituição da nossa população", diz Juliana. "Luiz Gama foi um negro que libertou muitos escravizados apesar das circunstâncias da época. Como ele, a gente busca por Justiça e ocupação dos espaços de poder."

A candidatura coletiva será encabeçada pelo pastor. Embora o mandato seja coletivo, apenas um integrante do grupo aparece na urna eletrônica. Como o modelo não é previsto em lei, o acordo é informal e cabe a quem for eleito dividir as tarefas com os outros integrantes.

O Luiz Gama será mais um coletivo que o PSOL tenta emplacar. São do partido os dois coletivos que chegaram pela primeira vez à Câmara Municipal na eleição passada: a Bancada Feminista e o Quilombo Periférico, também formado por negros.

A mensagem é simples: Quando você chega na UBS procurando um médico para seu filho e marcam a consulta pra daqui seis meses, você pode ser crente, católico, umbandista ou ateu: o sofrimento é o mesmo. Quando seu filho negro é assassinado pela polícia, não interessa se ele é do Candomblé ou da Deus é Amor.
Marcos Costa, pré-candidato

Da esquerda para a direita, os candidatos do coletivo: Álvaro Jeronymo, Juliana Sousa, Elaine Souza, Jean Corrêa e Marcos Costa. Paulo Henrique ainda não tirou foto com o coletivo porque está afastado por motivos de saúde Imagem: Arquivo Pessoal

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