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Caso Maria vai piorar perseguição a ciganos na Europa, diz especialista

A menina búlgara Maria, encontrada com uma família de ciganos na Grécia, chamada de "anjo loiro" - Reprodução
A menina búlgara Maria, encontrada com uma família de ciganos na Grécia, chamada de "anjo loiro" Imagem: Reprodução

Izabelle Mundim

Do UOL, em São Paulo

31/10/2013 14h32

A repercussão do caso da menina búlgara Maria, loira de olhos claros, encontrada em outubro com uma família de ciganos em Farsala, na Grécia, pode aumentar casos de discriminação contra os povos ciganos -- chamados de roma -- na Europa e incitar novos casos de xenofobia, na opinião do geógrafo Marcos Toyansk, doutor em associativismo transnacional cigano, consultado pelo UOL.

"Casos recentes como a expulsão de ciganos da França, promovida por Sarkozy, e, continuada pelo governo atual, levam à conclusão de que é provável que pessoas que apoiam esse tipo de intervenção usarão o caso Maria como argumento para estigmatizar ainda mais os povos ciganos europeus", avalia.

Para o geógrafo, a criação, há poucos anos, da Guarda Húngara, organização paramilitar de extrema-direita que tem por finalidade atacar ciganos e judeus, é outro exemplo do quanto o cenário atual é ruim na Europa.

Dias após o caso Maria, duas crianças -- também loiras e de olhos claros -- foram tiradas de suas famílias na Irlanda, por não serem parecidas com os pais. A polícia irlandesa alegou suspeita de sequestro, mas exames de DNA comprovaram a ligação com os parentes e elas foram devolvidas.

"Os dois casos podem dar argumento tanto para o anticiganismo, ao alimentar o imaginário de que essas pessoas sequestram crianças, tanto para os defensores, já que nos dois casos foi constatado que elas eram ciganas", afirma Toyansk. "Infelizmente, tendo a crer que o primeiro argumento já está sendo utilizado para justificar o estereótipo negativo".

Maria, 4, que também foi chamada de "anjo loiro" pela imprensa grega, era filha de uma mulher que abriu mão de sua guarda por não ter como sustentá-la.

"O fato de o destaque ter sido a aparência nórdica da menina demonstrou o preconceito racial e o quanto se desconhece dos povos ciganos, que são miscigenados e não têm necessariamente uma aparência definida", diz Toyansk.

Também em outubro, outro caso envolvendo ciganos ganhou destaque. A França foi palco de protestos após uma estudante de 15 anos ter sido deportada para Kosovo quando retornava de uma viagem escolar. O tratamento conferido à garota motivou protestos pelo país.

"O número de casos do tipo têm crescido nos últimos anos. Quase diariamente uma nova agressão é reportada a organizações ciganas europeias e a minha percepção é a de que a situação está cada vez pior", afirma.

Perseguição histórica

Segundo Toyansk, a história dos ciganos na Europa é uma história de perseguição. "Não há um consenso, mas os povos ciganos migraram da Índia provavelmente por causa das invasões muçulmanas, atravessaram a Ásia Central e chegaram na Romênia, Bulgária e região dos Balcãs, por volta de 1350", diz.

A partir daí, "a situação variou de perseguições mais intensas para menos intensas, dependendo do país", segundo o especialista. Pode-se destacar três importantes momentos da histórica opressão contra os ciganos na Europa.

"Ao se estabelecerem na Europa, os ciganos foram escravizados em diversos países até 1864. Durante a Inquisição, na Península Ibérica, a partir do século 15, eram considerados de sangue impuro, ao lado de judeus, mouros, negros e indígenas", afirma.

Na Inquisição, muitos foram expulsos para outros países, homens foram exterminados sob o império de Carlos 6º, enquanto as mulheres e crianças tiveram as orelhas cortadas para serem identificadas, entre outros tipos de tortura.

'A terceira grande perseguição foi o Holocausto, quando morreram uma estimativa de meio milhão de ciganos", diz.

'Considerados criminosos genéticos pelos nazistas, os ciganos foram excluídos da sociedade alemã após a ascensão de Hitler, assassinados, esterilizados e torturados", afirma.
O episódio ficou conhecido como "porrajmos" ou "a devoração".

Segundo Marcos Toyansk, a principal justificativa para a perseguição aos roma é o uso de falsos argumentos para atribuir a eles a culpa por problemas nos países para onde migram.
"Os ciganos são usados como bode expiatório e em momentos de crise isso se intensifica", afirma.

A crise econômica atual é um exemplo, mas, segundo ele, isso não é um fenômeno recente.

"Quando houve a derrubada do modelo soviético na Europa oriental, na década de 1990, e a abertura para o capitalismo, também houve segregação aos ciganos. Em alguns países eles foram excluídos da busca por emprego, as crianças foram segregadas nas escolas, alguns perderam a cidadania", avalia.

Segundo ele, na Europa há a crença de que os ciganos não querem se integrar, e que estabelecem uma cultura de segredo, como se auto excluíssem.

"Se tem a visão de que a maioria é itinerante, quando a maior parte dos ciganos, tanto na Europa quanto no Brasil e Estados Unidos, vive em casas", afirma.

Eles migram quando as condições são ruins, segundo Toyansk. "Quando há discriminação, não há trabalho e não há escola, mudar de país é uma opção, para qualquer ser humano".

"Os ciganos costumam ser vistos dessa maneira, que não querem se integrar, não falam o idioma local, no entanto, muitos já estão integrados ou querem se integrar em países onde o preconceito impede isso", diz.

Na avaliação de Toyanski, houve alguns momentos da história de alguns países em que os ciganos se integraram bem. Segundo ele, a Espanha atual representa um modelo de integração relativamente bem sucedido. "Porque houve um estímulo a isso", diz.

"O principal receio é que esse tipo de discurso acabe impactando também fora da Europa, que influencie a visão de outros países com o anticiganismo", afirma.

"Brasil pode influenciar as políticas da Europa sobre ciganos"

A situação no Brasil e também nos Estados Unidos é muito mais favorável para ciganos viverem do que na Europa, segundo Toyansk.

"A experiência do Brasil e dos Estados Unidos poderia influenciar a condução das políticas na Europa. Nós não temos uma experiência perfeita, mas aqui não se criou uma categoria étnica associada à pobreza, à marginalidade", afirma.

Os grupos ciganos chegaram ao Brasil no século 16, originários das expulsões de Portugal. Desde então, se espalharam por diversos Estados até se instalarem em 291 dos 5.565 municípios brasileiros, segundo o Censo 2010, do IBGE

"O preconceito e a discriminação no Brasil com relação aos ciganos são, certamente, bem menos intensos que na Europa de nossos dias. Não houve aqui a criação de uma classe étnica cigana, associada à pobreza e exclusão, como está ocorre em partes da Europa", diz.

Segundo ele, no país também há discriminação, e nem sempre um imaginário que corresponde à realidade.

"Por aqui também há estereótipos negativos, como o que de que é um povo que não trabalha, que rouba, assim como há o imaginário de um povo livre, itinerante, que gosta de música, mas não o discurso de ódio como ocorre em diversos países europeus", afirma.

Estatísticas

Entre 10 e 12 milhões de ciganos vivem na Europa. Desse total, segundo a Anistia Internacional, 1,8 milhão vivem na Romênia, 750 mil são búlgaros, 490 mil são eslovacos e 150 mil são italianos.

A expectativa de vida de um cigano na União Europeia não atinge os 50 anos e a porcentagem de ciganos europeus abaixo da linha da pobreza é de 86%, segundo Toyansk, com dados de 2010.

Nos Estados Unidos, vivem cerca de um milhão de ciganos, enquanto no Brasil, entre 600 e 800 mil.

Segundo a Anistia Internacional, 10 mil ciganos foram expulsos de acampamentos improvisados em que viviam na França, no primeiro semestre de 2013.