OPINIÃO
Como provocações de Marçal colocaram saúde mental no centro do debate em SP
Matheus Pichonelli
Colunista convidado
01/10/2024 10h37
Pablo Marçal (PRTB) mirou no que viu e acertou no que não viu durante o debate UOL/Folha desta segunda-feira (30).
Ao citar um histórico de internação de Guilherme Boulos (PSOL) no Hospital do Servidor em São Paulo, a estratégia parecia óbvia: deixar subentendido que o adversário, a quem acusa sem provas de ser usuário de drogas, em algum momento precisou ser internado para uma possível desintoxicação.
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Boulos anteviu a armadilha e se antecipou: "Ele (Marçal) está se referindo a um período quando, com 19 anos, eu enfrentei uma depressão crônica. Nunca disse isso publicamente porque não cabe, e fiquei alguns dias no Hospital do Servidor. Enfrentei como muitos jovens enfrentam, e lidei com ela, venci a depressão e segui em frente, que é o que eu desejo para todos os que enfrentam depressão."
Em entrevista a jornalistas, ao fim do encontro, o deputado explicou: "Fiquei quatro ou cinco dias no hospital porque enfrentei uma depressão muito dura. Fiz terapia, análise, utilizei medicamentos receitados pelos psiquiatras. Meus pais eram servidores públicos, e eu podia usar o hospital como dependente."
Era uma resposta à altura para quem, assim como Ricardo Nunes (MDB), tentou de todo jeito transformar o debate em um confronto da guerra cultural, colocando temas como aborto, fé e uso de drogas no centro da conversa — longe, portanto, das atribuições de um prefeito ou prefeita.
O que Marçal conseguiu, por vias tortas, foi colocar novamente o tema da saúde mental no centro da campanha municipal.
Isso já tinha acontecido ainda na pré-campanha, quando trouxe à tona o episódio do suicídio do pai de Tabata Amaral (PSB), após o agravamento de um quadro de bipolaridade e uso de drogas. Ele pretendia acusar a adversária de abandonar o próprio pai.
Tabata enfrentou a questão de peito aberto. Desde então não perde a oportunidade de trazer o tema da saúde mental na lista de suas propostas para a cidade.
"Uma boa parte do investimento que a gente se compromete a fazer, inclusive com repasse do governo federal e estadual, é na saúde mental. Toda UBS [Unidade Básica de Saúde], todo posto, tem que ter uma equipe de saúde mental. Porque os sintomas [de transtornos mentais] surgem na adolescência, mas a escola não sabe o que fazer, então tem que ter um psicólogo presente. E todo hospital municipal tem que ter uma enfermaria psiquiátrica, pra gente conseguir acolher quem está doente hoje", disse ela em entrevista à CNN Brasil.
O tema também tem relevo no plano de governo de Boulos. Ele promete fortalecer a rede de Saúde Mental com a implantação de novos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS Adulto, CAPS Infantil e CAPS Álcool e Drogas) e garantir o atendimento de urgência e emergência psiquiátrica no conjunto dos hospitais geridos pelo município.
José Luiz Datena (PSDB) também trata do tema em seu plano, com promessas de parcerias e a contratação de mais psicólogos e terapeutas para atendimento de quadros como ansiedade, acentuada pela pandemia, sobretudo de crianças, jovens e idosos.
Nunes até trata do tema, mas no campo da reabilitação de usuários de drogas no entorno da "Cracolândia".
Marçal, por sua vez, aposta as fichas na integração entre saúde e esportes para "prevenir milhares de doenças" e combater a depressão —que ao menos identifica como "mal do século".
A maior contribuição dele para o debate, no entanto, é indireta.
Conhecido por ministrar cursos que prometem fortalecer a "inteligência emocional" de quem pretende prosperar na vida, ele testou diversos gatilhos emocionais para expor ao vivo as supostas fragilidades dos concorrentes. A estratégia só mostra que, ao dividir o mundo entre vencedores e vencidos (ou fortes e fracos), não entendeu nada sobre o assunto.
Sem querer, Marçal deu aos rivais uma oportunidade de falar sobre um tema que deveria ser prioridade em qualquer gestão —mas que ainda é tratado como sinal de fraqueza. Ou era.
Boulos e Tabata, ao responderem aos ataques corajosamente, mostram que é possível discutir saúde mental sem tabu e com a seriedade que a questão merece.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL