Michelle e Damares oferecem treinamento político para mulheres de direita
Do UOL, em São Paulo
13/08/2024 12h00Atualizada em 13/08/2024 15h22
A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (PL) e a senadora Damares Alves (Republicanos) têm encabeçado ações na direita para fortalecer e aumentar o número de candidaturas de mulheres conservadoras. A ofensiva inclui desde formações online até cursos e encontros presenciais com instruções para montar planos de governo.
O que aconteceu
Trabalho envolve ações partidárias e conjuntas de mulheres bolsonaristas. Ao UOL, Damares brinca que há uma "competição saudável" entre as representantes dos partidos — PL, Republicanos, PP — sobre quem vai eleger mais mulheres no pleito municipal. O objetivo final, segundo a senadora, é que o grupo político consiga bater "todos" os recordes nas eleições deste ano.
Formações políticas têm aumentado o número de lideranças femininas na direita. Michelle e a senadora planejam um encontro com as candidatas eleitas para entregar planos de governos. "Elas também vão sair com um projeto de lei para entregar no primeiro dia de mandato", explica a senadora. A ideia é que as mulheres se sintam "preparadas" para administrar as cidades. Uma das propostas é uma política municipal de enfrentamento ao suicídio.
Michelle deve visitar 70 cidades para reforçar as candidaturas femininas pelo país, segundo apurou o UOL. A ex-primeira-dama já tem dedicado parte de uma agenda apertada para eventos voltados a mulheres de direita. "Vocês são os braços do PL nos seus estados e municípios para garantir o maior número de candidatas", afirmou Michelle em palestra. O evento virou curso online no site do partido — a reportagem realizou a formação.
À frente do PL Mulher desde março do ano passado, Michelle empossou mulheres em todos os estados do país. "Aconteceu um fenômeno que há muito tempo não víamos", afirma Rosana Valle, presidente estadual do PL em São Paulo e candidata à Prefeitura de Santos. "O PL não teve dificuldade para encontrar mulheres que quisessem se candidatar a vereadoras."
Ofensiva para eleger mais mulheres nos municípios teve início ainda em 2022. Damares e Michelle foram as responsáveis pela campanha "Mulheres com Bolsonaro" com o objetivo de conter a rejeição feminina ao então candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL). Elas rodaram o país realizando eventos com este mote.
O fator Michelle e a formação de lideranças femininas
Michelle é um dos trunfos do partido para conquistar uma parcela cada vez maior do eleitorado feminino. Entre a então primeira-dama e a atual líder política, não foi apenas a roupa ou os cabelos que mudaram. A presença nos palanques também se consolidou.
"Onde a figura feminina se encaixa no significado de política?". Com essa pergunta, Michelle abre o curso de formação política para mulheres. A ex-primeira-dama diz que "o olhar da mulher" é necessário na política. Depois, diz que as lideranças estaduais devem ajudar a cumprir a meta do partido que é chegar a 1.500 prefeituras nas eleições municipais.
Em palestras, Michelle traça perfil da mulher de direita. A ex-primeira-dama diz que elas têm características como "delicadeza, afabilidade e amabilidade" e tenta opor o que acredita ser as bandeiras mobilizadas por mulheres de esquerda. "A gente não quer competir com os meninos, a gente só quer somar nossas qualidades", afirma.
Marca da mulher de direita é a feminilidade, a do outro lado é o feminismo, afirma a ex-primeira-dama. "Somos mulheres multifuncionais, somos mulheres lindas. A gente não precisa gritar, não precisa mostrar nada para mostrar nosso potencial", diz.
Com aceno ao eleitorado evangélico, figuras bíblicas como Sara e Débora também são citadas por Michelle. "A que eu mais admiro é Maria por ser obediente. Somos mulheres cristãs, tementes a Deus", diz ela ao relacionar o trabalho de desenvolver políticas públicas em bairros a uma "missão divina".
Presidente do PL Mulher em São Paulo participou de formações políticas e hoje ministra palestras sobre organização de campanha. "Falo sobre como é difícil encontrar um partido, sobre estratégias para redes sociais", afirma. "Sempre faço encontros com mulheres para falar sobre política porque a mulher é cuidadora e tem um olhar mais detalhista para as políticas públicas."
Formações envolvem desde a composição das chapas até posições defendidas pela direita. "De um lado, ensinamos a conta do coeficiente eleitoral para serem eleitas, a diferença entre o que fazem deputados e senadores e como crescer nas redes sociais", relata Rosana. "De outro lado, ensinamos os valores da família, nossas pautas contra o aborto, a favor da vida e contra a liberalização das drogas."
Sou uma mulher comum como vocês, lavo, cozinho, cuido dos meus filhos, do meu galego [Jair Bolsonaro], com orgulho e esmero. Isso não me diminui como mulher, isso me fortalece."
Michelle Bolsonaro, ex-primeira-dama em palestra
Mulheres bolsonaristas à frente de mobilização
Movimento aposta que "revolução" começa no município, afirma Damares. "Elas já estão na ponta, mudando as realidades locais, incomodadas, mas muitas achando que esse espaço da política não é delas", diz a senadora. A ex-ministra explica que o foco é empoderar essas lideranças para que também enxerguem que podem ser candidatas.
O processo de reforçar candidaturas também passa por "trabalhar a cabeça dos presidentes dos partidos". O Republicanos criou uma resolução em que as nominatas da sigla — lista com as candidaturas— não podem ser aprovadas sem o aval da secretária da Mulher, segundo Damares. "É irmos além da cota, da obrigação. A mulher precisa se sentir parte do processo", afirma.
Violência eleitoral contra mulheres é tema combatido. Sem citar o termo "violência de gênero", Michelle diz em palestras gravadas que vai trabalhar para blindar as lideranças femininas de "assédios, abusos e excessos". No Republicanos, o partido tem um "observatório" que dá treinamento aos candidatos homens e suporte às mulheres. "A gente não vai tolerar violência política contra mulher. Nossos candidatos estão orientados e eles têm que respeitar a condição de gênero", afirma Damares.
Grupo político enxerga candidaturas femininas estratégicas não apenas para esta eleição. Consolidar o voto este ano reforça o projeto para aumentar a bancada no Congresso em 2026. "Queremos um Brasil conservador, uma nação próspera e com as nossas liberdades garantidas", afirma Damares. As mulheres representam mais da metade do eleitorado brasileiro e influenciam, segundo pesquisas, na decisão voto dos filhos, dos maridos na hora da urna.
A senadora e a ex-primeira-dama serão embaixadoras de movimento "Mulher Conservadora", que será lançado após a eleição. A ideia é que reunir mulheres eleitas e também as que participam de conselhos tutelares, de saúde. Ontem, o grupo lançou a primeira campanha "Mulheres Pela Vida" — uma ação que condena o aborto.
São Paulo (SP), Imperatriz do Maranhão (MA), Governador Valadares (MG) estão na lista de cidades prioritárias. A busca é pelas cadeiras das prefeituras e também por vagas nas câmaras legislativas.
Além de Damares e Michelle, que são as principais representantes deste campo, a ofensiva tem ações da vice-governadora Celina Leão (Progressistas) e a deputada federal Bia Kicis (PL). Com Bolsonaro inelegível até 2030, ainda não se tem um nome uníssono para direita colocar como candidato à Presidência.
Queremos depois medir as candidaturas, ver como isso surtiu efeito na ponta da política pública. Com uma mulher mais preparada, quais mudanças podem ser feitas em um município? Já temos pesquisas pelo mundo que mostram que uma cidade governada por mulheres zera a mortalidade infantil, a evasão escolar despenca.
Damares Alves, senadora (Republicanos)
O engajamento político de mulheres da direita
Ideia de "empoderamento" de mulheres está presente no discurso da mulher média brasileira. Segundo a cientista política e diretora científica do Centro de Imaginação Crítica do Cebrap, Camila Rocha, a autonomia feminina tem sido defendida por mulheres que pertencem à extrema direita e à esquerda.
Empoderamento feminino tem diferentes significados para as mulheres, apontam pesquisas realizadas pela cientista política. "Para a mulher média existe um certo contentamento de que empoderamento significa independência financeira e liberdade de escolhas", diz ela que pesquisa eleitoras de Bolsonaro e outros políticos de direita.
Mulheres identificadas com Michelle têm forte identificação religiosa. "Há um grupo de mulheres que definem como empoderadas em 'Deus'", diz a pesquisadora. Segundo ela, em 2019, pastoras com atuação política encabeçavam esse movimento.
Há diferença entre o "empoderamento nefasto" e o suposto "empoderamento do bem". Na avaliação de Camila, Michelle, ao contrário de outras lideranças femininas de direita, se tornou uma referência de atuação política. "O carisma ligado à juventude, a beleza e a presença nos eventos inspiram outras mulheres", diz. "A média de mulheres simpatiza com o chamado empoderamento do bem e não se sentem atraídas por outras formas de militância, como a Marcha das Vadias", explica.
Cursos tradicionais de formação política não se aproximam de mulheres religiosas e mais velhas, diz pesquisadora. "São propostas mais objetivas em que elas já saem com propostas de autoria própria [projetos de lei]. É uma estratégia engenhosa, que as fazem lutar e brigar até que sejam aprovados."
Existem mulheres de direita e de extrema direita que se entendem como feministas. Mas elas se entendem como 'feministas do bem', que valorizam a figura da mãe e da mulher e consideram como 'feministas do mal' quem acredita ser ruim exercer papeis de dona de casa.
Camila Rocha, cientista política e diretora do CCI/Cebrap